O Tradicionalismo Fálico de D. H. Lawrence

Por Derek Hawthorne

Escritor e poeta controverso por suas fortíssimas opiniões, D. H. Lawrence demonstrou em vida um grande interesse no papel do sexo como força primitiva e focal do homem e da mulher. Neste texto, Derek Hawthorne nos aproxima dessas reflexões, e como elas podem ajudar a compreender os princípios que norteiam as potências sexuais, sua ligação com a Tradição, e sua decadência moderna.

Sexo e Religião
D. H. Lawrence argumenta que, por meio do ato sexual, os indivíduos participam de algum tipo de poder misterioso que percorre a natureza. Mas essa experiência momentânea tem algum tipo de efeito de longo prazo sobre eles? Lawrence aborda diretamente esta questão. Quando o ato sexual termina, ele escreve: “Os dois indivíduos estão separados novamente, mas eles são como eram antes? Depois de uma tempestade, o ar é o mesmo de antes? Não. O ar é como se fosse novo, fresco. Assim é o sangue do homem e da mulher após o coito bem-sucedido.” Ele afirma ainda que o coito altera “a própria qualidade do ser em ambos.”[1]

Mas como? Não é de surpreender que Lawrence na verdade diga pouco sobre como a experiência muda a mulher, mas quanto ao homem, ele tem muito a dizer. Após o coito, “O coração anseia por uma nova atividade, por uma nova atividade coletiva. Ou seja, por uma nova conexão polarizada com outros seres, outros homens.”[2] Como vimos, Lawrence acredita que o sexo envolve um encontro com a força criativa na base da natureza. Este encontro renova a própria criatividade do homem. Ele está ansioso, após o encontro, para romper com a mulher por um tempo e agir no mundo, para trazer algo novo à existência: “Os homens, sendo eles próprios renovados após a ação do coito, desejam criar o mundo de novo. Uma nova polaridade impetuosa surge entre os homens que estão empenhados na mesma atividade, a polaridade entre o homem e a mulher afunda na passividade. Agora é dia e hora de esquecer o sexo, hora de estar ocupado construindo um novo mundo.”[3]

O homem anseia pela união com a mulher. Na hora, todas as outras considerações além dessa união tornam-se triviais. A união deve ser alcançada. No entanto, uma vez alcançada, ele se renova e anseia agora por se reunir com outros homens em um novo tipo de união: uma união voltada para a realização de atividades com propósito. Novamente, porém, o que dizer da mulher em tudo isso? Ela não anseia por uma atividade com propósito além do leito conjugal? Lawrence responde que, em geral, este não é o caso. Ele escreve: “Primária e supremamente o homem é sempre o pioneiro da vida, aventurando-se no desconhecido, sozinho com sua própria alma temerária e intrépida. A mulher para ele só existe no crepúsculo, à fogueira, quando o dia já se foi. A tarde e a noite são dela.” [4]

A visão de Lawrence é que na vida devemos oscilar entre um encontro com a fonte – por meio do sexo, por exemplo – e uma atividade criativa e intencional. Em outras palavras, devemos oscilar entre a consciência sanguínea e a consciência mental. Lawrence não é anti-intelectual. A consciência mental existe para nos permitir realizar as inspirações que recebemos da consciência sanguínea (lembre-se que “é através das raízes fálicas que a inspiração entra na alma”). É quando a consciência mental é desligada da consciência sanguínea e tenta tornar-se radicalmente autônoma que surgem os problemas.

Lawrence em um ponto enquadra a questão da relação das duas formas de consciência em termos de eus “noturnos” e “diurnos”:

Bem, então, nós temos eus noturnos. E o eu noturno é a própria base do eu dinâmico. A consciência sanguínea e a paixão pelo sangue são a própria fonte e origem de um nós. Não que possamos ficar na fonte, nem mesmo façamos da fonte um objetivo, como faz Freud. O negócio de viver é viajar para longe da fonte. Mas você deve começar cada dia fresco da fonte. Você deve ressuscitar todos os dias do mar escuro do sangue.

Quando você vai dormir à noite tem que dizer: “Aqui morre o homem que eu sou e sei que sou”. E quando você se levanta de manhã você tem que dizer: “Aqui surge um desconhecido que ainda sou eu.” [5]

Quando Lawrence fala em acordar de manhã, ele quer dizer emergir do mundo dos sonhos. Como Jung, Lawrence acreditava que encontramos nosso eu primitivo e pré-mental no sonho. Mas ele não quis dizer apenas isso. Ele quer dizer que sempre que emergimos de um encontro com a fonte – sempre que deixamos de lado, por um tempo, nossa individualidade e a colocamos de volta – devemos estar preparados para ser mudados, para ser inspirados por algo que emergiu da fonte. Devemos estar dispostos a trazer isso à luz. Ele alude a essa ideia em Studies in Classic American Literature quando nos diz que acredita “Que minha alma é uma floresta escura” e “Que deuses, deuses estranhos, surgem da floresta para a clareira de meu eu conhecido e depois vão de volta.” [6]

Os seres humanos geralmente cometem o erro de absolutizar o eu diurno ou noturno; ou fazendo do sexo o ser tudo e o fim de tudo, com a exclusão de atividade intencional, ou vice-versa. Lawrence escreve que “Com o sexo como o motivo principal aceito, o mundo mergulha em desespero e anarquia.” [7] No ato sexual, como dissemos, o senso de individualidade, de identidade pessoal é perdido e os participantes têm a senso de fusão em alguma unidade maior. Mas e o resto da vida? Devemos viver como indivíduos, com uma sensação de nós mesmos como seres separados durante a maior parte de nossa existência desperta.

Mas o que fazer com nossa individualidade? Algumas pessoas acham o fardo da existência separada e individual tão grande que procuram ter o tipo de transcendência que se pode vivenciar por meio do sexo de maneira quase constante, por meio do álcool, das drogas ou da busca por emoções. E o que costumamos descobrir com esses indivíduos é que suas vidas se desintegram, eles caem no “desespero e na anarquia”.

Temos, de acordo com Lawrence, dois eus: o eu noturno que é o mesmo em todos nós e que é um desdobramento do eu do mundo, o mistério da vida; e o eu diurno, que é diferente em cada um de nós e individual. Negar qualquer um deles não é natural. Devemos ir e voltar entre os dois. Se absolutizarmos o eu noturno, seremos destruídos como indivíduos. E qualquer sociedade que tentar se basear no eu noturno iria literalmente cair no caos. (Considere o caso de Woodstock, por exemplo.) “Afirme o sexo como a realização predominante e você terá o colapso do propósito de vida no homem. Você obtém anarquia.”[8]

Mas é igualmente errado afirmar o propósito acima de tudo. Este é, com efeito, o erro do idealismo. Existem indivíduos que negam sexo ou qualquer ato que implique contato com a fonte. Tais atos envolvem uma perda de controle e um colapso temporário no sentido de separação individual. E isso é assustador para muitas pessoas. Assim, elas vivem, por assim dizer, do pescoço para cima e se dedicam inteiramente à realização, ao trabalho produtivo, ao propósito. É essencialmente isso que Freud entende por sublimação da libido. Tais indivíduos podem não parar literalmente de fazer sexo, mas seu sexo é mecânico e sem qualquer profundidade sensual real. “Afirme o propósito como a única atividade suprema e pura da vida”, escreve Lawrence, “e você cairá na esterilidade, como nossa vida empresarial de hoje e nossa vida política”. [9]

Lawrence vê nessas observações uma chave para a compreensão da história mundial. “Você se torna estéril, você torna a anarquia inevitável”, diz ele. [10] Em outras palavras, se uma sociedade afirma a intencionalidade acima de tudo, eventualmente ela atinge um ponto de ruptura psicológica de massa, e a sociedade se abandonará à pura sensualidade. Se isso acontecer, no entanto, as coisas estão destinadas a voltar novamente. Alguém ou algum movimento surgirá em resposta a esta anarquia sensual, e apresentará a solução: abandone a sensualidade, em favor do propósito puro, ou idealismo puro. E assim por diante. Para citar Anaximandro (um dos filósofos favoritos de Lawrence), “pois pagam umas as outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a determinação do tempo”. [11]

Para Lawrence, a solução para esse problema é que os indivíduos vivam em completa aceitação do sexo e da consciência de sangue. Eles devem aceitá-los não apenas sem culpa, mas com reverência positiva. O sexo e tudo o que nos coloca em contato com a fonte ctônica primordial devem ser considerados a pedra-de-toque da vida. Todos os planos e propósitos dos seres humanos devem inspirar-se no encontro com essa fonte e devem ser compatíveis com o contato livre, regular e sensual com ela.

Lawrence escreve que “nenhuma grande paixão propositiva pode durar muito tempo a menos que seja estabelecida sobre a realização da verdadeira paixão sexual na vasta maioria dos indivíduos. Nenhum grande motivo, ideal ou princípio social pode perdurar por qualquer período de tempo, a menos que seja fundado sobre a realização sexual da vasta maioria dos indivíduos envolvidos.” E apenas para ter certeza de que entendemos seu ponto, ele diz novamente algumas linhas depois: “Você tem que basear sua grande atividade proposital na intensa satisfação sexual de todos os seus indivíduos.”[12] (Misteriosamente, ele acrescenta “Foi assim que o Egito resistiu.”)

Resumindo, certamente é verdade dizer que Lawrence estava preocupado com sexo. Isso, contudo, porque, para ele, sexo era religião. No sexo, despertamos a parte mais profunda de nós mesmos; nós nos tornamos aquela parte, que é ela mesma parte da energia vital da qual somos uma expressão. No sexo, entramos em contato com esse mistério e dele extraímos a força criativa. Lawrence insiste, no entanto, que não podemos permanecer para sempre neste mistério. Nossas vidas devem ser uma mudança perpétua para frente e para trás entre a consciência do sangue e a consciência mental. O contato com o mistério ctônico do sangue nos impele à ação propositiva. E em termos de quais devem ser nossos propósitos, nos inspiramos ao nos abrirmos para o ctônico e tudo o que ele possa trazer.

Sexo na Cabeça
Idealmente, o sexo não deveria ser o único meio pelo qual contatamos o mistério da vida, mas para as pessoas modernas geralmente é. Isto é, quando elas conseguem ter sexo satisfatório. O problema é que as pessoas modernas vivem quase exclusivamente do intelecto, da percepção consciente e mental. E elas vivem com conceitos rígidos de individualidade. Essas são construções do intelecto e, não surpreendentemente, tornam o intelecto central para a individualidade.

Tendemos a pensar, em outras palavras, que somos mentes simpliciter. Mas em verdade é pior do que isso. Temos a tendência de pensar em nós mesmos quase como mentes desencarnadas e nos relacionamos como uma mente desencarnada com outra. Investimos muito para manter essas concepções. Qualquer coisa que quebrasse ou desafiasse nosso senso de distinção individual é considerada uma ameaça.

Consequentemente, como Lawrence nos diz repetidamente, “colocamos nosso sexo em nossa cabeça”. [13] Esta é a expressão favorita dele. Por mais que possamos localizar nosso senso de identidade na cabeça, não podemos jamais extinguir totalmente a chama do “eu inferior”. Em vez de ceder qualquer parte de seu poder ao eu inferior, o intelecto deve encontrar uma maneira de colocar o sexo na cabeça e controlá-lo. O sexo se torna uma questão de engrandecimento do ego e objeto de inúmeras neuroses. Até a excitação sexual passa a ser controlada pela cabeça. A resposta sexual instintiva e animal com a qual a natureza nos equipa é suprimida pelo intelecto. A cabeça desenvolve suas próprias fixações e estas se tornam “pistas” que desencadeiam a excitação.

Por exemplo, fetichismo é uma resposta sexual desencadeada não pela presença de um homem ou mulher reais, ou pelas genitálias masculina ou feminina, mas por algo que de alguma forma simboliza ou se refere a eles. Por exemplo, o fetichista que fica animado com roupas íntimas femininas, mas tem dificuldade em ficar animado na presença de uma mulher real. Esta é uma pessoa cuja resposta é, novamente, intelectual e não natural. Ela está desconectada dos sentimentos sexuais naturais e atinge a excitação ao encaminhar informações através do intelecto: “Eu associo calcinhas com virilhas femininas e elas são sexy, portanto, isto é sexy.”

A cabeça pode até declarar alguns sentimentos sexuais “errados”, porque eles são incompatíveis com a auto-concepção do ego. O resultado são repressão e um terrível conflito interno. Quanto mais colocamos nosso sexo em nossa cabeça, mais uma resposta sexual natural e satisfatória se torna impossível. O resultado final é quase inevitavelmente impotência no homem e frigidez na mulher. Lawrence não teria ficado surpreso se tivesse vivido para ver a abundância de drogas que agora se tornaram disponíveis para tratar a disfunção sexual e os enormes lucros obtidos pelas empresas que as produzem.

Alguém poderia pensar que colocar o sexo na cabeça afastaria as pessoas modernas do sexo, mas, em vez disso, na verdade, isso as deixa terrivelmente famintas por experiências sexuais repetidas e transitórias. Lawrence escreve: “Quanto mais individual o homem ou mulher, mais insatisfatória é uma conexão não individual: promiscuidade.” [14] Ao nos identificarmos apenas com o “eu diurno”, apenas com o eu mental, na verdade rejeitamos nossos corpos e suas sensações e impulsos. Mas os desejos permanecem e devemos satisfazê-los. Portanto, vamos a um encontro sexual, mas, como deixamos nosso corpo em grande parte insensível, acabamos sentindo muito pouco. E porque temos medo de qualquer coisa que possa quebrar ou transformar nossa percepção de nós mesmos, emergimos do ato inalterados.

Não queremos renunciar ao ego e nos tornarmos vulneráveis, e assim o ato sexual se torna meramente um exercício de ginástica, seguido por algumas contrações musculares levemente prazerosas. Vagamente sentimos que algo está faltando – ou que perdemos algo. Somos, portanto, levados a passar para outro encontro, mas o antigo padrão se repete. Claro, parte do que nos leva a outro encontro é o próprio desejo biológico do sexo, mas Lawrence acredita que o desejo sexual por si só não pode explicar a extraordinária promiscuidade das pessoas modernas.

Uma solução para a promiscuidade, é claro, é encontrar um parceiro fixo, de preferência um para segurar por toda a vida. Mas as pessoas modernas também tendem a abordar isso da cabeça. Lawrence escreve,

Cometemos o erro do idealismo novamente. Pensamos que a mulher que pensa e fala como nós será a resposta-sangue… Tornamos o amor e o sexo uma questão de ver e ouvir e da manipulação consciente-diurna. Fizemos homens e mulheres se unirem com base na semelhança superficial e na comunalidade – sua consciência mental e simpática superior. E, assim, forçamos o sangue à submissão. O que significa que o forçamos à desintegração.” [15]

Nós nos relacionamos com potenciais parceiros amorosos através da cabeça, procurando um acordo intelectual e uma “mutualidade compartilhada de valores”. Isso é muito mais verdadeiro hoje do que quando Lawrence escreveu. Tornou-se cada vez mais o caso no mundo de hoje que nos sentimos obrigados em certos contextos (por exemplo, o local de trabalho) a suprimir os sentimentos de atração magnética pelo sexo oposto e, certamente, nunca dar voz a eles. Alguns acham que a expressão de tais sentimentos é degradante ou humilhante, não importa o contexto. E assim, homens e mulheres tendem agora a se relacionar principalmente por meio de conversas e conversas principalmente sobre ideias, opiniões e preferências.

O outro lado da moeda, é claro, são os relacionamentos baseados na atração física. Embora possam parecer superficialmente mais saudáveis do que os relacionamentos que acabamos de descrever, em sua forma moderna, na verdade, não são melhores. As pessoas modernas, como eu disse, estão presas em preservar os limites do ego, e isso significa que estão presas em não se perder no outro, em não ir muito longe na direção do abandono sensual. Consequentemente, depois de um tempo, os relacionamentos modernos baseados no sexo chegam a um beco sem saída, onde nenhum dos parceiros está disposto a ir mais longe por medo de realmente se tornar algo diferente do que já é. O sexo se torna excessivamente familiar, excessivamente mecânico e, por falta de qualquer outra coisa para sustentá-lo, o relacionamento termina.

Entre encontros sexuais insatisfatórios, as pessoas modernas (especialmente os homens) se blindam contra a possibilidade de que a próxima vez seja uma experiência profunda e transformadora, fazendo uma piada zombeteira sobre sexo, tratando o sexo como um jogo em que os números contam: número de conquistas, número de orgasmos, minutos decorridos antes da ejaculação, centímetros de ereção, etc. O sexo torna-se uma posse do ego, algo que faço que me eleva aos meus próprios olhos, uma busca egoísta. O que deveria ser, na verdade, é a busca mais altruísta de todas – não no sentido de ser altruísta, mas no sentido de ser desprovido de ego e extático:

Mas hoje, tudo é consciência imagem. Sexo não existe; existe apenas sexualidade. E a sexualidade é apenas um egoísmo cego e ganancioso. O interesse pessoal é o verdadeiro motivo da sexualidade. E, portanto, uma vez que a coisa buscada é a mesma, o eu, o modo de buscar não é muito importante. Heterossexual, homossexual, narcisista, normal ou incesto, é tudo a mesma coisa… Todo homem, toda mulher busca apenas a si mesmo, a si mesma, na experiência sexual.” [16]

Ao contrário do que parece, as pessoas modernas odeiam e temem o sexo. Elas odeiam e temem a perda de controle, a perda do ego e o abandono do mistério da vida que o sexo real e “consciente sanguínea” envolve. Então, eles reduzem o sexo a obscenidades e dele riem, e de si mesmos por desejá-lo. Em seu ensaio Pornography and Obscenity, Lawrence escreve: “A pornografia é a tentativa de insultar o sexo, de sujá-lo. Isto é imperdoável.” [17] Além disso, como já discutimos, o cientificismo conspira com a pornografia para esvaziar o mistério sexual e torná-lo uma questão mundana de produtos químicos e “impulso procriativo”. “O fato científico do sexo não é mais sexo do que um esqueleto é um homem”, escreve Lawrence. “No entanto, você pensaria duas vezes antes de colocar um esqueleto na frente de um rapaz e dizer: ‘Veja, meu garoto, isso é o que você é quando passa a se conhecer.’” [18]

A abordagem “científica” para esvaziar o sexo é em grande parte a abordagem teimosa do homem sexualmente reprimido. A mulher sexualmente reprimida nos deu a abordagem de “pombinhos apaixonados”. Sexo é “algo maravilhoso e super meloso, um processo de obtenção de um doce bebezinho”. Ambas as abordagens são, Lawrence nos diz, “desastrosas para a vida sexual profunda”. “Mas talvez”, ele acrescenta, “seja isso o que queremos”. [19] Queremos, em algum nível, destruir a vida sexual porque ela ameaça o ego e o controle do intelecto.

Tradicionalismo Fálico
Medo do sexo, Lawrence nos diz em John Thomas and Lady Jane é “medo do falo”:

Esta é a raiz do medo de toda a humanidade. Daí os esforços frenéticos da humanidade para desprezar o falo e anulá-lo. Tudo por medo. Daí o desejo do jazz moderno de tornar o falo bastante trivial, um estúpido revólver de brinquedo. Medo, da mesma forma. Medo desse alter ego, desse homúnculo, desse pequeno mestre que está dentro do homem, o falo. Homens e mulheres cometeram obscenidades infinitas, para se livrar desse pequeno mestre, para se livrar dele! Livre! Livre! Liberdade!” [20]

Lembre-se de que o falo – o pênis ereto – é o segundo homem dentro do homem: a expressão do eu primitivo, ctônico. É a incorporação no corpo do homem do inconsciente, ou a consciência do sangue. Não é uma coisa do intelecto; suas raízes são muito mais profundas. E por isso é uma afronta ao intelecto, que se orgulha de sua autonomia. Lawrence está nos dizendo que todo o nosso cientificismo redutor, nossa pornografia, nossa bajulação melosa e higienizada sobre sexo, de fato a maior parte da vida moderna, são um esforço concentrado para negar o poder do falo e afirmar a autonomia radical do intelecto.

Seria um erro entender que Lawrence simplesmente diz que os homens e mulheres modernos temem um órgão físico. De certa forma, Lawrence diz isso. O pênis ereto representa, na mente da maioria das pessoas, o eu primordial dentro de si, mais profundo do que o intelecto. E, de fato, está sob o controle daquele eu primordial; novamente, uma ereção não pode ser “desejada”. Mas lembre-se também que, para Lawrence, o falo é uma expressão do mistério da vida que permeia toda a natureza.

O medo do falo representa, portanto, de outra forma, o medo e o ódio daquilo que é maior do que nós. Não é por acaso que a “deflação” científica do sexo geralmente anda de mãos dadas com o ateísmo. Eles surgem do mesmo tipo de mentalidade, a mentalidade que teme perder-se em algo que quebraria os limites do ego. Para evitar que isso aconteça, deve negar o mistério, a beleza e Deus. Todo isso é, de certa forma, o falo. Deve negar isso ou de alguma forma explicá-los. E, acima de tudo, deve negar a si mesmo o prazer. O medo do falo anda de mãos dadas com o medo do prazer, pois o prazer ameaça nos levar para longe e nos dar uma experiência transcendente na qual nos sentimos absorvidos por algo maior do que nós. Como diz um texto shaiva: “todo prazer é uma experiência divina. Todo o universo surge do prazer. O prazer está na origem de tudo o que existe.”

Em A Propos of “Lady Chatterley’s Lover”, Lawrence escreve que “a ponte para o futuro é o falo, e aí está seu fim.” Neste ponto, por mais estranho que possa parecer, não deveria ser surpreendente ouvir Lawrence fazer tal afirmação. O que é surpreendente, no entanto, é que ele insiste que não está dizendo que a ponte para o futuro é o sexo. No mesmo ensaio, Lawrence prossegue dizendo que se a Inglaterra (e, por extensão, todo o mundo ocidental moderno) for “regenerado… então será pelo surgimento de um novo contato sanguíneo, um novo toque e um novo casamento. Será uma regeneração fálica e não sexual. Pois o falo é o único grande e antigo símbolo da vitalidade divina em um homem e de contato imediato.” [21]

O que Lawrence quer dizer com “fálica em vez de sexual”? É preciso ter em mente o que o falo representa. Lawrence nos chama para retornar à consciência do mistério da vida, de todas as maneiras que pudermos. Sexo é apenas uma maneira. O falo é “o único grande e antigo símbolo da vitalidade divina em um homem”, e é com essa vitalidade divina que devemos nos colocar novamente em contato. Mas o que Lawrence quer dizer quando afirma, além disso, que o falo é o antigo símbolo do “contato imediato”?

Aqui ele se refere a sua afirmação provocativa, discutida anteriormente, de que o falo “é uma coluna de sangue que enche o vale de sangue de uma mulher”. O falo é o meio pelo qual os dois grandes rios, que são opostos metafísicos, são reunidos sem palavras e mais profundamente do que quaisquer palavras ou ideias poderiam transmitir. O falo representa esta e todas as outras formas de “contato de sangue”, ou seja, contato instintivo ou intuitivo e não verbal entre indivíduos.

Lawrence acredita que os indivíduos se relacionam uns com os outros de maneiras misteriosas e incontáveis ​​que ele frequentemente designa pelo termo “vibrações”. Nós nos relacionamos com o sexo oposto por meio dessas vibrações. Independente de nossa orientação sexual, as vibrações estão lá. Nós nos relacionamos com membros de nossa própria família, ou nosso próprio grupo étnico, ou com membros de outro grupo étnico por meio dessas vibrações. Devemos aprender de alguma forma a recuperar nossa consciência disso e deixar de tentar nos relacionarmos uns com os outros exclusivamente por meio de palavras e ideias. Mas isso é apenas parte do que devemos fazer para voltar a ter contato com “o falo”.

No mesmo ensaio, Lawrence fala da necessidade de estabelecer uma vida inteira vivida em conexão com o falo:

Devemos voltar à relação vívida e nutritiva com o cosmos e o universo. O caminho é através do rito diário e do despertar. Devemos praticar mais uma vez o ritual do amanhecer, do meio-dia e do pôr-do-sol, o ritual da fogueira e do despejo da água, o ritual da primeira respiração e da última. Estes concernem ao indivíduo e à família, um ritual diário. O ritual da lua em suas fases, da estrela da manhã e da estrela da tarde é para homens e mulheres separados. O ritual das estações, com o Drama e a Paixão da alma encarnados na procissão e na dança, isto é para a comunidade, em união. E o ritual dos grandes eventos no ano das estrelas é para nações e povos inteiros. A estes rituais devemos retornar: ou devemos evoluí-los para atender às nossas necessidades.” [22]

Esta é, obviamente, uma descrição do tipo de vida que nossos ancestrais distantes viviam. Foi uma vida vivida, com efeito, em constante meditação e conexão com o mistério fálico, o poder de pan. O falo é a “ponte para o futuro”, mas esta ponte nos leva de volta ao passado distante.

Notas
[1] D. H. Lawrence, Fantasia of the Unconscious in Fantasia of the Unconscious and Psychoanalysis and the Unconscious (New York: Penguin, 1971), 107.
[2] Fantasia, 108.
[3] Fantasia, 108.
[4] Fantasia, 109.
[5] Fantasia, 182–83.
[6] D. H. Lawrence, Studies in Classic American Literature (New York: Penguin, 1977), 22. Original em itálico.
[7] Fantasia, 110. Mais tarde no mesmo texto ele declara, “Sex as an end in itself is a disaster: a vice” (Ibid., 187).
[8] Fantasia, 111.
[9] Fantasia, 111.
[10] Fantasia, 111.
[11] The Presocratic Philosophers, trans. G. S. Kirk, J. E. Raven, and M. Schofield (Cambridge: Cambridge University Press, 1983), 118.
[12] Fantasia, 110–11.
[13] Fantasia, 85.
[14] Fantasia, 175.
[15] Fantasia, 175.
[16] D. H. Lawrence, Phoenix, ed. Edward McDonald (New York: Viking, 1968), 381–82 (Review of Trigant Burrow, The Social Basis of Consciousness).
[17] Phoenix, 175 (“Pornography and Obscenity”).
[18] Fantasia, 114.
[19] Fantasia, 114.
[20] John Thomas and Lady Jane, 239.
[21] D. H. Lawrence, Phoenix II, ed. Warren Roberts and Harry T. Moore (New York: Viking, 1971), 508 (“A Propos of ‘Lady Chatterley’s Lover’”).
[22] Phoenix II, 510 (“A Propos of ‘Lady Chatterley’s Lover’”).

Fonte: EURO-SYNERGIES

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