À Procura do Logos Branco, Parte 1

por Novas

Primeira parte de três, estes textos são reflexões de um dissidente conhecido nominalmente apenas como “Novas”. “À Procura do Logos Branco” é um relato, um mergulho nos processos internos e externos que ajudam a formar o sujeito radical político do qual Alexander Dugin nos fala. À partir de experiências totalmente pessoais, o autor nos coloca em contato com a guerra contra o mundo moderno em suas diversas esferas. Nesta primeira parte, começamos por onde tudo começa, os primeiros contatos com o que há de mais ilusivo e desafiador na filosofia, as relações dos opostos, e a entrada no Tradicionalismo.

Quando Dédalo – após trágicas provações – finalmente encontrou terra firme em Cumas, construiu um templo em honra a Apolo. Ele pendurou suas asas em oferenda ao deus e decorou as áureas portas do templo com sua própria história. Mais tarde, Eneias alcançaria essas portas, e sua contemplação da história serviu-lhe de preparação para encontrar Apolo e fundar Roma. Para que a sabedoria apolínea seja revelada em toda a sua lucidez, é primeiramente necessário assimilar a história que leva ao seu templo. Platão precisou de Timeu antes de Parmênides, assim como Hegel precisou da Fenomenologia do Espírito antes de A Ciência da Lógica. Os maiores e eternos mistérios precisam dos mistérios menores e temporais, como Apolo precisa de Dionísio.

Conforme damos forma às nossas histórias, outras ganham vida por nós. Ao compartilhar, alcançamos um maior desapego de nossos condicionamentos pessoais. Nesse processo, também podemos auxiliar aqueles em caminho semelhante a navegar com maior sucesso do que nós mesmos. Para mim, o caminho da auto-iniciação e as condições e possibilidades para tanto no início do século XXI, têm sido um tema central.

Tudo começou com Nietzsche. Estou longe de ser o único ou primeiro inspirado por Nietzsche, mas para mim trata-se de um encontro arrebatador, muito além do encontro com um autor favorito para citações. Para mim, Nietzsche foi uma voz amiga em um mundo alienígena, inspirando-me no caminho da autossuperação. Encontrá-lo aos vinte e um anos de idade, enquanto estudante universitário, fez de suas palavras um guia para minha conduta. Nietzsche revelou-me o mundo (até agora) como algo muito distante do que eu gostaria, um mundo a ser inteiramente rejeitado. O que o substituiria era incerto, mas tinha que ser ousado.

Quando se inicia um processo de autossuperação em idade tão avançada, é quase tarde demais, e não há tempo para tentar ser compreendido pelas pessoas do passado. O caminho agora só pode ser em frente, sempre fiel aos mais altos cumes da experiência. Se seus saltos para a incerteza forem leves o suficiente, sem a carga inercial do passado, há uma chance de você ser recebido do outro lado por professores correspondentes ao seu nível.

Meu primeiro professor vivo foi um anarquista. Um homem alto e enérgico que, com seu terno impecável e camisa roxa, combinados com cabelos que evocavam uma mistura de cientista louco e Oscar Wilde, constituía o centro carismático de um pequeno círculo de mentes talentosas e não conformistas da universidade. Ele me apresentou à ideia de que o real poder de nossa era é a capacidade de controlar correntes de informação. O herói capaz de dominar a era da informação é aquele capaz de conectar diferentes partes da ecologia informacional. Como ferramenta de ordem e integração, o professor almejava criar uma ciência para unir todas as ciências, baseada na sistematização das intuições cibernéticas de Gregory Bateson. Tal conhecimento deveria andar de mãos dadas com um conhecimento intuitivo capaz de captar a essência de diferentes assuntos; isso seria alcançado através de uma aristocracia espiritual caracterizada não apenas pelo intelecto, mas pela ousadia e responsabilidade de lidar com verdades irritantes.

O professor era bem instruído, com conhecimento profundo de uma ampla variedade de assuntos, e ele acendeu em mim uma ambição Faustiana pelo conhecimento sobre todas as coisas. Ele não respeitava as fronteiras acadêmicas: nem entre diferentes disciplinas, nem as que separam a academia dos lugares onde não ousa caminhar. Se você quer maximizar a informação, pode-se argumentar que quanto mais barulho, mais sinal, mais estranheza, melhor. Entre outras coisas, ele me introduziu ao importante estudo de histórias alternativas, teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro, controle mental, círculos de colheita, OVNIs, habilidades paranormais, o calendário Maia, enteógenos e cientistas injustamente marginalizados com teorias e tecnologias potencialmente revolucionárias.

Com o tempo, a visão de mundo do professor passou de um positivismo Marxista para uma disposição mais gnóstica, com grande atração por áreas do conhecimento onde o medo e conformismo são ainda mais limitantes que a falta de intelecto. O mundo de Matrix representa bem o tipo de visão que ele me apresentou, mas aqui as cenas de luta eram substituídas por simpósios noturnos e grandes quantidades de vinho alemão e café, e a música techno foi substituída por Bob Dylan e Leonard Cohen. Eu fui iniciado no questionamento radical de todas as coisas, onde era difícil encontrar certezas. O mais certo era de que o senso comum estava errado sobre a maioria das coisas de grande importância. Muitas das coisas geralmente consideradas impossíveis, agora pareciam possíveis; coisas boas e ruins; um grande drama parecia se desenrolar, aberto ao herói procurando pela estranheza.

Meu encontro com o professor abriria portas para um grupo maior de não conformistas, exemplos vívidos de diferentes extremos existenciais, e aventuras em outros países. Nos Alpes eu ficaria semanas em completa escuridão, guiado por um homem canalizando energia extraterrestre. Eu experimentaria a luz interior que desperta após dias de escuridão e encontraria meu espírito animal. Nos Pireneus eu visitaria um grupo de cientistas alternativos cujas principais inspirações eram Gurdjieff, Castañeda, física quântica e tábuas de Ouija, até repentinamente extrapolar sua hospitalidade como o que eles percebiam ser um forasteiro cético.

Por dois anos, o frescor de novas e estranhas informações, o senso de poder e responsabilidade, de ser convidado para uma aventura real, me manteve nessa história ao modo Matrix; mas com o tempo, tornou-se mais e mais difícil atar tudo de forma coerente e significativa. Eu notei que muitos dos interessados no estranho normalmente tomavam suposições modernas como certezas, pelo menos não em suas perspectivas morais. Lhes faltava o tipo de erudição capaz de questionar as premissas básicas do mundo contemporâneo, o que constitui o normal, e o autoconhecimento que torna alguém soberano da história que opera. Eles muitas vezes pareciam defensores confusos da modernidade que era tão questionável, parcialmente ansiosos e paranoicos, parcialmente esperançosos, enquanto encontravam rachaduras anômalas nas paredes. Ao procurar pela estranheza, encontrará estranheza, mais que o suficiente para desconstruir a realidade que pessoas normais têm como certa; mas e agora? Como isso se relaciona com seu propósito de vida?

Nessa fase da minha vida eu encontrei todos os tipos de tentações titânicas, desde os tipos que te afetam intimamente, como substâncias prometendo potencializar seus poderes intelectuais, até tecnologias miraculosas prometendo melhora dramática em energia limpa e medicina. A relação entre o funcionamento pretendido e efetivo de cada solução era questionável, mas o ponto mais importante era a respeito de seu valor num contexto geral de significado. Se, por exemplo, você beber um elixir alquímico para aumentar radicalmente sua inteligência, o quanto da pessoa resultante ainda é você, como deveria ser? Ou talvez, se você pudesse oferecer ao mundo energia limpa e gratuita, isso não acabaria facilmente servindo às tendências que atualmente obscurecem o mundo?

Quando na presença do poder, seja ele poder técnico ou conhecimento como poder, a questão do significado torna-se mais aguda. Quantas das ideias que te movem são realmente suas, conscientemente selecionadas com percepção de outras possibilidades, e de quantas ideias diferentes estão interconectadas? Na medida em que as ideias que conduzem sua história não são suas, elas não podem servir como um meio adequado de expressão, e não podem satisfazê-lo como uma verdadeira extensão de seus sonhos.

Uma das últimas coisas que eu realizaria junto com o professor, seria a tentativa de juntar um grupo de pessoas entre nossas redes de influência, com um objetivo decisivo. Nós alugamos cabines caras em um vilarejo costeiro e mobilizamos um grupo heterogêneo, composto por um cientista genial e subestimado, um armador, um empreendedor, um psicólogo, um velho e educado marxista, um acrobata enérgico de camisola, um psiconauta, um especialista em Kant, e um jovem que abandonou a escola, falante e interessado em homeopatia que confiantemente se identificou como viking. Acreditávamos que, alimentados por discursos elevados e uma boa quantidade de vinho, em uma forma auto-organizada e espontânea, essa reunião resultaria em algo de grande impacto. O resultado foi uma grande diversão para a maioria dos participantes, interessados nos discursos e conversas, vinho e camarão, além da pequena excursão de barco realizada com a agradável temperatura do verão. Não fomos tarde para a cama. Na solidão de minha cabine, eu percebi que isso não era o que procurava.

Depois desse evento, minha busca por uma estrutura mais consistente para atingir objetivos e ações significativas ficou mais forte. Eu tive de me afastar do professor e procurar sozinho. Por algum tempo pensei em Deleuze de forma promissora, como uma síntese de minha motivação para a filosofia, teoria da complexidade, o impulso Nietzschiano e a navegação mágica do caos no espírito de Castañeda, mas também aqui algo estava faltando.

A mais importante das pessoas que conheci nesse tempo, além do professor, foi um jovem de ascendência iraniana, único em sua inflexível pureza. Ele cresceu mudo porque, conforme ele dizia, as pessoas ao seu redor não eram verdadeiramente interessantes o suficiente para conversar. Ele havia começado a falar e a distribuir seu conhecimento recentemente, com alguns poucos interlocutores. Ele entrou em contato comigo e, da maneira mais sóbria e lúcida, me disse que estava aqui em uma missão de outro mundo e que estava disposto a me ensinar mágica. Por mais grandiosas que essas afirmações possam parecer, sua conduta era um modelo de sinceridade, simplicidade, tato e imperceptibilidade, muito alinhada com o que mais tarde encontraria no Tao The Ching, mas com um toque zoroastriano de dualismo moral e extremismo da verdade.

Embora tenha sido sua estranheza que primeiro me atraiu, o que ele me ensinou foi o valor do simples, do autêntico, do poder mágico contido no autoconhecimento. Em um mundo que havia se tornado incerto, onde eu sentia uma titânica responsabilidade por responder e atar de alguma forma uma quantia extrema de informações aparentemente importantes, ele representou um raio de ordem, transcendência e direção, me redirecionando ao meu centro. Uma das coisas que ele me fez perceber foi que a maioria das coisas não são importantes. Ele também me tornou consciente de que: aquilo à que tu dedicas tua atenção, torna-se teu mundo. O método é concentrar-se no que mais queres afirmar e construir o mundo a partir disso. Suas palavras foram simples, mas cirurgicamente ajustadas ao que eu mais precisava compreender no momento, e elas firmariam pilares de minha crescente e mágica visão de mundo (Weltanschauung).

Permanecer como pupilo desse jovem em simplicidade pacífica e cultivar um jardim ou algo do tipo num canto do mundo não se adequava ao meu espírito aventureiro. Eu queria encontrar meu papel em uma história maior e mais significativa. Nisso, foram de grande auxílio os trabalhos literários do autor dinamarquês, Erwin Neutzsky-Wulff. O poder de seu trabalho, grimórios escritos na guisa da ficção científica, é a habilidade de conectar a existência concreta do escandinavo contemporâneo com uma visão de mundo heroica e sagrada, abrindo as portas para aventuras impetuosas através do desconhecido, e novos encontros com grandiosas figuras históricas e literárias.

A abordagem de Neutzsky-Wulff na literatura constitui uma ponte entre o homem e os deuses. Mitos revelam os meios ritualísticos para tal ponte, e a literatura oferece a melhor forma de expressar mitos no nosso tempo. O mundo é um efeito de histórias coaguladas, renovadas de tempos em tempos pelo homem de grande genialidade. De todas as histórias, aquela sobre um homem e uma mulher é a mais fundamental, da qual todas as outras histórias emergem. Neutzsky-Wulff é também um poeta de excessos titânicos, de ousar além das suas capacidades atuais, de desafiar agressivamente a inércia do mundo com seu próprio mito, tomando o Paraíso de assalto, ou quebrando no processo. Eu internalizei seu credo de que, se o que você está buscando não parece impossível, você certamente está no caminho errado.

O mundo de Neutzsky-Wulff e as portas que ele abriu para uma erudição mais ampla, foram importantes. Mas encontrar uma expressão concreta neste mundo não foi fácil. Enquanto minha seriedade na busca pela sabedoria aumentava, utilizando boa parte de meu tempo com livros, pensamentos próprios, ou gente estranha, mais eu me afastava das pessoas comuns, particularmente as mulheres. Parecia que o próximo passo necessário, que eu esperava dar-me novo chão onde pisar sobre o mundo e acesso ao sagrado, era encontrar na beleza feminina.

A NINFA

Até então, a procura por She-Ra, uma virgem de tiara – sequer uma virgem –, ou alguém que apesar de tudo me fizesse sentir “essa é minha garota”, fora difícil. Isso até era esperado, já que de acordo com as histórias com as quais eu me comparava, alcançar isso só seria possível após realizar algo grandioso. Mas então me ocorreu a possibilidade de isso acontecer de forma inversa, que somente um encontro de profundidade com a beleza feminina poderia me dar o poder para completar uma tarefa difícil. A beleza feminina é indisputada, uma constante em um mundo de infinitas possibilidades, algo a que se agarrar – para um espírito inquieto.

O senso comum nos alerta dos perigos de grandes expectativas sobre mulheres e o amor; que ajustar-se levemente à realidade de nosso tempo é necessário para tirar algo das mulheres. Talvez isso seja verdade para a maioria dos homens, para sólidos preservadores da sociedade, homens negociando com forças sociais no mercado dos sexos até que as transigências aceitáveis sejam alcançadas e gerações prossigam. Para mim, expectativas moderadas são inaceitáveis; isto é inegociável. Se eu fosse me contentar com expectativas moderadas, o mundo perderia o sentido. O amor tem sido, portanto, a clareira em que algo sagrado ainda é possível em um mundo dessacralizado. Se você já experimentou o sagrado neste espaço, as variantes mais negras do niilismo e as reflexões filosóficas sobre seus problemas e soluções parecem bastante superficiais. No entanto, altas expectativas tornam o processo de apaixonar-se difícil. Costumo perder o interesse romântico por uma garota assim que sua história, geralmente envolvendo pelo menos um outro homem, é revelada.

Minha maneira de solucionar esse problema foi escolher uma garota com quem nunca falei e sobre a qual nada sabia, como objeto de meu amor: uma moça loira que avistei em algumas palestras maçantes de filosofia, que tomava o mesmo caminho que eu para entrar e sair da universidade. Ela era a alienação encarnada, a moça que você observa enquanto sabe que o seguimento natural dos acontecimentos dificilmente será capaz de uni-los. Para mim, em sua normalidade ela representava um mistério. Como alguém pode viver dessa forma, seguindo o fluxo, sorrindo como se tudo fosse como deve ser, enquanto um palestrante “corrige” conhecimento antigo e iniciático com as ferramentas de uma filosofia analítica moderna e morta? Demonstrando a estética de “ser aluno” sem demonstrar desconforto pela ausência do espírito, que abandonou o lugar há muito tempo.

A princípio ela me irritou. Ela representava tudo de errado, a legitimação da falsa autoridade, da beleza divorciada da verdade. Durante meio ano, sempre que a encontrava no caminho para a universidade, eu tentava capturar seu olhar e forçá-la a desviar o seu. De alguma forma, ela sempre foi capaz de parecer ocupada com outra coisa, como se eu fosse invisível, impedindo-me de realizar esse gesto.

Em um dia de maio, no caminho de volta pra casa, um dia em que me sentia particularmente miserável e desconectado do mundo, eu vislumbrei a garota loira vindo na minha direção, e decidi abandonar meu jogo estúpido e deixá-la em paz. Quando eu já estava quase passando por ela, fui caprichoso em captar um vislumbre de sua beleza para levar de volta à minha caverna. Para minha surpresa, nossos olhares não somente se encontraram pela primeira vez, como ela também sorriu para mim. Eu não a veria mais por um longo tempo, mas carregava o brilho de seu sorriso como um tesouro precioso. Em setembro, nos encontramos no caminho outra vez, ela descia velozmente de bicicleta, provocando-me com um sorriso e desaparecendo tão rapidamente quanto aparecera.

Naquela tarde, eu decidi que estava disposto a arriscar tudo por essa garota. Dali em diante eu poetizaria a ideia dela ser minha única mulher em meu diário. Eu descartei tudo que pensava saber no passado, em abertura ascética a tudo que fosse necessário para nos unir; mantive distância de tudo e todos que pudessem ameaçar essa ideia. As partes mais rígidas e céticas de mim, silenciei com Lagavulin, enquanto juntava progressivamente meus sentimentos, pensamentos e vontade em um nó cada vez mais apertado ao redor dessa ideia que me possuía. Em cada novo encontro aleatório, ela me provocava de formas diferentes, e eu analisaria e poetizaria cada aspecto dessas situações em meu diário.

A palavra escrita solidificava meus pensamentos, encarnados sutilmente em meus gestos que espontaneamente sinalizavam algo para ela, dando um retorno e nos aproximando em sincronicidade; assim os encontros aleatórios aconteceram com maior frequência, tornando nosso contato verbal cada vez mais inevitável. Finalmente, tendo chegado dezembro, ela foi a primeira a tentar dizer oi, de maneira inaudível, mas a essa altura eu estava apaixonado demais para conseguir responder; tampouco fui capaz na segunda tentativa dela; mas em sua terceira tentativa, na livraria da universidade, ela proferiu uma frase completa – de forma bastante clara – e eu estava sentado sem saída fácil, então respondi; enferrujado a princípio, mas lentamente mais confiante. Dali em diante, eu a conheceria cada vez melhor. Descobri nela uma garota legal, livre e espontânea, uma divertida companhia. Ela tinha olhos azuis e perscrutadores, dentes brancos quando sorria, faltava-lhe noção de tempo, e era doce como amaretto.

Eu decidi tomar alguns dos mesmos caminhos que ela, como desculpa para encontrá-la, e uma das melhores experiências que tive nesse momento foi ficar bêbado com ela antes de tentar agir normalmente numa aula matinal. As coisas evoluiriam lentamente daí. Eu queria abduzi-la para longe do mundo “normie”, que ela fugisse comigo para algo novo, enquanto ela hesitava e queria tempo. Dois mundos completamente distintos, o meu sendo o mais estranho, emergiriam. A distância a cobrir era imensa, e exigia uma boa dose de paciência e tato. Existe um ritmo para tudo, e após a beleza ser revelada o próximo passo usual é silêncio e solidão, sem forçar adiante. Eu me tornei mais sensível à música ao fundo de tudo.

O amor precisa ser almejado, mas ao passo que lhe falte autoconhecimento, o resultado da aventura deverá permanecer incerto. Apenas amor eterno baseado na verdade pode ser inteiramente satisfatório. Mas para o amor ser verdadeiro e eterno, você deve ser coerentemente — ao mais alto grau — você mesmo; ou então você não será capaz de reconhecer a mulher certa, e ela não será capaz de reconhecê-lo. O amor faz perceber quão infantis são as tentativas de adotar técnicas e esperteza, ou tentar maximizar seu poder para conquistar o outro. Somente aquele que é inteiramente ele mesmo pode se salvar. A progressiva introdução dessa garota, inicialmente normal, ao meu mundo de estranheza culminou em uma noite de psilocibina em maio, onde ela ofereceu sua beleza em uma última explosão de impressões, antes de fugir literal e figurativamente, deixando apenas sua imagem remanescente.

Isso não devia acontecer, não fazia sentido: eu imergi completamente, sem qualquer mecanismo de segurança. O que poderia me sustentar agora, quando o centro do meu mundo correu para longe? Nesse momento a grande tensão despertou e ameaçava me derrubar. Ela me deu grande conhecimento sobre meu ser, o que incluiu forças, mas também uma dolorosa percepção de vazio, falsidades, imaturidade e contradições.

Meu salto antinatural em possessão voluntária havia perturbado a ordem natural das coisas (o acordo tácito onde a fórmula mágica “vai ficar tudo bem” ainda importa), incapaz de reinstituir a ordem. Os deuses, com pouquíssimas exceções, estavam irados comigo e demandavam uma punição. Um processo iniciático irreversível foi iniciado, do qual eu sairia com verdades integrantes e curativas, para tornar-me inteiramente o que deveria ser, ou seria esmagado pelas forças que provoquei. A sede pela verdade estava agora tão interligada com meu desejo de viver que tornou-se um compasso, me guiando na direção de certezas maiores e mais fortes.

Levaria algum tempo para encontrar terra firme após o encontro com essa garota. Atravessei paisagens crepusculares onde pela primeira vez Kafka fazia sentido, e onde também Rilke, Heidegger e o tarô proporcionavam certas clareiras no caminho para a integração. Encontrei os primeiros raios solares de metafísica em Rudolf Steiner e a antroposofia. Steiner parecia oferecer um caminho iniciático para nosso tempo, combinado com uma grande e coerente narrativa histórica, além de maneiras respeitáveis de ser que poderiam me dar um papel perceptível e aceito no mundo moderno. Esta era a forma mais tentadora do paradigma moderno, oferecendo ao filho perdido trégua e reintegração. A antroposofia me recebeu com braços abertos, através de alguns dos seus melhores representantes contemporâneos, e por um ano eu acreditei que encontrara o que procurava. A dádiva da serpente, no entanto, me incentivaria ainda mais em direção a algo mais verdadeiro, ao mundo que intelectualmente constitui minha base desde então.

TRADICIONALISMO E O SUJEITO RADICAL

O mundo intelectual que habito hoje começou quando encontrei os trabalhos de Julius Evola; em pouco tempo, conheci René Guénon, Alexandr Dugin e outros pensadores relacionados ao discurso tradicionalista. Esses homens e seus trabalhos, como O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos de Guénon, e Revolta Contra o Mundo Moderno de Evola, constituem hoje o polo de pensamento mais importante.

Se lermos o Tradicionalismo através da lente Nietzschiana das “Três Metamorfoses” presentes em Assim Falou Zaratustra, Guénon torna-se o camelo; Evola, o leão; Dugin, a criança. Guénon realiza o trabalho metafísico pesado, assume o ônus de nos dar a pílula vermelha definitiva sobre o mundo moderno, como a inversão sombria do mundo ideal da Tradição; ele demonstra a dinâmica de declínio da Era Dourada até o Fim dos Tempos pós-moderno. Evola explora caminhos para a liberdade e soberania dentro do paradigma Tradicionalista, e descreve formas arriscadas de auto-iniciação e revolta contra o mundo moderno através da ação. Dugin é aquele que não somente integra essas ideias, mas as expande no pensamento contemporâneo, nas instituições e realidade política, jogando com grandes forças históricas, buscando algo novo.

O eixo – ou centro metafísico – da filosofia de Dugin é o Super-homem Nietzschiano, desenvolvido no contexto do Tradicionalismo. Seus diferentes trabalhos giram em torno deste “conquistador de Deus e do nada”, aqui denominado o sujeito radical. Quando as grandes mentes do Tradicionalismo interpretam a história que leva até o mundo moderno, eles enxergam uma piora progressiva de condições, e onde estamos agora é o ponto mais baixo. A resposta típica é representada por Guénon, entre outros, como o esforço para aproximar-se de uma maneira tradicional de ser, na medida em que isso esteja ao seu alcance, mesmo que nenhuma grande realização possa ser esperada deste mundo até que chegue o momento de uma nova Era Dourada.

O sujeito radical dá à queda um significado especial. Ele enxerga as condições atuais, que são totalmente opostas às condições que ele encontra em casa, como um teste. Na Era Dourada, a vida era fácil, o sujeito radical vivia de forma real em um mundo encantado. Para onde quer que ele direcionasse sua atenção, tudo estaria harmonicamente interconectado de forma significativa e maravilhosa. Mas esse estado era dado, não adquirido. A visão inspirada de Dugin é que em algum momento o sujeito radical do mundo Tradicional escolheu cair nesse mundo para provar seu valor em condições menos de acordo com sua natureza. De certa forma, ele desejou condições onde tudo esteja de cabeça para baixo: onde a matéria domina o espírito, e as piores pessoas dominam as mais nobres; o mundo que habitamos. Ele desejava a perda da transmissão sagrada, para que do nível mais baixo, ele pudesse reacender o fogo iniciático por seu próprio poder.

Com a introdução do sujeito radical, a interpretação tradicional do fim e queda da Era Dourada, que segue – particularmente para Guénon – uma lógica estrita e quase matemática, torna-se mais aberta. Essa lógica Tradicional define o que é possível: temos uma ordem inicial dando sentido para todas as coisas, e que é desintegrada progressivamente até o caos e falta de sentido. Dentro deste modelo metafísico, o fundo caótico (o polo substancial) só possui sentido na medida em que o significado seja dado pelo topo – o polo essencial.

O sujeito radical, no entanto, procura por algo no caos que o polo essencial não poderia prever, para, partindo disso, iniciar uma nova realidade. Ele segue uma nova metafísica de raízes invisíveis, de onde as dores do encontro com o mundo contemporâneo servem como direções. Em vez de imediatamente buscar um retorno ao ideal, algo atrás dele, ele de alguma forma já encarna esse ideal, e agora quer elevar o que está a sua frente, o que é alienígena, decaído, material. Ele pensa e age de forma que o mundo possa ser afirmado, até mesmo em seu estado decadente.

Evola e Dugin representam atualmente dois pontos de partida particularmente promissores para pensar, cujos trabalhos e exemplos pessoais servem como medidas de possibilidade para a ação heroica. Ambos expandem imensamente os horizontes intelectuais de seus leitores; no entanto, a abordagem Evoliana é do tipo que oferece orientações para a conduta pessoal e ação, enquanto Dugin, em maior grau, convida pensadores para projetos mais amplos. Há uma maior sensação de fechamento nas obras de Evola, de uma essência muito concentrada. Evola é quem guarda o fogo central.

Dugin conhece os picos apolíneos de Evola mas escolhe mergulhar na multitude de ideias contemporâneas, caçando por tesouros em locais traiçoeiros, onde a chama da Tradição está fraca, trazendo com ele seu fogo interior. O que quer que Dugin toque em suas explorações intelectuais parece ser do maior grau de importância, tornando qualquer fenômeno de que ele fale interessante, sedutor, cheio de possibilidades de desenvolvimento adicional. Quando você acompanha sua trajetória, novas portas e possibilidades de exploração se abrem em todas as direções; isso é maravilhoso, mas também um desafio, pois você adquire a sensação de que para entendê-lo, precisará ler centenas, se não milhares de livros. Dessa forma, a admiração e alegria da descoberta se misturam com uma sensação de falta, de estar aquém do que se almeja – o que presumivelmente está por trás dessa montanha cada vez maior de livros que você se sente tentado a explorar. Ainda que seja excitante estar na vanguarda do descobrimento intelectual, ser o atrasado não é tão animador.

Para aqueles que seguem os passos de Dugin, também existe o perigo de perda da noção de proporções e hierarquia intelectual. Na grande quantidade de textos produzidos por Dugin, junto dos textos que ele nos convida a ler, é apresentada uma imensidão de posições diferentes e contraditórias. Pode haver muito de interessante em filosofias mais recentes, como em Bataille, Foucault, Deleuze, e incontáveis outros que Dugin nos recomenda ao longo do caminho; mas tais pensadores causam, por vezes, um efeito descentralizador caso você não tenha, pelo menos o suporte de um forte código de conduta, ou esteja imerso na chama Tradicionalista representada por Evola, Guénon e seus semelhantes. Dugin faz o que precisa, seguindo seu Daemon. Ele pode ser capaz de, possuindo um centro forte, integrar fenômenos dispersos, dando-lhes um toque pessoal, mas quantos seguidores podem jogar o jogo de atravessar diferentes mundos intelectuais em um nível próximo ao dele?

Há intelectuais que sucumbem à armadilha de enquadrar seus desafios pessoais em vocabulário filosófico sofisticado, quando seguir algumas regras básicas de conduta seria mais adequado. É digno de nota que muitos grandes pensadores não mostravam possuir conduta particularmente impressionante em suas próprias vidas, e que as filosofias resultantes – particularmente as de implicações éticas – também refletem deficiências pessoais. Até que ponto pode, por exemplo, a filosofia de Heidegger refletir o lado obscuro de sua personalidade? Não estou pensando em seu nazismo, mas algo mais grave.

Alega-se que o romance adúltero de Heidegger com Hannah Arendt foi uma inspiração para o Ser e Tempo de Heidegger. Se for o caso, podemos perguntar, que tipo de paixão o trabalho reflete? Obviamente, não o tipo de amor estável onde se é fiel à sua esposa, nem o gesto viril de fugir com a jovem estudante, correndo grande risco social. Parece mais com o tipo de fornicação casual da burguesia, cujas ações não são guiadas por uma bússola interior, mas com o que elas podem se safar mantendo uma fachada respeitável. Às vezes me pergunto se Sein-zum-Tode e a dignificação da ansiedade tiveram um lugar tão central na filosofia de Heidegger porque eram ferramentas adequadas para legitimar seu adultério.

Hannah, com a morte dos velhos deuses e os novos não terem ainda chegado, a ética tornou-se muito complicada. Poderemos precisar de duzentos anos para resolver isso, começando pela questão do Ser. Enquanto isso, o certo é que somos mortais que podem morrer a qualquer momento, então podemos muito bem aproveitar esse momento, juntos. Quanto mais ansiedade sentires depois, maiores os picos de autenticidade que terá atingido.
Heidegger, Ser e Tempo

Será somente por seu valor de verdade que tal filosofia encontre tamanha ressonância em cafés franceses? É realmente esse o pilar filosófico sobre o qual queremos apoiar nosso futuro Império?

Pântanos já foram drenados antes, e se alguém pode tirar o melhor de Heidegger, deve ser Dugin. Alexandr Dugin utiliza Heidegger brilhantemente em suas monografias dedicadas a ele, em seus Quarta Teoria Política e Noomaquia. Mas até que ponto Heidegger é importante em seu próprio mérito, e até que ponto isso se deve a sua importância como ponte para o pensamento contemporâneo? Eu admito que o espectro de Heidegger, especialmente o Heidegger tardio de “Was heißt Denken”? nunca está distante de meu caminho, mas não derramarei lágrimas (se não de alegria) no dia em que o Sol ressurgir e tornar Heidegger obsoleto.

Fonte: The Autistic Mercury
Tradução: Augusto Fleck

Imagem padrão
Nova Resistência
Artigos: 596

Deixar uma resposta