Limonov, o “Rock Star” do Nacional-Bolchevismo

Traduzido por Raphael Machado
O impacto de Eduard Limonov sobre a literatura russa dos últimos 30 anos foi imensa, seu impacto sobre a política foi ainda maior. A sua estética marcou o imaginário russo e, mais recentemente, foi até mesmo memetizada no Ocidente. Uma figura niilista e pós-apocalíptica, ele morreu durante uma crise global de dimensões possivelmente apocalípticas, talvez como um sinal. Nesse último texto de homenagens a Limonov, o recordamos através de seus colegas franceses da revista “Élements”, fundada por Alain de Benoist.

“Nem todo mundo pode cantar,
Não é dado a todos
Cair como um pomo aos pés dos outros.
É essa a suprema confissão de um pilantra”

Esses versos são de Sergei Yesenin, um poeta tão profundo quanto a sua pátria: cossaco, camponês, mas também soviético.

Sim, de fato: nem todos sabem cantar. E cantar era justamente o que Eduard Limonov fazia de melhor – isso sem falar, obviamente, em seu tato com as mulheres e com a guerra. Suas mulheres – incluindo aquelas com quem se casou – foram indescritivelmente românticas, mas de um romantismo sombrio (cinco casamentos e, agora, um funeral), como se tivessem saído de uma pintura da Fronda ou de uma página do Corto Maltese, rodeadas pelos odores de canhão e de veneno sedutor. Quanto à guerra, ele prezava sua violência sem restrições. Canta, musa, a cólera de Eduard!

Curioso destino o dele. Ele permaneceu jovem até o fim, morrendo aos setenta e sete anos de idade na flor da idade. Mesmo velho, permaneceu tal como era no final da adolescência. Ele possuía o poder milagroso de não envelhecer, e isso graças aos favores da da genética e da poética. Até seus últimos dias, ele conservou assim essa inalterável juventude: Rimbaud das estepes na sola do vento; a pele ligeiramente enrugada e a energia febril dos sobreviventes presa ao corpo. Um sobrevivente: ele vinha sendo um sobrevivente desde aquele dia, em 2016, quando um cirurgião removeu um coágulo de sangue tão grande quanto um punho do seu cérebro flamejante. Ele relatou tudo isso em E Seus Demônios (2018): “Eu estava praticamente no outro mundo”.

Sim, ele veio de outro mundo, um mundo de velhos brezhnevianos, de ideais desbotados e de marechais senis e congestionados, dos quais ele foi o enfant terrible; duplamente dissidente: da gerontocracia soviética e do Grande Hospício Ocidental (1993).

Vermelho e Marrom

Um qaid nos subúrbios de Kharkov, cidade russa na Ucrânia, onde cresceu; animador do underground moscovita (o “subterrâneo” dostoievskiano) sob Brezhnev; um herói bukowskiano em Nova Iorque; cossaco em Saint-Germain-des-Prés, onde teve o seu momento de glória nos anos 80, precedido por uma reputação sulfurosa, com um livro tempestuoso e escandaloso na bagagem, Le poète russe préfère les grands nègres (1979), onde retratou a sua vida de errante de Nova Iorque depois de ter sido expulso da URSS. Em poucos meses, a Paris da moda adotou o homem que se apresentava como o primeiro punk da União Soviética, o “Johnny Rotten da literatura”, chamado assim em homenagem ao insano cantor dos Sex Pistols.

Nós o víamos como um animal de circo, como se estivéssemos entrando numa tenda para admirar um animal selvagem trazido de uma expedição longínqua; um resquício de uma barbárie exótica, montado sobre uma garrafa de vodka e um kalashnikov, que assinava seus livros com a borda de um estilhaço de garrafa, em uma linguagem bruta, explosiva, direta, tão direta quanto uma série de jabs que fazem um homem descer à lona; a anos-luz de distância da Rússia folclórica e de seus ares de balalaika.

Seu verdadeiro nome era Eduard Savenko. E por que então “Limonov”? Porque é a contração de “limon” em inglês, e limão de “limonka”, ou seja, “granada” em língua russa. Ele despejava suas frases como granadas e chamará o jornal de seu partido de Limonka.

Rapidamente, Jean-Edern, o Magnífico, o avistou. Limonov era alguém que chamaria sua atenção. Ele consumia quantidades fenomenais de álcool, brindando ao Exército Vermelho e à Santa Rússia enquanto celebrava a estética fascista: o que provocava calafrios nos jantares na cidade, mas não no cérebro em ebulição de Jean-Edern Hallier. Entre os dois, eles eram a Bonnie e o Clyde da polêmica. Limonov, simultaneamente, assinava textos em O Idiota Internacional e O Choque do Mês, que conciliavam a esquerda reacionária e a direita revolucionária. Nada resume melhor esta linha transversal do que o artigo que Alain de Benoist assinou, em 1991, na revista de Jean-Edern, com o título de Barrès et Jaurès. Todos aqueles que aspiravam ao desaparecimento da clivagem direita-esquerda podiam reconhecer-se neles. E um ano depois, em 1992, a votação do Tratado de Maastricht daria a eles a oportunidade de expressarem a sua secessão nas urnas. Didier Daeninckx, uma figura então em voga, um intelectualoide insípido que, com duas cartas rasteiras, denunciou uma “conspiração vermelho-marrom” ali, algo como o retorno do pacto germano-soviético, pronto para empurrar as linhas Maginot do antirracismo. Era 1993, mas a denúcia de Didier  nos teleportou a 1933 (ecos da “conspiração russa”). Na verdade, em termos de conspiração, só existiam escritores e intelectuais que sonhavam em reconstruir o Conselho Nacional da Resistência (CNR).

A Bandeira Negra do Pirata

No cena da época, apenas um era autenticamente vermelho-marrom: Limonov. Aliás, a primeira grande questão que ele conduziu, assim que voltou à Rússia, após uma passagem relampejante e pirotécnica pelos Bálcãs, onde defendeu os sérvios bósnios com fuzis de assalto nas mãos, foi lançar, em 1993, junto a Aleksander Dugin, o bardo do eurasianismo, o Partido Nacional Bolchevique, dissolvido por Putin em 2007, que tinha mais de falanstério paramilitar do que de organização de massas. Em vermelho e marrom, claro, mas sob a bandeira negra dos piratas; algo fazer perder o norte ao antifascismo dos redatores da AFP e de nossa própria agência Tass, que viam nele um “escritor ultranacionalista de extrema-esquerda” (sic).

Aqueles que o tinham conhecido na penúria durante os seus anos de vagabundagem pelo estrangeiro certamente não poderiam ter imaginado tal conversão. No entanto, o guerrilheiro já irrompia sob o junkie iluminado, filho do niilismo soviético e do punk “no future” contrabandeado para a URSS pós-estalinista. De Woodstock a Vladivostok, o caminho estava livre. “Dê-me um milhão de dólares e eu comprarei armas e suscitarei uma sublevação não importa em qual país”, anunciou ele em seu Diário de um Fracassado(1983).

Um Punk Homérico

O mais curioso é que o punk, em casa, coabitava com um herói digno de uma “vida” de Plutarco, jogando Esparta contra Atenas, tão fascinante quanto fascistizante. Havia algo de homérico no seu hooliganismo. Uma concepção heróica da existência. Ele foi o Homero do underground, mais próximo do Exterminador do que de Aquiles, que causou uma estranha impressão em vocês porque ele era tão pálido e frágil, retraído em uma espécie de nanocorpo que os bifocais encolheram um pouco mais – sem tirar nada de sua prodigiosa energia. Na soma que consagrou a ele em 2011, Emmanuel Carrère fez uma mistura de “Barry Lyndon soviético” e “Jack London russo”, porque havia tanta ingenuidade no seu cinismo e poesia na sua violência. Pugachev, Mandrin, Robin tiveram de se aproximar desta combinação explosiva. Como disse de Pugachev, herói da grande jacquerie contra Catarina II no século XVIII, Sergei Yesenin, sempre ele, grande irmão de todos os François Villon russos, “Glória a este homem! O povo ama-o, o seu bravado, a sua ousadia”. A mais bela definição de um líder populista!

Limonov era mais futurista que populista. Não se pode deixar de admirar sua energia intocada e seu narcisismo infantil, o de um homem confiante em seu heróico destino, vivendo na expectativa de um cataclismo geopolítico, para o qual se preparava desde a adolescência, submetendo-se à disciplina espartana. Darwiniano, nietzscheano e vitalista, ele podia recitar, na encruzilhada dos anos 2000-2010, diante dos estupefatos parisienses, capítulos inteiros de “A Agressão” do biólogo Konrad Lorenz, ganhador do Prêmio Nobel.

Com Anna Politkovskaya e Garry Kasparov

Mesmo que a literatura fosse para ele apenas a continuação da guerra por outros meios, ele teria preferido perder seus livros e ter sucesso em seus golpes de força ao estilo de Malaparte. Foi o oposto que aconteceu. Ele sonhava em tomar o Kremlin, o Kremlin lhe tiraria tudo, o jogaria na prisão sob acusações de tráfico de armas e tentativa de golpe de Estado no Cazaquistão, em cuja fronteira, nas montanhas Altai, ele havia criado um campo entrincheirado de 1998 a 2001 com os seus militantes do Partido Nacional-Bolshevique, os “nazbols”. Preso em 2001 por cerca de 100 homens da FSB (ex-KGB), que ele comparava à Okhrana, a polícia política de Nicolau II, foi condenado a quatro anos de prisão, antes de ser libertado após dois anos e meio. Ele então começou a desempenhar o papel de democrata, embora achasse difícil esconder o fato de que estava mais interessado no som das botas e no cheiro da pólvora do que em direitos humanos. Ele finalmente confessou que ele e suas tropas nazbols queriam arrancar do Cazaquistão as regiões russófonas “cazaquizadas” à força por Nursultan Nazarbayev. É por isso que o amávamos tanto. A sua última loucura foi pelos Coletes Amarelos. Ele mal teve tempo suficiente para prefaciar antes de sua morte um magnífico álbum dedicado a eles, “Gilets jaunes. Um ano de insurreição e revolta em Paris” (edições de Yellowpshere).

A dissidência era sua pátria interior. Sob Brezhnev como sob Putin, talvez ainda mais sob Putin! O ano de 2010 o viu co-liderar o movimento Estratégia 31, que se manifesta a cada dia 31 do mês e evoca o artigo 31 da Constituição russa garantindo o direito de manifestação. Ele tornou-se assim uma das estrelas da oposição a Putin. A televisão até lhe dedicou um filme, obviamente com uma acusação, “A Caça ao Fantasma”. A jornalista Anna Politkovskaya o defendeu. No final dos anos 2000, vimos a sua silhueta na coligação do ex-campeão de xadrez Garry Kasparov, “Drugaïa Rossia”, “A Outra Rússia”, agora desaparecida, que tinha os favores do Ocidente e reunia os adversários de Putin. Não é surpreendente que o novo czar do Kremlin tenha conquistado mais do que o autor do “Manifesto do Nacionalismo Russo” poderia ter esperado. O seu lema, que se tornou o do Partido Nacional-Bolshevique, resume a sua luta política: “A Rússia é tudo, o resto não é nada!” Não se poderia ser mais claro. Na realidade, Limonov era contra, totalmente contra, Putin, que havia roubado seu sonho: a restauração do poder russo.

Mad Max made in URSS

A jovem e tonitruante literatura russa sai de suas coxas. Não consagramos, sob a pena de Pascal Eysseric, um trabalho sobre o renascimento das letras russas, intitulado “Os bastardos de Joseph Stalin e Eduard Limonov”? Quantos destes jovens autores não foram “nazbols”? Uma boa escola de balística e estilística. Pessoas como Zakhar Prilepin não vieram de lá, apesar de estarem perto do Kremlin? Tal como os primeiros voluntários russos no Donbass, em 2014, que Moscou teve prazer de expulsar. Aleksandr Solzhenitsyn, que não gostava muito dele, uma vez o chamou de “pequeno inseto que escreve pornografia”. Na verdade, tudo separava os dois homens. O autor de “Arquipélago Gulag” era um homem da era clássica; o de “A Sentinela Assassinada”, um personagem pós-apocalíptico – Mad Max made in URSS. Mas ambos pertencem à galáxia russa, mais particularmente à constelação dostoievskiana, aquela que confronta a Rússia dos “santos” e a Rússia dos “possuídos”. Não ousamos dizer “A paz esteja com a sua alma!” pois ele esteve sempre em guerra.
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François Bousquet

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