Sobre a atualidade do pensamento de Nietzsche no contexto do pós-liberalismo galopante. Por Julius Evola.
Na Itália, parece que um interesse por Friedrich Nietzsche foi revivido. Um sinal óbvio disso é que a [editora] Adelphi, de Milão, está publicando uma tradução crítica de todas as suas obras; outro sinal é o aparecimento quase simultâneo de dois livros, Nietzsche, de Adriano Romualdi — que contém um ensaio completo sobre o pensador em questão, seguido por uma seleção de passagens de seus escritos — e a tradução, direta do alemão, da excelente obra sistemática, Nietzsche e o Sentido da Vida, de Robert Reininger. Especificamente, a abordagem desta segunda obra nos motiva a propor uma questão: independente da importância que Nietzsche tem como filósofo em geral, o que podem significar suas ideias, hoje, e mais precisamente, quais de suas ideias ainda possui validade atualmente?
A relevância desta questão foi trazida à luz por Reininger, ao notar que a figura de Nietzsche também possui a qualidade de um símbolo, e que sua persona incorpora ao mesmo tempo uma causa: “É a causa do homem moderno pelo qual se luta, deste homem sem mais raízes no solo sagrado da tradição, oscilando entre os picos de civilização e os abismos de barbárie, buscando a si mesmo, ou seja, levado a criar para si um sentido satisfatório para uma existência onde tudo trazido para si”.
Podemos singularizar ainda mais essa visão acerca do problema do homem do período do niilismo, do “ponto zero de todos os valores”, do período em que “Deus está morto”, com base no que Nietzsche fez seu Zaratustra anunciar (e que hoje é notoriamente traduzido de forma corriqueira e quase banal) a respeito do homem nos tempos em que todos os sustentáculos exteriores falham e nos quais — como nosso filósofo disse — “o deserto cresce”.
Da mesma maneira, pode-se dizer que muito do que Nietzsche pôde possivelmente estabelecer, remete ao problema da Pessoa enquanto tal — o que quer dizer que todas as suas formulações que resguardam uma possível relação com problemas de ordem política e coletiva são periféricas; justamente aquelas formulações sobre as quais muitos gostariam de ver uma coincidência, por exemplo, entre as doutrinas nietzscheanas e alguns movimentos políticos do passado (especialmente o Nacional-Socialismo hitlerista) igualmente acusados de fomentar o orgulho de uma suposta “Herrenvolk” (ou seja, raça superior) e à fixação com uma compreensão empobrecidamente biológica das raças humanas.
Ora, se o “super-homem”, indubitavelmente, constitui uma ideia central na totalidade do pensamento nietzscheano, é em termos de um “super-homem positivo”, que não se enquadra naquela perspectiva grotesca à la D’Annunzio, nem na “fera loira de rapina” (essa é uma das expressões mais pobres de Nietzsche), e tampouco no “indivíduo excepcional” que encarna um máximo da “vontade de poder”, “para além do bem e do mal”, sem qualquer luz e sem qualquer legitimidade superior.
O super-homem positivo, que cabe ao “melhor Nietzsche”, deve, ao invés, ser identificado com o tipo humano que, mesmo em um mundo niilista, devastado, absurdo, ímpio, sabe como ficar de pé: porque ele é capaz de dar a si mesmo uma lei de si mesmo, segundo uma nova liberdade superior.
Aqui devemos notar a clara linha de demarcação que existe entre Nietzsche enquanto “o destruidor”, o esmagador de ídolos, e “imoralista” (essa designação que ele costumava reivindicar, mas só para chocar: porque seu desdém era tão somente pela “moralidade pequena” e pela “moralidade de rebanho”), e aquela da “revolução do nada”, aquele anarquista de baixo que a profunda crise do mundo moderno está trazendo. É tão significativo, quanto é natural, que Nietzsche seja absolutamente desconhecido pelos assim chamados movimentos de “protesto” de hoje, enquanto ele foi, ele próprio, o primeiro e maior dos rebeldes. Não há correspondência no sujeito humano, e as verdadeiras afinidades eletivas — ou seja, plebeias — de tais movimentos são reveladas em sua frequente colusão com o marxismo e seus derivados, e com cada gueto étnico-social próximo à superfície violenta e destrutiva da camada puramente sub-pessoal e naturalista do ser.
Nessa direção, as palavras do Zaratustra de Nietzsche são atuais e pertinentes, quando ele dirige seu questionamento aquele que busca se livrar de todo grilhão: “Você chama a si mesmo de livre, mas isso não me interessa – Eu lhe pergunto: livre para quê?”. Lembremos aqui que há casos em que os únicos valor que uma pessoa possui são lançados fora junto com o grilhão. Está aí um evidente alerta para aqueles hoje que só sabem falar de “repressões” e que se alimentam de uma intolerância histérica por todo tipo de autoridade — e eles alimentam tal intolerância — só por essa razão: porque eles não possuem em si mesmos um princípio superior que os rege. E o tipo nietzschiano que colocou o “niilismo atrás de si” e que, de fato, “sabe como obter um remédio saudável para tal veneno”, é o único que possui este princípio e que, portanto, também sabe como forjar uma lei a si mesmo.
Reininger, nesse sentido, está correto ao ver em Nietzsche o afirmador de uma moralidade “absoluta” (como a de Kant), e certas conexões poderiam até mesmo ser estabelecidas entre ele e a ética estoica antiga que, similarmente, defendia uma soberania interior.
Certamente, a multiplicidade de posições dramaticamente mutantes, algumas vezes até contraditórias, entre as quais Nietzsche tentou encontrar o próprio caminho, pode levar nos rumo a uma direção bem diferente: por exemplo, quando Nietzsche promove a exaltação da “vida” ou quando ele invoca a “fidelidade à Terra”. Fidelidade também a si mesmo: ser e querer ser o que se é, às vezes isto é proposto como o único padrão possível e válido no “deserto que cresce”. O padrão adequado, ainda que perigoso, conhecido mesmo na antiguidade clássica antes de qualquer “existencialismo”.
O problema fundamental, de maior importância para o que hoje o melhor de Nietzsche pode oferecer, envolve esse perigo. Após o que foi dito — acerca de ofertar uma própria lei para si mesmo —, a questão de estabelecer o que a pessoa encontra em si e aceitar o limite alcançado pelos múltiplos processos de dissolução espiritual que tem agido em tempos recentes: verificar se, em si mesmo, se encontra aquele desprezo natural pela vulgaridade e por todo interesse medíocre; aquela vontade por uma disciplina clara, voluntária; aquela habilidade de estabelecer livremente “valores” e de alcançá-los sem desistir a qualquer custo; aqueles valores que em Nietzsche definem o “Superador” (Überwinder): em suma, o homem que não está em pedaços entre os tantos estilhaços do mundo atual.
Só um detalhe über mensch em alemao significa que o ser humao tem que se superar, o mito de super homem é invençao yankee, que nao tem nada a ver com Nietzche