O Capitalismo Financeiro (Parte II) – As Estruturas do Capitalismo Financeiro

Escrito por Giuseppe Gagliano
Quais são os principais componentes do capitalismo financeiro e qual é o seu papel na manutenção do sistema especulativo que substituiu a economia real e produtiva da fase anterior do capitalismo? Esse é uma das questões principais que precisamos abordar para que possamos compreender as raízes das crises econômicas dos últimos 15 anos.

Como funciona o capitalismo financeiro e quais são suas estruturas? O braço operacional do capitalismo financeiro é o sistema financeiro com o qual ele está equipado, formado por vários componentes estruturais: os primeiros são os grandes bancos, entendidos como grandes empresas que operam em pelo menos uma dúzia de setores diferentes e em cada um deles controlam inúmeras empresas. Estamos, portanto, diante de imensas redes corporativas nas quais tanto funções quanto títulos de propriedade estão inextricavelmente interligados. Este componente “bancocêntrico” do sistema financeiro, por mais complexo que seja, é composto de entidades visíveis e opera em grande parte à luz.

Um segundo componente do sistema financeiro chamado finança sombra é, ao contrário do primeiro, praticamente invisível para as autoridades e, portanto, na verdade, não regulável. Seu tamanho, em termos de ativos, é muitas vezes maior do que os ativos das sociedades financeiras que detêm as suas cordas, embora seja difícil determinar qual é, em última instância, o total de ativos ou passivos de cada uma delas. Um terceiro componente do sistema financeiro, que se estende entre o sistema bancário e a finança sombra, é composto por investidores institucionais (fundos de pensão, fundos mútuos, companhias de seguros, fundos mútuos especulativos, ditos hedge funds ou “fundos de cobertura”). Os investidores institucionais são uma das maiores potências econômicas de nosso tempo, administram um capital enorme e influenciam o destino das grandes corporações e dos orçamentos estatais.

A principal razão pela qual é correto dizer que os investidores financeiros se movem entre os outros dois componentes do sistema financeiro é que todos esses componentes estão ligados por trocas diárias de dinheiro e capital que ocorrem através de múltiplos canais. Em virtude destes três componentes, que são fortemente interdependentes, a mega-máquina do capitalismo financeiro passou a escravizar para seus propósitos de extração de valor todo aspecto e todo âmbito do mundo contemporâneo. A política acabou por identificar seus próprios fins com os da economia financeira, trabalhando com todos os meios para promover sua ascensão, abdicando assim de sua tarefa histórica de melhorar a convivência humana, governando o aspecto econômico e não o contrário.

As Estruturas do Poder Global

Desta forma, o capitalismo financeiro foi elevado a sistema político planetário dominante, unificando todas as civilizações pré-existentes e esvaziando o processo democrático de substância. Toda uma civilização foi escravizada à finança pela política: durante 2010, por exemplo, a União Européia correu risco de se desintegrar várias vezes por causa do ataque que grupos de operadores financeiros-sombra lançaram sobre a dívida pública de seus estados e sobre sua moeda. Será suficiente aqui voltar brevemente aos momentos salientes da crise econômica em curso, para compreender a enorme responsabilidade que teve o fracasso em regular o capitalismo financeiro: a dívida pública e os déficits orçamentários aumentaram em vários pontos percentuais devido aos custos suportados pelos Estados para enfrentar a crise do sistema financeiro, com efeitos depressivos significativos sobre a economia real, que começou em 2007. A tendência deste primeiro período da crise que começou em 2007 pode ser resumida da seguinte forma: devido a políticas econômicas seriamente deficientes, o sistema financeiro passou por uma grave crise, nos primeiros três anos os Estados comprometeram uma grande quantidade de dinheiro para salvar bancos e seguradoras e estimular a recuperação econômica. Assim que voltou a se fortalecer, em 2009 para ser exato, o sistema financeiro começou a atacar os estados que haviam se endividado para apoiá-lo, reparando suas falhas. Neste jogo, a poupança familiar, as condições salariais e de trabalho, a segurança e a saúde, a previdência social e os direitos humanos, a educação e a pesquisa, a qualidade de vida e as relações interpessoais, as instituições e a democracia foram postos em risco. Em outras palavras, o sentido de toda uma civilização. Portanto, a crise econômica tornou-se a crise da civilização, entendida como forma particular e historicamente determinada de estruturar a política, a economia, a cultura e a comunidade, estendida a muitas sociedades ou estados.

A Civilização-Mundo

Neste ponto é necessária uma reflexão sobre o conceito de civilização: hoje a classificação das civilizações tem se tornado cada vez mais difícil porque desde os últimos trinta anos houve uma ocidentalização acelerada do mundo. Entretanto, não se pode considerar simplisticamente a nova civilização emergente como uma civilização ocidental ampliada. Ao contrário, é necessário considerá-la como uma civilização com características originais que podem ser definidas como “civilização-mundo”, caracterizada por um forte entrelaçamento entre política e economia, sem fronteiras de qualquer tipo, bem como por uma interconexão que foi criada entre quase todas as sociedades do mundo, de modo que qualquer evento que ocorra em uma delas tenha efeitos próximos sobre as outras.

A civilização-mundo que se determinou apresenta muitos aspectos extremamente problemáticos que merecem reflexão: em primeiro lugar, o imenso desequilíbrio entre o potencial tecnológico e econômico e as condições reais de vida da população do planeta: diante dos imensos meios, a civilização-mundo garante uma vida decente para cerca de 1,5 bilhões de pessoas nos países mais desenvolvidos, enquanto obriga os outros 5 bilhões a viverem uma vida classificável como indecente.

Contra o pano de fundo destes dados, há uma situação que é, de certa forma, igualmente dramática: o alto grau de insegurança sócio-econômica que atinge milhares de pessoas, que a crise tem aumentado nos países desenvolvidos. Pessoas que se perguntam com ansiedade se ainda terão um emprego, uma renda, uma casa ou a possibilidade de ter filhos. Outro aspecto problemático e extremamente preocupante que diz respeito à civilização-mundo – diz respeito ao tipo de existência humana, juntamente com a personalidade ou caráter da pessoa, que a civilização em questão, baseada no capitalismo financeiro, está orientada a produzir: o indivíduo se encontra em uma sociedade na qual as motivações, a identidade, o reconhecimento social e as trajetórias de vida foram construídas em torno do trabalho, especialmente o trabalho assalariado dependente, na era em que este fatalmente falta; portanto, a civilização-mundo produz incessantemente jovens com hábitos decompostos, adultos que permaneceram ou foram trazidos de volta a uma fase infantil, e cidadãos que introjetaram o evangelho do consumo em vez das regras da democracia.

O fato de que a produção sistemática em massa de tais personagens humanos reflete não uma mera mudança de costumes, mas uma dramática degradação política havia atraído a atenção de Marcuse desde os anos 60, descrevendo os traços do homem unidimensional. O que está totalmente distorcido é o processo formativo que deve resultar na personalidade de cidadãos conscientes, determinados a afirmar o princípio de liberdade e participação na gestão e governança dos assuntos públicos em todas as esferas, enquanto que no lugar deste resultado a civilização baseada no consumo, numa tentativa de restabelecer um equilíbrio entre o excesso de produção e o déficit de consumo, produz indivíduos para os quais a liberdade consiste na possibilidade de escolher produtos.

A privatização é expressão desta filosofia que prefere e coloca o indivíduo antes da comunidade. Finalmente, outro aspecto crítico da civilização-mundo diz respeito à proliferação de sinais de que a atual relação entre o uso dos recursos naturais e o modelo econômico baseado no desenvolvimento sem fim não é sustentável, e que o tempo para mudá-lo completamente está se tornando dramaticamente curto. Isto lança uma luz crítica sobre a civilização do crescimento econômico ilimitado, que leva à transformação de recursos renováveis em recursos não renováveis, utilizados até a exaustão, e à ocorrência de mudanças bruscas não lineares no progresso econômico, com possíveis resultados catastróficos. A crise econômica atual, que já dura desde 2007 e ameaça continuar, se não piorar, tem ajudado a trazer à tona a insustentabilidade sistêmica da civilização-mundo. Como não existem outras civilizações externas com as quais a civilização-mundo possa se comparar ou entrar em conflito em nível planetário, é possível que suas diversas formas de insustentabilidade dêem origem a conflitos endógenos num futuro próximo. Os parlamentos e governos do mundo ficam, portanto, com a possibilidade de civilizar em alguma medida o capitalismo financeiro.

Fonte: Osservatorio Globalizzazione

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