Reflexões sobre a Estética e Figura Literária do Dândi

por Robert Steuckers

Antes de entrar no assunto principal, eu gostaria de fazer três observações preliminares:

Eu hesitei em aceitar seu convite para falar sobre a figura do dândi, pois esse tipo de questão não é meu tema principal de interesse.

Eu finalmente aceitei porque redescobri um ensaio lúcido e magistral de Otto Mann, publicado há muitos anos na Alemanha: “Dandismo como Estilo de Vida Conservador” (“Dandysmus als konservative Lebensform”). Esse ensaio merece ser republicado, com comentários.

Minha terceira observação é metodológica e definicional. Antes de falar sobre o “dândi”, e relacionar o tema à excelente obra de Otto Mann, eu devo estabelecer as diferentes definições do “dândi”. Essas definições são de modo geral errôneas, ou superficiais e insuficientes.

Alguns definem o dândi como “um fenômeno puramente da moda”, como um personagem elegante, nada mais, preocupado apenas com se vestir segundo o último estilo. Outros o definem como um personagem superficial que ama a boa vida e transita ociosamente de cabaré a cabaré. Françoise Dolto pintou um retrato psicológico do dândi. Ainda outros enfatizaram quase exclusivamente a dimensão homossexual de certos dândis como Oscar Wilde. Menos comumente, o dândi é assimilado a um tipo de avatar de Don Juan, que preenchia seu vazio acumulando conquistas femininas. Essas definições não são as de Otto Mann, que eu adotei.

O Arquétipo: George Bryan Brummell

Seguindo Otto Mann, eu mantenho que o dândi possui um significado cultural bem mais profundo que epicuristas superficiais, hedonistas, homossexuais, Don Juans, e vítimas da moda. Para Otto Mann, o modelo, o arquétipo do dândi permanece sendo George Bryan Brummell, uma figura do início do século XIX, a quem ele se opunha.

Brummell, contrariamente a certos pseudo-dândis posteriores, era um homem discreto, que não buscava atrair atenção para si mesmo por vestimentas ou excentricidades comportamentais. Brummell evitava cores berrantes, não usava jóias, não se devotava a jogos sociais puramente artificiais. Brummell era distante, sério, dignificado; ele não tentava causar impressão, como figuras posteriores tão variadas quanto Oscar Wilde, Stefan George ou Henry de Montherlant. Para ele, tendências espirituais predominam. Brummell participava socialmente, conversava, contava histórias, usando ironia e mesmo zombaria. Falando como Nietzsche ou Heidegger, poderíamos dizer que ele ascendeu acima do “humano, demasiado humano” ou da banalidade quotidiana (Alltäglichkeit).

Brummell, um dândi de primeira geração, encarna uma forma cultural, um modo de ser, que nossa sociedade contemporânea deveria aceitar como válida, de fato como singularmente válida, mas que ela não pode mais gerar, ou gerar suficientemente. Que é a razão pela qual o dândi se opõe a nossa sociedade. As razões principais que subjazem sua oposição são as seguintes: (1) a sociedade aparece como superficial e marcada com inadequações e insuficiências; (2) o dândi, como forma cultural, como a encarnação de uma maneira de ser, se apresenta como superior a essa sociedade medíocre e inadequada; (3) o dândi brummelliano não faz nada exagerado ou escandaloso (sexualmente, por exemplo), não comete crimes, não possui comprometimentos políticos (diferentemente dos dândis da segunda geração como Lord Byron). O próprio Brummell não pôde manter essa atitude até o fim de seus dias, porque ele estava afundado em dívidas e morreu na pobreza em um hospício em Caen. Em certo ponto, ele havia dado as costas ao frágil equilíbrio demandado pela postura inicial do dândi, do qual ele foi a primeira encarnação.

Um Ideal de Cultura, Equilíbrio e Excelência

Se o comportamento e modo de ser do dândi não contém exagero, nenhuma originalidade exibicionista, então por que ele aparece importante, ou meramente interessante, para nós? Porque ele encarna um ideal, que é em alguma medida, mutatis mutandi, o mesmo que a paidea grega ou a humanitas romana. Em Evola e Jünger há nostalgia pela magnanimitas latina, pela hochmuote dos cavaleiros germânicos dos séculos XII e XIII, avatares romanos ou medievais de um modelo proto-histórico persa, primeiro proposto por Gobineau e então por Henry Corbin. O dândi é a encarnação desse ideal de cultura, equilíbrio e excelência durante um dos períodos mais triviais na história, em que o burguês cru e calculista e o militante barulhento do tipo hebertista ou jacobino tomaram o lugar do aristocrata, do cavaleiro, do monge e do camponês.

Ao fim do século XVIII, com a Revolução Francesa, essas virtudes, emergindo das profundezas proto-históricas mais antigas da humanidade européia, foram completamente postas em questão. Primeiro pela ideologia do Iluminismo e seu corolário, o igualitarismo militante, que apagaria todos os traços visíveis e invisíveis desse ideal de excelência. Então, pelo Sturm und Drang e pelo Romantismo, que, como reação, às vezes pendia na direção do sentimentalismo inefetivo, que é também uma expressão de desequilíbrio. Os modelos imemoriais, às vezes turvados e difusos, as atitudes arquetípicas sobreviventes… desaparecem.

Os ingleses primeiro tomaram consciência disso, ao fim do século XVII, mesmo antes dos tumultos do século XVIII: Addison e Steele nas colunas do Spectator e do Tatler notaram a necessidade urgente de preservar e manter um sistema de educação, uma cultura geral capaz de garantir a autonomia do homem. Um valor que a mídia atual não promove, prova silenciosa de que de fato caímos em um mundo orwelliano, que porta a máscara do “bom apóstolo democrático”, inofensivo e “tolerante”, mas impiedosamente persegue todos os resíduos de autonomia no mundo de hoje. Em seus artigos sucessivos, Addison e Steele nos legam uma visão implícita da história cultural e intelectual da Europa.

O Ideal de Goethe

O mais elevado ideal cultural que a Europa já conheceu é certamente a paidea grega. Ela havia sido reduzida a nada pelo cristianismo primitivo, mas, do século XIV em diante, vê-se por toda Europa um desejo pela ressurreição dos ideais antigos. O dândi, e, muito antes de sua emergência na cena cultural européia, os dois jornalistas ingleses Steele e Addison, queriam encarnar essa nostalgia pela paidea, em que a autonomia de cada indivíduo é respeitada. De fato, eles tentam realizar concretamente na sociedade o objetivo de Goethe: incitar seus contemporâneos a forjar e moldar uma personalidade, que será moderada em suas necessidades, satisfeita com pouco, mas acima de tudo capaz, através desse ascetismo silencioso, de alcançar o universal, de ser um modelo para todos, sem trair sua humanidade original (Ausbildung seiner selbst zur universalen und selbstgenugsamen Persönlichkeit).

O ideal goethiano, partilhado avant la lettre pelos dois publicistas ingleses e então encarnado por Brummel, não passou intacto pelas vicissitudes da Revolução Francesa, da revolução industrial, e as revoluções científicas diversas. Sob os golpes do desprezo moderno pelo Antigo, a Europa se encontrou privada de qualquer cultura substancial, qualquer tutano ético. As consequências são plenamente aparentes hoje no declínio da educação.

De 1789 através do século XIX, o nível cultural gradativamente decaiu. O declínio cultural começou no topo da pirâmide social, a partir de então ocupada pela burguesia triunfante que, contrariamente às classes dominantes de tempos anteriores, não possui base moral capaz de manter um alto nível de civilização; não possui base religiosa, nem qualquer ética profissional, diferentemente do artesão e comerciante outrora supervisionados por suas guildas ou corporações (Zünfte). O único objetivo da burguesia é o acúmulo de dinheiro, o que nos permite falar, seguindo René Guénon, de um “reino da quantidade” em que toda qualidade é banida.

Nas classes desprivilegiadas no fundo da escada social, qualquer elemento de cultura é erradicado muito simplesmente porque as pseudo-elites não mais sustentam um padrão cultural; o povo, alienado, inseguro, proletarizado, não é mais uma matriz de valores específicos etnicamente determinados, muito menos uma matriz capaz de gerar uma contracultura ativa que poderia facilmente nulificar o que Thomas Carlyle chamou de “mentalidade do fluxo de dinheiro”. Em resumo, nós estamos testemunhando a ascensão de um barbarismo afluente (eine ökonomisch gehobene Barbarei), economicamente avançado e culturalmente vazio.

Não se pode ser rico no estilo burguês e também refinado e inteligente. Isso é obviamente verdadeiro: ninguém cultivado quer se encontrar em um jantar, ou conversa, com bilionários como Bill Gates ou Albert Frère, nem com banqueiros ou construtores de automóveis ou refrigeradores. O verdadeiro homem de cultural, que estaria perdido na presença de tais péssimos personagens, teria que continuamente reprimir bocejos diante de seu palavreado inepto. (Aqueles de temperamento mais vulcânico teriam que reprimir o desejo de esfregar uma torna nas faces gordas dessas nulidades.) O mundo seria mais puro – e certamente mais belo – sem tais criaturas.

A Missão do Artista segundo Baudelaire

Para o dândi é necessário reinjetar estética nesse barbarismo. Na Inglaterra, John Ruskin (1819-1899), os pré-rafaelitas com Dante Gabriel Rossetti e William Morris, puseram mãos à obra. Ruskin elaborou projetos arquitetônicos para embelezar as cidades tornadas feias pela industrialização anárquica da era manchesteriana. Especificamente, isso levou à construção de “cidades jardim”. Henry van de Velde e Victor Horta, arquitetos belga e alemão do Art Nouveau ou Jugendstil, levaram essa tocha. Mas ainda assim, apesar dessas realizações concretas – pois a arquitetura permite muito mais facilmente a realização concreta – o golfo entre o artista e a sociedade jamais deixou de crescer. O dândi é como o artista.

Na França, Baudelaire, em seus escritos teóricos, apresenta o artista como o novo “aristocrata”, cuja atitude deve estar estampada com frieza distante, cujos sentimentos não devem ser excitados nem irritados além da medida, cuja qualidade principal deve ser a ironia, junto com a habilidade de contar anedotas agradáveis. O dândi artístico toma distância de todas as fantasias convencionais da sociedade.

As perspectivas de Baudelaire são resumidas nas palavras de um personagem do livro de Ernst Jünger Heliopolis: “Eu me tornei um dândi, que torna o desimportante importante, que sorri para o importante” (“Ich wurde zum Dandy, der das Unwichtige wichtig nahm, das Wichtige belächelte”). O dândi de Baudelaire, seguindo o exemplo de Brummell, é assim não um personagem escandaloso e sulfuroso como Oscar Wilde, mas um observador frio (ou, para parafrasear Raymond Aron, um “espectador distante”), que vê o mundo como mero teatro, geralmente insípido, em que personagens sem substância real transitam e gesticulam. O dândi baudelairiano possui um tanto de gosto para provocação, mas permanece confinado, na maioria dos casos, pela ironia. Esses exageros posteriores, geralmente tomados por expressões do dandismo, não correspondem às atitudes de Brummell, Baudelaire ou Jünger.

Assim Stefan George, apesar do grande interesse de sua obra poética, empurra o esteticismo ao ponto da autoparódia. Para Goerge, é um pequeno preço a pagar em uma era em que a “perda de todo meio feliz” se torna a regra. (Hans Sedlmayr explicou essa perda do “meio feliz” muito claramente em um famoso livro sobre arte contemporânea, Verlust der Mitte). Sedlmayr esclarece esse impulso de buscar o “estimulante”. George o encontrava no renascimento da Grécia clássica.

Oscar Wilde finalmente colocava apenas a si próprio no palco, se proclamando “reformador estético”. A arte, de seu ponto de vista, não é nada mais que um espaço de contestação destinado finalmente a absorver toda realidade social, se tornando a única realidade verdadeira. As esferas econômica, social e política são desvalorizadas; Wilde nega a elas todas substancialidade, realidade e concretude. Se Brummell mantinha um gosto inteiramente sóbrio, se ele mantinha sua cabeça sobre os ombros, Oscar Wilde posou desde o início como um semideus, vestia roupas extravagantes, com cores berrantes, um pouco como os Incroyables e os Merveilleuses da Revolução Francesa. Um provocador, ele também começou um processo negativa de “feminização/desvirilização”, caminhando pelas ruas com flores em sua mão. Pode-se considerar isso como um precursor das paradas de “orgulho gay” de hoje. Suas poses são puro teatro, muito distantes do sentimento tranquilo de superioridade de Brummell, de dignidade viril, de “nil admirari“.

Auto-Satisfação e a Expansão do “Ego”

Para Otto Mann, essa citação de Wilde é emblemática:

“Os deuses haviam me dado quase tudo. Eu tinha gênio, um nome distinto, posição social elevada, brilhantismo, ousadia intelectual: eu fiz da arte uma filosofia e da filosofia uma arte: eu alterei as mentes de homens e as cores de coisas: não havia nada que eu dissesse ou fizesse que não fizesse as pessoas pensarem: eu peguei o drama, a forma mais objetiva conhecida à arte, e a tornei um modo de expressão tão pessoal quanto a lírica ou o soneto, ao mesmo tempo que eu ampliei seu alcance e enriqueci sua caracterização: drama, romance, poema em rima, poema em prosa, diálogo sutil ou fantástico, o que quer que eu tocasse eu tornei belo em um novo modo de beleza: à própria verdade eu dei o que é falso não menos do que o que é verdadeiro como sua província de direito, e mostrei que o falso e o verdadeiro são meramente formas de existência intelectual. Eu tratei a Arte como a realidade suprema, e a vida como mero modo de ficção: eu despertei a imaginação de meu século de modo que ele criou mito e lenda ao meu redor: eu resumi todos os sistemas em uma frase, e toda existência em um epigrama. Junto a essas coisas que tinha coisas que eram diferentes”. (De Profundis)

A auto-satisfação patente, a expansão do “ego”, alcançam o ponto de mistificação.

Esses exageros continuaram crescendo, mesmo na órbita da virilidade estoica cara a Montherlant. Ele também faz poses exageradas: como praticante de uma tourada extremamente ostentosa, sendo fotografado usando a máscara de um imperador romano, etc. Seguidores menores arriscar cair no mau gosto, formalizando ao extremo as atitudes ou posturas do poeta ou do escritor. Em qualquer caso, eles não são uma solução para o fenômeno da decadência.

No que concerne ao dandismo, o único caminho é retornar calmamente ao próprio Brummell, antes que ele afundasse sob vexações financeiras. Porque esse retorno a Brummell é equivalente, se nos lembramos das exortações de Addison e Stelle, a uma mais moderna – mais civil e talvez mais trivial – forma de paidea ou humanitas. Mas, trivial ou não, esses valores ainda seriam mantidos, continuariam a existir e moldar mentes.

Essa mistura de bom senso e estética dândi tornariam possível perseguir um objetivo político prático: defender a escola no sentido clássico do termo, aumentar seu poder para transmitir o legado da antiguidade helênica e romana, visualizar uma nova e efetiva pedagogia, que misturaria o idealismo de Schiller, métodos tradicionais e os métodos inspirados por Pestalozzi.

Retorno à Religião ou “Consciência Infeliz”?

A figura do dândi deve assim ser situada de volta no contexto do século XVIII, quando os ideais e modelos clássicos da Europa tradicional estavam sendo atacados e destruídos sob os golpes de açougueiro da modernidade niveladora. A substância da religião – seja cristã ou pré-cristã sob tintura cristã – se torna vazia e exaurida. Os modernos tomam o lugar dos antigos. Esse processo leva inevitavelmente a uma crise existencial através da civilização européia.

Dois caminhos estão disponíveis para aqueles que tentam escapar desse triste destino: (1) O retorno à religião ou tradição, caminhos importantes que não são nosso tópico hoje, na medida em que representa um continente extremamente vasto de pensamento, merecendo um seminário completo para si. (2) Cultivar o que os românticos chamavam Weltzschmerz, a dor causada por um mundo desencantado, que consiste em assumir uma atitude de crítica permanente em relação as manifestações de modernidade, desenvolvimento uma consciência infeliz que gera uma cultura auto-marginalizante em que o espírito político pode formular ma oposição ao que é dominante.

Para o dândi e o romântico que oscilam entre o retorno à religião e o sentimento de Weltschmerz, esta é mais profundamente sentida. Na interioridade do poeta ou do artista esse sentimento amadurecerá, crescerá, se desenvolverá. Ao ponto de se tornar imune ao poder da consciência infeliz de causar emoções lânguidas e violentas. No fim, o dândi deve se tornar um observador frio e imparcial em controle de seus sentimentos e emoções. Se seu sangue ferve perante “horrores econômicos” ele deve rapidamente esfriar, levando à impassividade, se ele quiser encará-las efetivamente. O dândi que passou por esse processo assim alcançou uma impassibilidade dupla: nada externo pode abalá-lo; mas também nenhuma emoção interior.

Pierre Drieu la Rochelle jamais foi capaz de atingir tal equilíbrio, o que dá uma nota bastante peculiar e sedutora a sua obra, muito simplesmente porque revela esse processo em caminho, com todos os seus turbilhões, calmarias e progressos. Drieu sofre do mundo, é testado nas linhas de frente, é seduzido pela disciplina e aspectos “metálicos” do “imenso e vermelho” fascismo, em marcha em seu tempo, mentalmente aceita a mesma disciplina nos comunistas e stalinistas, mas jamais se torna realmente um “observador frio e imparcial” (Benjamin Constant). A obra de Drieu la Rochelle é justamente importa porque revela essa tensão permanente, esse medo de cair na podridão de uma emoção estéril, essa alegria em ver alternativas vigorosas ao torpor moderno, como o fascismo ou a sátira de Doriot.

Fortalecendo Mente e Caráter

Em resumo, a desconstrução das idéias de paidea antiga e a liquefação de substancialidades religiosas imemoriais começando ao fim do século XVIII, é equivalente a uma crise existencial que perpassa todos os países ocidentais. A resposta da inteligência a essa crise é dupla: ou ela clama por um retorno à religião ou causa uma dor profundamente enraizada nas profundezas da alma, a famosa Weltschmerz dos românticos.

Weltzschmerz é sentida na interioridade mais profunda do homem que encara essa crise, mas é também em sua interioridade que ele trabalha silenciosamente para ascender acima dessa dor, para torná-la o material do qual ele forja a resposta e alternativa a essa terrível perda de substancialidade que é presidida por um economicismo deletério. É assim necessário endurecer a mente e caráter contra as pontadas envolvidas pela perda de substancialidade sem inventar do nada um substituto idiota para o que foi perdido.

Baudelaire e Wilde pensam, cada um a sua maneira, que a arte oferecerá uma alternativa para as velhas substancialidades que é quase idêntica em todas as maneiras, mas mais flexível e móvel. Mas nesse caso, a arte não precisa ser compreendida como simples esteticismo. O endurecimento da mente e do caráter devem servir para combater o economicismo ambiente, lutar contra aqueles que o encarnam, aceitam, e põem suas energias em seu serviço. Esse endurecimento deve ser usado como a base moral e psicológica firme dos ideais da luta política e metapolítica.

Essa dureza deve ser a carapaça do que Evola chamou de “homem diferenciado”, aquele que “cavalga o tigre”, que vaga imperturbado e imperturbável, “entre as ruínas”, o que Jünger chamou de “anarca”. “O homem diferenciado que cavalga o tigre entre as ruínas” ou o “Anarca” são descritos como observadores imparciais, impassivos. Esses homens duros, diferenciados, ascendem acima de dois tipos de obstáculos: obstáculos externos e aqueles gerados de sua própria interioridade. Isto é dizer, os impedimentos representados por homens inferiores e as fraquezas de uma alma perturbada.

Figuras Chandala de Decadência

A crise existencial que começou ao redor da metade do século XVIII levou ao niilismo, muito judiciosamente definido por Nietzsche como uma “exaustão da vida”, como uma “desvaloração dos mais elevados valores”, que normalmente se expressa por uma agitação frenética e pela inabilidade de realmente desfrutar do ócio, uma agitação que acelera o processo de exaustão.

A abstração da existência é a indicação clara de que nossas “sociedades” não mais constituem “corpos” mas, como Nietzsche diz, meros “conglomerados de chandalas”, em quem males nervosos e psicológicos se acumulam, um sinal de que o poder defensivo de naturezas fortes não é mais que uma memória. É precisamente esse “poder defensivo” que o homem “diferenciado” deve – ao fim de sua busca por mistérios tradicionais – reconstituir em si mesmo.

Nietzsche muito claramente enumera os vícios do chandala, a figura emblemática da decadência européia, resultando da crise existencial e do niilismo: o chandala sofre com várias patologias: um aumento na criminalidade, celibato e esterilidade voluntárias, histeria, constante enfraquecimento da vontade, alcoolismo (e vários vícios em drogas também), dúvida sistemática, destruição metódica e impiedosa de qualquer resíduo de força.

Entre as figuras chandalas de decadência e niilismo, Nietzsche inclui aqueles que ele chama “nômades oficiais” (Staatsnomaden), que são funcionários públicos sem pátrias verdadeiras, servos do “monstro frio”, com mentes abstratas que, consequentemente, geram sempre mais abstrações, cuja existência parasita gera, por sua lentidão persistente, o declínio de famílias, em um ambiente feito de diversidades contraditórias e soçobrantes, em que se encontra a “disciplina” (Züchtung) de caráteres que servem as abstrações do monstro frio – uma lubricidade generalizada na forma de irritabilidade e como a expressão de uma necessidade insaciável e compensatória por estímulo e excitações – neuroses de todos os tipos – “presentismo” político (Augenblickdienerei) em que a memória longa, perspectivas profundas, ou um senso natural e instintivo pelo certo não mais prevalecem – sensibilidade patológica – dúvidas estéreis procedento de um medo mórbido de forças inexoráveis que fizeram e ainda farão história/poder – um medo de dominar a realidade, de tomar as coisas tangíveis desse mundo.

Victor Segalen na Oceania, Ernst Junger na África

Nesse complexo de frigidez, de oposição agitada à mudança, frenesis estéreis, e neuroses, uma resposta primária ao niilismo é exaltar e concretizar o princípio de aventura, em que o protestador deixará o mundo burguês, com seu tecido de artifícios, movendo-se por espaços virgens que são intactos, autênticos, abertos, misteriosos.

Gauguin partiu para as ilhas do Pacífico.

Victor Segalen, por sua vez, elogia a Oceania primordial e a China imperial perecendo sob os golpes da ocidentalização. Segalen permanece bretão, segundo o que ele chama de “o retorno à medula ancestral”, denuncia a invasão do Taiti pelos “românticos americanos”, esses “sujos parasitas”, escreve um “Ensaio sobre o Exotismo” e uma “Estética do Diferente”. A rejeição de pedaços sem muito de um passado custou a Segalen um ostracismo injustificado em sua pátria. De nosso ponto de vista, ele é um autor que vale a pena redescobrir.

O jovem Jünger, ainda na adolescência, sonhou com a África, o continente de elefantes e outras criaturas fabulosas, onde espaços e paisagens não são assoladas pela industrialização, em que a natureza e o povo indígena preservaram uma pureza formidável, em que tudo era ainda possível. O jovem Jünger se uniu à Legião Estrangeira Francesa para realizar esse sonho, para ser capaz de pousar nesse novo continente, cheio de mistérios e vitalidade.

O ano de 1914 lhe deu, e a toda sua geração, uma chance de abandonar a existência enervante. No mesmo sentido, Drieu la Rochelle falou do élan de Charleroi. E posteriormente, Malraux das “estradas reais”.

À “esquerda” (na medida em que essa distinção política tenha algum sentido), fala-se ao invés de “engajamento”. Esse entusiasmo era especialmente aparente no tempo da Guerra Civil Espanhola, em que Hemingway, Orwell, Koestler e Simone Weil se uniram aos republicanos, e Roy Campbell aos nacionalistas, que também eram elogiados por Robert Brasillach.

A aventura e o engajamento, no uniforme de um soldado da milícia falangista, nas fileiras das brigadas internacionais ou dos partisans, são percebida como antídotos para o hiperformalismo de uma vida civil sem cores. “Eu estava cansado da vida civil, portanto eu me uni ao IRA”, diz a canção nacionalista irlandesa, que, nesse contexto particular, proclama, com uma canção animada, esse grande levante existencialista do início do século XX com toda a facilidade, vivacidade, ritmo e humor da Verde Irlanda.

Intoxicação? Drogas? Amoralismo?

Mas se comprometimento político ou militar preenche as necessidades espirituais daqueles que estão entediados pelo formalismo constante da vida civil sem equilíbrio tradicional, a rejeição de todo formalismo pode levar a outras atitudes menos positivas. O dândi, que se separa da pose equilibrada de Brummell ou da crítica delicadamente construída de Baudelaire, irá querer experimentar novas excitações, meramente pelo prazer estéril de tentá-las.

Drogas, vício, o consumo excessivo de álcool constituem possíveis escapadas: a figura romântica criada por Huysmans, Des Esseintes, fugiu para o álcool. Thomas de Quincey evocou “os comedores de ópio”. O próprio Baudelaire experimentou ópio e haxixe.

Cair no vício em drogas é explicado pelo fechamento do mundo, após a colonização da África e outros territórios virgens; aventura perigosa, real não é mais possível ali. A guerra, testada por Jünger por volta da mesma época que “drogas e intoxicações”, perdeu sua atração porque a figura do guerreiro se torna um anacronismo conforme as guerras são excessivamente profissionalizadas, mecanizadas e tecnologizadas.

A amoralidade e o antimoralismo são mais becos sem saída. Oscar Wilde frequentava bares sórdidos, ostentando sua homossexualidade. Seu personagem Dorian Gray se torna um criminoso de modo a levar suas transgressões cada vez mais longe, como um tipo patético de húbris. Pode-se também relembrar o doloroso fim de Montherland e manter em mente sua dúbia herança, continuada até o dia de hoje por seu executor, Gabriel Matzneff, cujo estilo literário é certamente bastante brilhante mas em cujo caminho os mais tristes cenários se desdobram, levados em segredo, em círculos fechados, ainda mais perversos e ridículos porque a revolução sexual da década de 60 também permite a diversão sem moralismo de muitos prazeres fortes.

Essas drogas, transgressões e bufonarias sexuais, são apenas outras armadilhas em que os infelizes se arruínam em busca de suas “necessidades espirituais”. Eles querem “transgredir”, mas isso, para o observador irônico, não é nada mais que um triste sinal de vidas desperdiçadas, a ausência de vitalidade real, e frustrações sexuais devidas a defeitos ou enfermidades físicas. Certamente, não se pode “cavalgar o tigre” – de fato seria difícil encontrar alguém – nos salões em que o velho Matzneff revela pequenos detalhes de seus encontros sexuais a seus bizarros admiradores.

Ascetismo Religioso

A verdadeira alternativa ao mundo burguês de “pequenos empregos” e “pequenos cálculos” zombados por Hannah Arendt, em um mundo agora fechado, em que aventuras e descobertas são a partir de então nada além de repetições, em que a guerra é “high tech” e não mais cavalheiresca, se encontra no ascetismo religioso, em um certo retorno ao monarquismo da meditação, no retorno à Tradição (Evola, Schuon, Guénon). Drieu la Rochelle evoca esse caminho em seu “Diário”, após seus desapontamentos políticos, e dá um relato de sua leitura de Guénon.

Os irmãos Schuon são exemplares nesse contesto: Frithjof se uniu à Legião Estrangeira, conheceu o Saara, conheceu os sufis e os marabouts do deserto e das Montanhas de Atlas, aderiu a um misticismo sufi islamizado, e então foi às reservas sioux nos EUA, e deixou um corpo de trabalho pictórico impressionante.

Seu irmão, nomeado “Pai Galle”, conheceu as reservas indígenas da América do Norte, traduziu os evangelhos à língua sioux, recolheu-se a um mosteiro trapista na Valônia, em que ele treinou cavalos jovens no estilo indígena, conheceu Hergé, e travou amizade com ele.

Suas vidas provam que a aventura e a fuga total do mundo artificial e corruptor da ocidentalização permanecem possíveis e frutíferas. 

Pois a rebelião é legítima, se não cairmos nas armadilhas.










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Nova Resistência
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