Nobel da Paz 2024: Idealismo para Ocultar a Tragédia de Gaza

O Prêmio Nobel da Paz de 2024 em vez de servir para recordar os eventos de Gaza, o ocultou com um idealismo pueril sobre desarmamento nuclear.

O Prêmio Nobel da Paz é o mais propagandístico de todos os Nobel, o que já é dizer muito, já que até mesmo as premiações de caráter mais científico acabam se submetendo a critérios político-ideológicos.

Todo ano, portanto, acaba havendo alguma mensagem política específica tanto nas indicações quanto na eventual seleção do ganhador final. O ano de 2023 foi marcado pela propaganda anti-iraniana, o ano de 2022 foi marcado pela propaganda russofóbica.

O ano de 2024 apresenta, porém, um dilema muito claro.

O último ano foi marcado pela tragédia palestina – a execução de um genocídio premeditado por parte do Estado de Israel. E me parece inegável que esse fato deveria marcar o Nobel da Paz.

O Prêmio Nobel da Paz foi ocasionalmente dado a figuras ou organizações que representavam pretensões anticoloniais, especialmente em contextos em que um governo regional lançava mão da violência para garantir a sua dominação. Recorde-se Albert Luthuli, Desmond Tutu e Nelson Mandela, que receberam premiações no contexto das querelas sul-africanas.

Personagens que visavam expor atrocidades em contextos de guerra também foram ocasionalmente agraciadas com a premiação, como Rigoberta Menchú e Adolfo Pérez Esquivel.

Nesse sentido, era de se esperar algum destaque particular à situação em Gaza e às organizações ligadas tanto à ajuda humanitária ou ao jornalismo de guerra. Bem, apenas os ingênuos achariam que isso poderia acontecer.

Na medida em que o algoz, neste caso, é Israel, não havia a menor hipótese de qualquer figura ou organização vinculada à causa palestina pudesse ganhar. Seria desafiar o lóbi etnorreligioso mais poderoso do planeta e da história humana, o que poderia eventualmente até ameaçar o futuro do Prêmio Nobel.

Por isso, apesar de indicações para os jornalistas Motaz Azaiza, Wael Al-Dahdouh, Hind Khoudary e Bisan Owda e para as organizações Al-Haz, B’Tselem, o Instituto Arava, a ONG Breaking the Silence, o Freedom Theatre, o BDS, a Defence for Children, os Médicos sem Fronteiras, a Women of the Sun, a Gaza Healthcare Workers, a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho e outras organizações ligadas à questão palestina, nenhuma delas foi a vitoriosa.

De fato, portanto, a questão palestina esteve sobrerrepresentada nas indicações, mas jamais teve qualquer chance de ganhar.

Quem ganhou, na verdade, foi a Nihon Hidankyo, a Confederação Japonesa para Sobreviventes da Bomba Atômica, que é guiada precisamente por sobreviventes dos ataques a Hiroshima e Nagasaki em 1945. Essa organização está dedicada ao ativismo contra as armas nucleares.

Diferente de muitos outros casos de ganhadores do Nobel, os membros da Nihon Hidankyo parecem pessoas honestas, idealistas e realmente desinteressadas, que têm o coração no lugar correto.

Mas não deixa de representar, em si mesmo, um idealismo vazio. No caso específico das armas nucleares, estamos diante de um gênio que não pode ser recolocado na lâmpada. A posse de armas nucleares, ademais, ainda representa uma mínima medida de segurança, especialmente quando várias potências as possuem. Ademais, na prática, qualquer projeto sério de desarmamento nuclear envolveria um nível de “governança global” que, claramente, representaria uma liquidação das soberanias nacionais.

O caráter “vazio” desse idealismo fica ainda mais claro quando esse tipo de discurso “antinuclear” é usado para varrer para baixo do tapete o genocídio palestino em Gaza.

Não obstante, ele ainda revela um certo “medo saudável” de parte das elites ocidentais em relação às possíveis consequências dos conflitos atuais provocados pelo mesmo Ocidente, o que é sempre positivo.

Pode-se passar rapidamente uma vista aos outros indicados, para que possamos atentar para as prioridades dessas elites.

O Nobel mantém uma obsessão toda particular com o Myanmar, onde uma junta militar nacionalista luta para manter o país unido contra mais de uma dúzia de grupos terroristas separatistas. Foram indicados dessa vez 2 ativistas de “direitos humanos”, Khaing Zar Aung e Maung Zarni.

A sinofobia também segue como uma das linhas principais de orientação dos “pacifistas”, com indicações para a “ativista pró-democracia em Hong Kong” Chow Hang-tung, os “ativistas dos direitos humanos” Jimmy Lai, Ding Jiaxi e Xu Zhiyong, e apelando ao mito do genocídio uigur com indicações para Ilham Tohti e para o Congresso Mundial Uigur.

Talvez para evitar repetição em relação às últimas premiações, a iranofobia não esteve representada, e a russofobia só se fez representar pela indicação de movimentos “contra o serviço militar” na Rússia, Belarus e Ucrânia.

Outra aberração foi a indicação de Jens Stoltenberg, ex-Secretário-Geral da OTAN, mesmo organização que iniciou uma guerra nos Bálcãs, assassinou um chefe de Estado na Líbia e iniciou uma mobilização militar na Ucrânia que levou à operação militar especial. Mas bem, se o Obama ganhou um Nobel da Paz…

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 38

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