O Bacen publicou o código-fonte do projeto piloto de sua futura moeda virtual, o Real Digital. Mas a capacidade permitida de congelar saldos nas carteiras digitais e até mesmo destruir o dinheiro nelas levanta questões alarmantes. Será que estamos diante de uma nova era de segurança financeira ou à beira de uma invasão sem precedentes de nossa privacidade e liberdade financeira? Há risco real de cancelamento financeiro no horizonte? Descubra como o novo projeto de CBDC pode transformar a maneira como o governo interage com suas finanças e os riscos que isso implica, enquanto Arthur Pavezzi comenta sobre estas e outras questões cruciais.
A recente revelação do código fonte do Real Digital, o projeto piloto de CBDC (Central Bank Digital Currency, ou Moeda Digital do Banco Central) do Bacen, lançou um alerta. O código apresenta a possibilidade de funções para congelar contas, um recurso que acende um debate acerca da privacidade e da liberdade pessoal. O Banco Central alega que vai de acordo com a legislação e regulação vigentes no Brasil. A autarquia respondeu a questionamentos da revista EXAME informando que:
“[A] Justiça, na devida condução de processos judiciais, tem a prerrogativa de congelar ou arrestar valores mantidos no SFN [Sistema Financeiro Nacional]. Essas funcionalidades, portanto, existem atualmente no SFN e deverão ser reproduzidas na plataforma do Real Digital de modo a garantir sua compatibilidade com a legislação em vigor”.
O Real Digital concede ao Bacen, e, potencialmente, ao Judiciário, um acesso quase instantâneo a todas as informações financeiras de seus usuários. Isso significa não apenas o conhecimento de quanto dinheiro uma pessoa tem em sua(s) conta(s), mas também o rastreamento de cada transação realizada, cada pagamento feito, cada centavo economizado. Essa visão detalhada e abrangente da vida financeira de cada pessoa oferece um poder e controle sem precedentes.
Embora alguns possam argumentar que isso poderia ser usado para combater crimes financeiros como a corrupção e a lavagem de dinheiro, é fundamental ponderar se os benefícios potenciais superam os riscos à privacidade e à liberdade financeira. O poder de congelar contas pode ser facilmente abusado. Qualquer pessoa que discorde do sistema, ou expresse uma opinião impopular, poderia ser imediatamente silenciada por meio de restrições financeiras, tornando-se um alvo de um tipo de “cancelamento financeiro”.
Ademais, a margem para criação de regras adicionais é praticamente ilimitada nesse novo cenário. O Bacen poderia estabelecer normas que afetariam diretamente a autonomia financeira do cidadão. Poderiam proibir que o dinheiro permaneça parado na conta digital, ou determinar que certas contas sejam classificadas como CNPJ e, portanto, sujeitas a certos impostos.
Não se tratam meramente de indagações hipotéticas. Essa é uma realidade que já foi testemunhada em várias ocasiões. Em 2022, o PayPal fechou a conta da Free Speech Union (União da Liberdade de Expressão), uma organização britânica que defende pessoas que perderam seus empregos por expressar. No mesmo ano, em meio a protestos de caminhoneiros contra o passaporte vacinal da Covid-19, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau ordenou que os bancos parassem de fornecer serviços financeiros a pessoas associadas aos protestos. No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ordenou a desmonetização de 14 canais do YouTube por “disseminação de desinformação”.
Esses exemplos demonstram o poder e perigo do controle financeiro pelas megacorporações. Quando o poder de acessar e congelar contas é concentrado nas mãos daqueles que são inimigos do Povo, cujos interesses estão ligados ao de poucos bilionários “cidadãos do mundo”, há um risco real de abuso. É vital que tenhamos debates abertos e transparentes sobre a implementação de moedas digitais por bancos centrais e o impacto potencial na privacidade e liberdade de expressão. O direito de expressar uma opinião impopular e de participar da economia sem medo de retaliação financeira é fundamental para uma sociedade. Precisamos garantir o equilíbrio entre a inovação financeira e a salvaguarda das liberdades do Povo.