As Relações Lula/Maduro e a Esquizofrenia Política da Direita

Por que a direita tem dificuldade de entender o afastamento entre Lula e Nicolás Maduro?

Agora que as forças políticas polarizadas do Brasil se dividiram em redes sociais diferentes, e viraram bolhas semifechadas, ficou mais fácil analisar também algumas das esquizofrenias que acometem cada lado.

De fato, cada uma dessas bolhas políticas lida com a realidade não de maneira direta, mas através de uma série de filtros e de mediadores. Os filtros são os mitos políticos nos quais cada bolha acredita e os mediadores são os influenciadores virtuais, que atuam como “sacerdotes” dos rebanhos, torcendo e retorcendo a realidade através da “interpretação correta” para que ela se adeque aos mitos da sua bolha.

Tratando especificamente da direita, há uma série de indícios claros de distúrbios psicológicos coletivos gravíssimos: ser conservador e odiar a Rússia, ser antifeminista e defensor dos direitos das mulheres muçulmanas, ser a favor da família e do capitalismo, e por aí vai.

Mas uma bastante recente e na qual há sinais claros de uma incapacidade de lidar com a realidade, de uma predisposição para delírios, é essa das relações recentes entre Lula e Maduro.

Boa parte da propaganda direitista (que não passa de repetição vociferada de slogans) tem se baseado em vincular estreitamente Lula e Maduro. O objetivo aí é deduzir a partir da crise venezuelana uma probabilidade do Brasil cair na mesma situação. Afinal, se Lula e Maduro têm boas relações é porque eles são “a mesma coisa” e, portanto, os dois países se desenvolverão da mesma forma.

O problema é que se o direitista podia contar com essas boas relações até alguns anos atrás, a partir de 2024 a situação começou a ficar “esquisita”.

Lula e figuras importantes de seu governo se reuniram várias vezes com Biden e outras figuras do governo dos EUA para tratar do futuro da Venezuela. Os EUA queriam o apoio do Brasil para “levar a democracia à Venezuela”, por meio de uma pressão suave por uma alternância democrática em Caracas.

O Brasil cumpriu a missão que lhe foi confiada pelos EUA, e atuou vocalmente criticando a fase de inscrição de candidatos no processo eleitoral venezuelano, questionando a impossibilidade de Corina Yoris de se candidatar. Se o Brasil tivesse simplesmente solicitado esclarecimentos de forma discreta, teria descoberto que Corina Yoris não conseguiu se candidatar à presidência porque nenhum dos partidos da oposição bancou a sua candidatura.

Passou o tempo e o Brasil começou a se intrometer na campanha eleitoral venezuelana, querendo ditar o tom dos discursos em comícios. Tanto isso, quanto as intromissões anteriores foram recebidas na Venezuela como gafes graves. Em Caracas, questionou-se publicamente o porquê de Lula estar atuando como porta-voz de Biden. Para o establishment brasileiro, porém, a gota d’água foi quando Maduro alegou uma superioridade das urnas venezuelanas sobre as urnas brasileiras.

Como o novo regime de exceção juristocrática se apoia na fé absoluta no processo eleitoral, cujo questionamento pode acarretar a aniquilação de qualquer cidadão da vida civil, porta-vozes do governo, do Judiciário, da mídia e até a militância esquerdista começaram a atacar Nicolás Maduro e a Venezuela como um “outro Bolsonaro” (Bolsonaro, no imaginário esquerdista contemporâneo, exerce a mesma função que o Diabo ou Hitler em outros contextos).

Desde então, as relações só pioraram.

O Brasil não reconheceu o resultado das eleições venezuelanas e disse que só as reconheceria após o anúncio e divulgação formal do resultado final e da entrega do material para uma auditoria internacional.

Depois, o resultado foi anunciado, as fraudes das atas de Edmundo González foram demonstradas, mas o Brasil seguiu se recusando a reconhecer o resultado das eleições. A partir de então, o Brasil começou a fazer sugestões delirantes, como um “2º turno”, praticamente em uma lógica de “disputar eleições até o Maduro perder”.

Finalmente, a Venezuela exerceu o seu direito de revogar o beneplácito previamente concedido para que o Brasil custodiasse a Embaixada da Argentina na Venezuela, porque os membros da oposição que estão “refugiados” na embaixada em questão tiveram participação direta em tentativas de desestabilizar o país e planejar atos terroristas. O Brasil recebeu autorização para custodiar essa embaixada porque o próprio Milei nem esperou o anúncio dos resultados para acusar o governo da Venezuela de fraude.

Agora, diz-se que os assessores do governo defendem que Lula endureça o tom contra a Venezuela.

Mas nada disso existe na bolha da direita brasileira. Todo esse complexo conflito, facilmente compreensível por quem estuda as diretrizes internacionais de cada país, passa batido entre os direitistas brasileiros, sendo considerado mero “teatro” ou “jogo de cena”.

Não importa o que aconteça, a ideia de um vínculo Venezuela-PT é tão importante para o discurso da direita que ela simplesmente não pode aceitar aquilo que é óbvio: que Lula e Maduro romperam porque ambos caminham em direções opostas no cenário geopolítico contemporâneo.

Lula é um multilateralista. Ele é um entusiasta da ideia de uma governança mundial descentralizada submetida aos valores cosmopolitas da ONU. Enquanto Maduro é um multipolarista. Ele é um entusiasta da ideia da formação de blocos continentais, cada um obediente apenas aos próprios princípios e valores, como novo eixo de condução das relações internacionais.

Ambas essas ideias são incompatíveis, encontrando algo em comum apenas na possibilidade de criticar o unipolarismo e o excepcionalismo estadunidenses.

Mas nada disso é entendido pela direita. Mesmo que Brasil e Venezuela entrassem em guerra, o direitista se agarraria à sua “verdade” como se sua vida dependesse disso.

Não que a esquerda seja muito diferente. Na esquerda, a “realidade paralela” é a de que o Maduro está sendo instrumentalizado por Putin a mando de Dugin para ajudar Bolsonaro na desestabilização do governo Lula pura e simplesmente por ódio e porque todos esses personagens possuem um acordo secreto envolvendo petróleo e gás do Azerbaijão.

Mas essa posição não é tão majoritária quanto a fé direitista de que Lula e Maduro são unha e carne. Ao contrário, você consegue encontrar muitos esquerdistas atacando Lula por sua posição hostil a Maduro.

É impressionante o que a lavagem cerebral faz com as pessoas.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 42

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