Conectividade Universal: A Internet é alimentada pela Pornografia e as Corporações não querem que você saiba

Os grandes nomes corporativos da internet, como Mark Zuckerberg do Facebook, possuem um projeto de conectividade universal. Ou seja, planos de fazer a internet chegar a todos os lares do planeta. Segundo eles, a internet é “neutra” e essencialmente “boa”. A realidade, porém, não é bem assim. Para além do fato de que os pressupostos da propagação da internet pelas megacorporações ocidentais são pré-determinados por valores ocidentais, também é verdade que a internet e sua expansão caminha de mãos dadas com a expansão da pornografia, com consequências nefastas para a saúde física e psicológica de homens e mulheres. As grandes corporações, porém, censuram a popularidade atual da pornografia.

O Ano Novo chegou: os gigantes dos serviços de busca do Vale do Silício lançaram seus vídeos brilhantes de fim de ano com “o que buscamos”. Assisti-los desperta um espírito de solidariedade e humanidade – eles sugerem que nosso principal uso da internet foi para participar da política, defender os oprimidos, admirar nossos atletas, lamentar a perda de nossas celebridades, e rir. É preciso um pequeno esforço para descobrir que, após algumas buscas funcionais no Facebook e nos nossos motores de busca favoritos – usamos a internet para nos masturbarmos.

Os gigantes do Vale do Silício têm minimizado a popularidade da pornografia na internet há anos. A Business Insider alegou que a “pornografia” (depois de alguns erros de digitação e buscas funcionais por coisas como “facebook” e “youtube”) foi a quinta busca mais popular do Google em 2014. Eles citaram o Google Trends como evidência. Após a sua menção, descobre-se que “pornografia” está agora ausente da lista do Google Trends. Não é que a informação não esteja lá. A informação não é divulgada. Uma pesquisa direta do Google Trends mostra que “pornografia” e “sexo” são termos de pesquisa muito mais populares do que “gmail” e “target”, mas apenas “gmail” e “target” apareceram no anúncio oficial das 25 Buscas Mais Populares de 2014 do Google Trends.

O Google Trends se limita a anúncios de “trending topics” – termos que crescem em popularidade em comparação com o ano passado – nunca mencionando que o vencedor constante, em termos de números brutos, é “pornografia”. Como resultado, o fato de que “pornografia” continua a ser a principal pesquisa de conteúdo na Internet tem vindo a se tornar cada vez mais obscuro. Desde 2014, até mesmo o Business Insider tem se contentado com re-reportar o próprio comunicado de imprensa do Google, anunciando que “Trump” e “Powerball” foram as “buscas mais populares de 2016”. (Eles não foram, “pornografia” foi muito mais popular.) Tal como o Google, o resto também: Yahoo e Bing lançaram os seus vídeos de “principais buscas de 2016” sem uma única nota de rodapé para explicar a milagrosa ausência de indecência, e o resumo de 2017 parece igual.

Talvez essa censura seja parte do compromisso do Google de remover “termos de busca que possam ser explicitamente sexuais“. Faria sentido remover estes termos dos algoritmos de preenchimento automático como um esforço para proteger as crianças de se depararem com pornografia. Mas censurar o fato de que a busca por “pornografia” é a principal busca de conteúdo da internet parece menos com preservação da inocência e mais com o ato de apagar o histórico do navegador – um arquivamento envergonhado da pornografia para algum canto mais escuro da internet.

Eu não afirmo saber as intenções pessoais de nossa classe capitalista, mas há uma razão lógica para esta reivindicação retrospectiva de pureza da internet. Os magnatas do Vale do Silício estão se esforçando para atingir uma era de conectividade universal, na qual a internet esteja disponível para toda a humanidade. O CEO do Google, Larry Page, quer cobrir o mundo com balões provedores de internet. Mark Zuckerberg, do Facebook, está se dirigindo à ONU com profecias graves, chamando o acesso à internet de “um desafio fundamental do nosso tempo”. Ele está pronto para encher o céu com drones provedores de internet para lidar com esse desafio. Seu sonho de conectividade universal tem um credo: “Quanto mais nos conectamos, melhor o mundo fica.”

Esta não é uma afirmação óbvia. A era da internet liga um devedor aos seus credores com uma eficiência alarmante – o nosso devedor dificilmente acenaria com o otimismo de Zuckerberg. A era da internet conecta hackers com contas bancárias; corporações com hábitos de compras; o FBI com a localização do cidadão americano; neonazistas com seus compatriotas; cafetões com prostitutas e pedófilos com crianças. Zuckerberg nos pede que imaginemos o que os até então desconectados “poderiam contribuir quando o mundo pudesse ouvir suas vozes”. Valorizar o “ouvir outras vozes” carece dos meios para perguntar se vale a pena ouvir essas vozes. Não quero chamar a conectividade de um mal inequívoco, mas é ingenuidade fingir que se trata de um bem inequívoco. Valorizar a conectividade pela conectividade é uma superstição – um artigo de fé, e não uma fé muito razoável, aliás. O que permanece sem resposta (e até onde posso dizer, sem ser perguntado) é a questão: que tipo de conectividade uma internet universal estabeleceria?

Zuckerberg nos deixa algumas pistas. No artigo da Wired, Inside Facebook’s Ambitious Plan to Connect the Whole World, ele argumenta que, através da filantropia do Vale do Silício, “uma criança na Índia… poderia potencialmente entrar online e aprender toda a matemática”. O manifesto online do Facebook por uma internet universal, Internet.org, nos pede que consideremos “a diferença que um boletim meteorológico preciso poderia fazer para um agricultor que planta safras, ou o poder de uma enciclopédia para uma criança sem livros escolares”.

O otimismo de Zuckerberg é contagiante, mas é assombrado por esse espectro do “nobre selvagem”, a crença de que, embora o mundo desenvolvido tenha se tornado solitário, distraído e viciado através da nossa conexão à internet, o mundo em desenvolvimento, com suas honestas necessidades e colheitas, prosperará – eles serão enobrecidos, enquanto nós, os ricos, procuraremos principalmente por “tetas”. Na verdade, parece que o povo da Índia, do Quênia e do resto do mundo que precisa da internet vai usar a internet mais ou menos da mesma forma que o mundo que já usa a internet. Tendências de busca vêm e vão, mas a popularidade da “pornografia” e do “sexo”, com pouquíssimas exceções, tende a corresponder ao crescimento relativo do acesso à internet em qualquer país em desenvolvimento. Para visualizar isso, considere uma comparação da popularidade entre “pornografia” (azul) com “matemática” (vermelho) na Índia, onde o acesso à internet tem aumentado constantemente de 2004 até os dias de hoje:

É verdade, Zuckerberg não estava fazendo uma afirmação estatística com sua esperança de que um melhor acesso à internet traria “toda a matemática” a um garoto indiano. Ele só fala do uso “potencial” da internet. No final, é uma escolha humana usar a internet para pornografia em vez de para a educação. Mas dada a poderosa atração da pornografia, é um otimismo irrealista não falar da pornografia como parte fundamental da universalização da internet.

O desenvolvimento da tecnologia da internet tem sido sempre alimentado pela pornografia. Ross Benes, autor de The Sex Effect, argumenta que “enquanto os militares criaram a internet, ela não teria encontrado uma base sólida de consumidores sem a pornografia”. E-commerce, câmeras digitais, streaming de vídeo, webcam e aumento da largura de banda foram soluções para o problema de como consumir o material. A tendência continua: dispositivos de “realidade virtual”, a nossa nova fronteira digital, estão sendo desenvolvidos em resposta à procura por “pornografia virtual”. Apesar da evidência histórica de que o uso e desenvolvimento da internet foi e ainda é impulsionado pela pornografia, os agitadores do movimento internet-para-todos preferem fingir que, desta vez, ela será impulsionada pelo desejo neutro por livros didáticos.

Uma crítica astuta poderia ser feita aqui: “E daí?” Então fornecer internet para todos significa fornecer pornografia para todos – a humanidade inteira não tem o direito de ver pornografia, se ela assim quiser?

Levar no bolso pornografia potencial pode ou não ser uma coisa boa, mas isso não pode ser negado – é uma coisa nova. Representa uma nova forma de viver e de ser no mundo. A vida sexual do homem moderno se desenvolve em relação à “educação sexual” da era da internet. Ela muda famílias e comunidades. Como evidência, pode-se considerar o aumento nas cirurgias plásticas genitais, o crescente alarme sobre o vício da pornografia, os estudos que mostram a ocorrência comum de ser forçado a “imitar a pornografia” em casos de abuso sexual, ou a ligação entre a pornografia e a próspera instituição da escravidão sexual. Além disso, pode-se considerar o óbvio: a idade média de exposição à pornografia hardcore é de 11 anos. A idade média de perda de virgindade é de 17 anos. Isto significa que o sexo é cada vez mais definido na e através da pornografia antes de ser entendido em si mesmo. Os estudos só podem confirmar a experiência da minha geração milenarista – a pornografia na internet mudou a natureza das nossas discussões no recreio, das fantasias pubescentes e a nossa compreensão do desejo, da anatomia, do prazer e do amor. Somente os mais ingênuos poderiam fingir que dar a cada marido, esposa e filho um bolso cheio de possíveis estrelas pornográficas não mudará a experiência global da sexualidade humana, uma vez que mudou a do mundo desenvolvido.

Isto vai contra as doutrinas dos nossos filantropos, que descrevem a Internet (e, mais especificamente, os seus produtos) como um acesso puro e neutro à informação. É “essencial para ampliar o conhecimento que temos e compartilhá-lo uns com os outros”, como diz o veículo de Zuckerberg para o movimento internet-para-todos, Internet.org. A tecnologia é “apenas uma ferramenta”, diz Bill Gates. A neutralidade moral da rede justifica o que poderia ser visto como uma campanha agressiva para substituir bens e habilidades próprias e comunitárias por dispositivos e aplicativos alugados continuamente de gigantes tecnológicos ricos. A presença esmagadora da pornografia é a pedra no sapato proverbial, uma que revela a mentira do movimento “internet-para-todos”. Fingir que a internet não é alimentada pela presença da pornografia, que muda a vida e altera a cultura, é uma ficção necessária que nos ajuda a acreditar em uma ficção suprema – que a internet em si não é uma presença que muda a vida e altera a cultura.

Mas é. O uso da tecnologia da internet é quase sempre o uso de uma ferramenta que é possuída, mantida, fornecida e continuamente atualizada por homens ricos de nações desenvolvidas que pregam os valores básicos do capitalismo liberal. A perda de diversas línguas exemplifica este fato. Apesar das reivindicações de “conexão”, apenas 5% das línguas do mundo estão em uso na internet, com a grande maioria da web escrita em inglês e chinês. A internet reflete o capital que a cria e a mantém. Nem mesmo a internet.org pode fingir promover um dispositivo culturalmente neutro. Em sua lista das quatro principais barreiras ao acesso universal à internet inclui a barreira da prontidão, “a capacidade de acesso, incluindo habilidades, consciência e aceitação cultural”. Isto representa uma consciência de que as culturas terão de mudar se quiserem aceitar a Internet.

Em nenhum lugar a mascarada como serviço neutro tão aparente como o plano de Zuckerberg de prover o mundo com acesso universal à internet. O Facebook está “presenteando” o mundo carente de internet com o Free Basics – acesso gratuito a um número limitado de sites e aplicativos “básicos”. O que constitui um “básico” é determinado em última instância pelo Facebook – dentro do escopo da sua ideologia particular. E o Facebook TEM uma ideologia. Quando o Facebook nos dá a opção de nos identificarmos como um dos muitos gêneros, ele valida implicitamente a recente alegação ocidental de que o gênero é uma categoria ontológica, determinada pela auto-reflexão psicológica. Pode-se concordar com a posição ou não – no entanto, poucos no mundo em desenvolvimento argumentariam que este é um princípio universal, transcendentalmente disponível a todos os povos e culturas. O Facebook e o Twitter monitoram o discurso de ódio – ou seja, eles se estabelecem como um árbitro preciso do que constitui ódio e do que não constitui. Pode-se concordar ou discordar de suas decisões, mas, mais uma vez, isso é certo – eles não estão operando de forma universal, mas a partir de noções particulares, culturalmente incorporadas de “ódio”, “livre expressão” e, em última instância, certo e errado.

A internet.org elogia Maya.com como um parceiro em sua plataforma Free Basics, um site que fornece informações de saúde para as mulheres. Sem surpresas, o site recomenda e promove o uso de contracepção. Isto é “básico” para o Ocidente. Não é tão “básico” para as comunidades católicas do Quênia, que se opõem à contracepção por razões morais. Outro aplicativo “básico”, o SmartSex, que fornece dicas sexuais regulares para “agradar aquela pessoa especial”, lamenta que “o islamismo tradicional tem uma visão obscurantista da masturbação”…

“Precisamos lembrar que muitas dessas crenças surgiram em sociedades tribais altamente conservadoras onde as considerações científicas e de saúde pública eram inexistentes. Por isso, pessoal, lembrem-se, nós percorremos um longo caminho, baby! Ainda podemos ser forças morais poderosas em nosso mundo sem ficarmos pendurados em antigas interpretações da moralidade sexual”.

“Básico” significa “básico para ocidentais”. É explicitamente oposto ao islamismo “básico”, ao catolicismo e às “sociedades tribais altamente conservadoras”.

Seria insensato fingir que o mundo que precisa da internet é um museu puro e intocado de “valores tradicionais” – seria igualmente insensato fingir que o Free Basics do Zuckerberg está livre de valores. Pode-se concordar com a ideologia do Facebook ou não – o fingimento do Facebook de que ele não é ideológico ainda é desagradável. A mentira de que a internet é uma ferramenta neutra mascara o fato de que a internet é propriedade, e assim torna as comunidades dependentes das corporações globais para as habilidades e sistemas que ela substitui. A mentira de que o Free Basics é puro acesso à informação mascara o fato de que ela funciona para substituir aquelas crenças e valores que não estão em conformidade com as doutrinas básicas do liberalismo ocidental. Em ambos os casos, a internet é apresentada da mesma forma que as listas do Google Top Search – como um lugar neutro de comunicação e função útil, desprovido de conteúdo específico e perturbador e incapaz de produzir um novo tipo de homem.

A oposição à pornografia costumava ser considerada uma posição “conservadora”, adequada apenas para moralistas incapazes de ver como o hábito é realmente natural e inofensivo. Agora que os nossos capitalistas estão a minimizar o significado da pornografia na Internet para pregar a “necessária” universalização dos seus produtos, a oposição assume uma dimensão radical. Demonstrar que a pornografia é um motor desenfreado, destrutivo e viciante da tecnologia da internet coloca em questão o projeto internet-para-todos. Ao nos recusarmos a divorciar a campanha por uma internet universalizada do efeito de uma educação sexual pornográfica universalizada, começamos a ver a verdade por trás da estranha afirmação do filósofo Slavoj Zizek de que “o ciberespaço É pornografia hardcore”. Tanto a pornografia como a tecnologia da Internet introduzem uma nova forma de agir no mundo. Ambas fabricam novas necessidades – a internet ao substituir gradualmente as tecnologias idiotas que ela diz ampliar (como mapas, mercados e métodos lentos de comunicação) e a pornografia, substituindo notoriamente o humano como objeto do desejo sexual por uma representação pixelada através da manipulação do orgasmo. Ambos são defendidos dentro e através dos valores básicos do liberalismo ocidental como “progresso”, “desenvolvimento” e “livre escolha”. Ambos têm sucesso como produtos apenas na medida em que convencem as pessoas a trocar os seus bens – a sua sexualidade ou os seus meios de comunicação, navegação, entretenimento, etc. – por aparelhos, ligações e websites que devem ser alugados continuamente a partir dos ricos através de pagamentos mensais de atenção, informações pessoais e dinheiro. Ambos servem um ao outro – a pornografia faz com que as pessoas queiram/necessitem de conectividade on-line constante, e a conectividade constante introduz inevitavelmente os seus consumidores ao comércio duvidoso da pornografia hardcore. Ambos, na estimativa final, tendem à criação de um novo tipo de servo, aquele que depende dos seus senhores para fornecer continuamente as coisas básicas da sua existência – desde as compras até às suas ereções.

A oposição à pornografia deve estar ligada à crescente demanda por romper os monopólios da Internet, que rapidamente coletaram um quarto da riqueza do mundo nas mãos de 4 ou 5 pessoas. É um forte motivador moral, que não nos permite ver a internet para todos como um presente caridoso para o mundo em desenvolvimento, mas como a expansão de dispositivos de propriedade ocidental, alteradores da cultura, que gradualmente corroem as comunidades em prol das mesmas relações de dependência que os habitantes do mundo desenvolvido “desfrutam” atualmente com suas corporações.

Fonte: Bad Catholic

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Nova Resistência
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