1 Ano da Operação Tempestade Al-Aqsa: Revisão Estratégica

Completado 1 ano da Operação Tempestade Al-Aqsa é necessário avaliar os seus desdobramentos para os atores envolvidos.

Em 7 de outubro de 2023, quase como um tsunami, os mujahideen do Hamas, da Jihad Islâmica Palestina, da Frente Popular de Libertação da Palestina, da Frente Democrática de Libertação da Palestina, da Brigada dos Mártires de Al-Aqsa, dos Comitês de Resistência Popular, e outros grupos menores, lançaram-se sobre as colônias situadas nas bordas do campo de concentração de Gaza.

A operação foi a ação de “comandos” mais bem sucedida da história da guerra. Liderados pelos “hafiz” (memorizador do Corão) do Hamas, a Resistência Palestina tomou de assalto bases militares e postos de controle, eliminou guarnições e tomou prisioneiros entre os israelenses, para então recuar, em ordem, para Gaza.

A conduta dos mujahideen em relação a civis durante o assalto foi a padrão em operações semelhantes em condições semelhantes, não sendo muito diferente das operações realizadas por forças especiais dos EUA no Afeganistão e no Iraque, por exemplo.

Segundo os comunicados oficiais publicados naquele dia pelo Hamas, o objetivo imediato da Operação Tempestade Al-Aqsa era tomar prisioneiros para trocá-los por reféns palestinos em masmorras israelenses. Ademais, pretendia-se com essa ação dissuadir Israel de seus planos de destruir a Mesquita de Al-Aqsa para reconstruir o Templo de Jerusalém.

Em um sentido mais amplo, porém, o objetivo da Resistência Palestina era levar a termo a luta nacionalista pela libertação da Palestina.

O momento escolhido foi precisamente aquele no qual as relações entre Israel e Arábia Saudita eram as melhores da história. A realidade é que a causa palestina estava quase completamente esquecida; ignorada e relegada a uma nota de rodapé pelos líderes árabes sunitas. Os sauditas preparavam-se para uma normalização definitiva das relações com Israel.

O destino dos palestinos, no caso dessa normalização, seria o delineado no plano “Paz para a Prosperidade”, de Jared Kushner (genro de Trump), em que os palestinos abririam mão de qualquer estatalidade autônoma, seriam desmilitarizados, veriam 30% da Cisjordânia anexada, seriam parcialmente transferidos para o deserto do Negev e abririam mão de todo controle de fronteiras, aéreo e naval, perdendo também Jerusalém Oriental. Vários dos países árabes apoiavam esse plano no contexto dos Acordos de Abraão.

Esse destino era inevitável. Os palestinos jamais, nunca, sob hipótese alguma, teriam um Estado soberano, e viveriam perpetuamente sob a bota israelense.

A causa palestina, aliás, estava tão esquecida que o ano de 2023 já até 6 de outubro era o ano em que mais palestinos haviam sido assassinados em muitos anos, mas ninguém comentava sobre isso. Tal como ninguém comentava sobre o plano de dinamitar a Mesquita Al-Aqsa ou das constantes provocações sionistas contra cristãos e muçulmanos.

É inegável, porém, que a operação devolveu a questão palestina ao palco principal dos processos históricos, e que se o Estado palestino surgir terá sido, em grande medida, por causa da ousadia de empreender essa ação.

Poder-se-ia entrar aqui na discussão sobre se foi ou não foi uma false flag. De uma perspectiva política e geopolítica mais ampla esse é um debate irrelevante. A Resistência Palestina não é proxy de Israel.

A noção de que eles não esperavam que Israel reagiria de forma desproporcional é absurda. Ao contrário, a Resistência calculou que dezenas de milhares, talvez mais, morreriam, mas que este era um sacrifício necessário para levar a luta até às últimas consequências e, com isso, garantir a vitória. Ela tomou a iniciativa quando a “lógica” exigia conciliação e pacificação.

Se Israel sabia de antemão da operação, também fez os seus cálculos: considerou que as perdas que seriam infligidas pela Resistência Palestina seriam aceitáveis, e que poderiam ser “giradas” para servir a dois fins, preservar a carreira política de Netanyahu, abalada por escândalos diversos, e também levar à conclusão a disputa entre Israel e Palestina, diante das circunstâncias.

É ilógico crer que Israel planejou tudo desde o início porque o plano “Paz para a Prosperidade” e os Acordos de Abraão favoreciam seus interesses. Eram o caminho, inclusive, para que Israel se tornasse destinação de investimentos chineses, bem como um importante nodo nas novas rotas logísticas ligando a Ásia à União Europeia.

Mas quão bem os campos calcularam? Onde eles erraram em seus cálculos?

A Resistência Palestina talvez tenha superestimado o poder que a “comunidade internacional” poderia exercer sobre Israel. Talvez tenham superestimado, também, a capacidade dos muçulmanos de se mobilizaram contra os próprios governos para pressioná-los ou derrubá-los.

Israel, por sua vez, superestimou a própria capacidade militar. Se recordarmos as declarações e planos publicados em dezembro de 2023, Israel claramente pretendia já ter terminado as suas operações em Gaza com uma vitória definitiva sobre o Hamas no início de 2024.

Em vez disso, as forças da Resistência Palestina continuam assediando diariamente as Forças de Defesa Israelense – impondo baixas diárias ao Estado de Israel, que já sofre com déficit de recursos humanos em suas divisões segundo as estatísticas hospitalares e as revisões nas normas do serviço militar (para aumentar a presença feminina, o que sempre é mau sinal).

Até aqui, falamos apenas dos protagonistas diretos desse enfrentamento.

Terá o Hamas se coordenado, antes da Tempestade Al-Aqsa com o Hezbollah, o Iêmen, a Síria e o Irã? Tudo indica que não, pelo menos não completamente, porque não teria sido seguro disponibilizar informações específicas antes dos eventos.

Não obstante, o Hezbollah imediatamente entrou em ação, assediando o norte de Israel para, com isso, forçar Israel a deslocar divisões para o norte e ainda causando um grande impacto social na região, com o abandono de inúmeras cidades pelos israelenses.

Eventualmente, após uma campanha de assassinatos seletivos contra o Hezbollah, Israel entrou no Líbano achando que teria uma vida mais fácil do que em 2006. Na verdade passa-se o contrário, com os sionistas incapazes de avançar e sofrendo baixas várias vezes mais pesadas todos os dias que as infligidas pela Resistência Palestina.

Os houthis iemenitas, enquanto isso, à distância, dão uma colaboração inestimável para a degradação do Iron Dome e dos outros sistemas de defesa aérea de Israel.

Quanto ao Irã, que majoritariamente atua como coordenador logístico e instrutor do resto do Eixo da Resistência, entrou em campo com mais força recentemente, demonstrando com uma chuva de mísseis balísticos ter o poder para destruir o Estado de Israel. A falta de uma reação israelense ao ataque iraniano demonstra que o Irã parece ter recuperado o seu poder de dissuasão e ressalta as deficiências israelenses acumuladas ao longo dos últimos 20 anos, e especialmente durante o último 1 ano.

Ainda quanto ao Irã, suspeitas de testes de armas nucleares no deserto e projetos de revisão da doutrina nuclear nacional, representam mais uma mudança estratégica fundamental. E isso, somado ao anseio pela formalização do Eixo da Resistência como uma aliança militar concreta, representa um redesenho radical do Oriente Médio tal como havíamos conhecido a partir da “Guerra ao Terror”.

Tudo isso só pode levar à conclusão de que a existência de Israel tal como o país se encontra hoje é insustentável. Para além do atoleiro em 2 frentes diferentes, e da óbvia fragilidade diante de ataques missilísticos, Israel pode já ter perdido a sua “exclusividade” nuclear regional. Para além disso, já são 46 mil falências, o fim do Porto de Eilat, a morte do comércio internacional e o êxodo de uma parte considerável de sua população.

Finalmente, não se pode pensar esses eventos sem alguns comentários sobre os EUA e Rússia.

Para os EUA, hoje, esse conflito representa um incômodo profundo. Israel é um aliado “obrigatório” dos EUA, aos quais os EUA servem mesmo quando isso vai contra os interesses nacionais dos EUA. Nesse sentido, os EUA têm precisado enviar armas, munições, veículos e dinheiro para Israel.

Mas os EUA já estavam engajados na Ucrânia, foco estadunidense por se considerar que a desintegração da Rússia é um objetivo geopolítico prioritário para os EUA (só acha que a China é a prioridade quem confunde geopolítica com economia). Cada dólar enviado para Israel é um dólar a menos para a Ucrânia.

E se Israel provocar uma guerra em larga escala, os EUA se verão em uma situação ainda pior, em que terão que se engajar no Oriente Médio, contra múltiplos adversários diferentes, sem poder contar hoje com a maioria de seus antigos parceiros regionais e em um período de degradação do poder militar (especialmente o naval) dos EUA.

É por isso que os EUA tentam “encerrar” esse conflito o mais breve possível.

Quanto à perspectiva estratégica russa, o conflito na Palestina se confunde com o conflito na Ucrânia. Ambos conflitos sincronicamente fizeram Rússia e Irã confluírem na direção de uma aliança estratégica.

Israel, outrora considerado um parceiro importante, foi cada vez mais relegado até o ponto em que, hoje, é praticamente visto, extraoficialmente, como um país hostil (especialmente após o bombardeio de uma base russa na Síria por Israel).

Mas a Rússia não se intrometerá diretamente neste conflito. Na prática, a Rússia continuará desenvolvendo as suas relações militares com o Irã, o que já está tendo um grande impacto no conflito – e possivelmente aumentará sua presença na Síria, por causa de seus ativos ali, mas nada além.

Depois de uma eventual vitória na Ucrânia, porém, será do interesse russo garantir a estabilidade de seu Rimland meridional, pressionando pela paz no Oriente Médio, independentemente das circunstâncias em que o conflito se encontre naquele momento.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 38

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