A Carta Ambiental de Juan Domingo Perón – Mensagem aos Povos do Mundo

Há quase trinta anos, quando ainda não se havia iniciado o processo de descolonização contemporâneo, anunciamos a Terceira Posição como via defesa da soberania e autodeterminação das pequenas nações, frente aos blocos em que dividiram os vencedores da Segunda Guerra Mundial.

Hoje quando aquelas pequenas nações cresceram em número e constituem o gigantesco e multitudinário Terceiro Mundo, um perigo maior que afeta a toda a humanidade e põe em perigo a mesmíssima sobrevivência, nos obriga a plantear a questão em novos termos, que vão para além do estritamente político, e que superam as divisões partidárias ou ideológicas e entram na esfera das relações da humanidade com a natureza.

Cremos que chegou o momento no qual todos os povos e governos do mundo devem cobrar consciência da marcha suicida à qual a humanidade tem empreendido através da contaminação do meio ambiente e da biosfera, da dilapidação dos recursos naturais, do crescimento descontrolado da população e da superestimação da tecnologia, assim como da necessidade de reverter de imediato a direção desta marcha, através de uma ação internacional conjunta.

A tomada de consciência deve ter sua origem naqueles homens da ciência mas, todavia, só pode se transformar em ação através dos dirigentes políticos. Por isso, como dirigente político, abordo este tema com a autoridade que me dá ter sido o precursor da atual posicionamento do Terceiro Mundo tal como do aval das últimas investigações científicas sobre o tema.

Os fatos

O ser humano já não pode ser concebido de forma independente do meio ambiente o qual ele mesmo criou. O homem se trata de uma poderosa força biológica, e se continuar a destruir os recursos vitais os quais o planeta lhe brinda só poderá esperar por verdadeiras catástrofes sociais para as próximas décadas.

A humanidade segue cambiando as condições de vida com tamanha rapidez que já nem sequer pode se adaptar às novas condições. Sua ação se dá de forma mais rápida que sua capacidade de apreensão da realidade, pelo qual o homem não consegue compreender, entre outras coisas, que os recursos vitais para ele mesmo e seus descendentes derivam da mesma natureza e não do seu poder mental. Por esta razão, diariamente, sua vida se torna numa interminável cadeia de contradições

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No último século continentes inteiros foram saqueados e bastaram um par de décadas para que rios e mares fossem convertidos em verdadeiros esgotos, o ar das grandes cidades num gás tóxico e espesso. Inventou o automóvel para facilitar sua locomoção, mas agora ergueu toda uma civilização do automóvel que se assentar sobre um sem fim de problemas de circulação, urbanização, imunidade e contaminação das cidades que agravam as consequências da vida sedentária.

Desperdício massivo

As mal chamadas “sociedades de consumo” são, na realidade, sistemas sociais construídos ao redor do desperdício massivo, baseados no gasto no qual se lastra o lucro. O desperdício se dá mediante a produção de bens supérfluos e, entre estes, aqueles que deveriam ser bens duráveis tem sua vida útil limitada para que logo tenham que ser renovadas. Se gastam milhões em investimento para que os produtos tenham mudanças em sua aparência, mas não para substituir aqueles bens que danam a saúde humana quando não se apela a procedimentos tóxicos para satisfazer a mais pura vaidade humana. Como exemplo, basta mencionar os automóveis atuais que já deveriam ter motores elétricos ou os produtos tóxicos que se agrega a gasolina para aumentar sua performance.

Não menos grave resulta o fato de que os sistemas sociais de desperdício dos países tecnologicamente mais avançados funcionem mediante o consumo de recursos naturais provenientes do Terceiro Mundo. Por conta desta realidade as relações humanas adentram um paradoxo duplo: por um lado algumas classes sociais – a dos países com baixa tecnologia em particular – sofrem os efeitos da fome, do analfabetismo e das enfermidades enquanto aquelas classes sociais e países que assentam o seu excesso de consumo sobre o sofrimento daqueles primeiros tampouco estão racionalmente alimentados e nem sequer gozam de uma autêntica cultura ou de uma vida espiritual sadia. Se debatem em meio a ansiedade e o tédio tal como nos vícios causados pelo ócio mal empregado.

A miragem da tecnologia

O pior de tudo é que, devido a existência de poderosos interesses ou pela falsa crença generalizada de que os recursos naturais vitais são inesgotáveis, tal estado de coisas tende a se agravar enquanto um fantasma – o próprio homem – recorre o mundo devorando 55 milhões de vidas humildes a cada 20 meses, afetando países que até ontem eram celeiros do mundo num movimento que tende a se expandir de forma arrasadora pelas próximas décadas. Nos grandes centros tecnológicos se anunciam, entre outras maravilhas, que logo as roupas serão cortadas a raio laser e que as donas de casa farão compras pela televisão e as pagarão por meio de sistemas eletrônicos. A divisão da humanidade se agudiza de tal modo que parece ser que está constituída por mais de uma espécie. O ser humano, cegado pela miragem da tecnologia, se olvida das verdades que estão na mesma base de sua existência. Assim sendo, enquanto se chega a Lua graças a cibernética, a nova metalurgia, os combustíveis poderosos, a eletrônica e uma série de conhecimentos teóricos fabulosos, também se envenena o oxigênio que respiramos, a água que se bebe, o solo que nos dá de comer tal como se eleva a temperatura permanente do meio ambiente sem que se tenha em conta suas consequências biológicas. No cúmulo de sua insensatez, o homem mata o mar que poderia lhe servir de última base de sustentação.

Depois da terra, o mar…

No curso do último século (o XIX) o ser humano exterminou mais de cerca de 200 espécies animais terrestres. Agora, não satisfeito, passou a liquidar também as espécies marinhas. Ademais dos efeitos da pesca excessiva, amplas zonas dos oceanos, especialmentes as costeiras, se converteram em cemitérios de peixes e crustáceos tanto pelo desperdício quanto pelo petróleo involuntariamente derramado. Somente o petróleo liberado por navios tanque afundados na última década acabou com a vida de cerca de 600 bilhões de peixes. Sem embargo, seguimos lançando ao mar mais dejetos do que nunca, perfurando milhares de poços petrolíferos no mar ou em suas costas e ampliando ao infinito a tonelagem dos petroleiros sem tomar medidas de proteção da fauna e flora marinhas.

… e a água potável

A crescente toxicidade do ar das grandes cidades é bem conhecida ainda que muito pouco se tenha feito para que esta seja diminuída. Em câmbio, existe um conhecimento mundialmente difundido acerca do problema planteado pelo desperdício de água doce, tanto para o consumo humano quanto para a agricultura. A liquidação de lençóis freáticos já converteu extensas zonas do globo que antes eram férteis em desertos, e os rios se transformaram mais em desagues do esgoto das cidades do que em fontes de água potável ou vias de comunicação. Ao mesmo tempo a erosão provocada pelo cultivo irracional ou pela supressão da vegetação natural se tornaram em problemas de ordem mundial enquanto se pretende suprimir o ciclo biológico do solo, um dos mais complexos da natureza, com produtos químicos. Não fora o bastante, nascentes também são contaminadas, e como último possível recurso, a tarefa de dessalinização da água do mar, de dimensões universais, exigiria uma infraestrutura que a humanidade não tem capacidades de bancar neste momento.

Alimentos e armas

Por outro lado, apesar da chamada revolução verde, o Terceiro Mundo ainda não conseguiu produzir a quantidade de alimentos que necessita e, para alcançar seu sustentabilidade, necessita de um desenvolvimento industrial, reformas estruturais e a vigência de uma justiça social que todavia está longe de cumrprir. Ademais, o desenvolvimento da produção de alimentos substitutivos é retardada pela insuficiência financeira e dificuldades técnicas. É claro que todos estes desatinos culminam numa corrida armamentista tão desenfreada como irracional irracional, que custa à humanidade US $ 200 bilhões anualmente.

A este mare magnum de problemas criados de forma artificial se somam o crescimento explosivo da humanidade. O número de seres humanos que povoa o planeta se duplicou no último século e tornará a dobrar para os começos do próximo se o ritmo de crescimento se mantenha. Por esse caminho em 2500 cada ser humana terá disponível apenas meio metro quadrado sobre o planeta. Tal visão global está longínqua no tempo mas não difere muito da realidade que já existe nas grandes urbes e não se deve esquecer que dentro de 20 anos mais da metade da humanidade já vivera em grandes e medianas cidades.

Política demográfica

Não há dúvida que a humanidade necessita ter uma política demográfica. A questão porém é que ainda que esta seja posta em prática, pelo atraso com o qual começariamos, não produzirá seus efeitos com menos de uma dećada em matéria educativa e não antes do fim do século em resultados práticos. Para além disso, a política demográfica não é capaz de produzir os efeitos desejados se não vai acompanhada de uma política econômica e social correspondente. De todos modos, manter o ritmo atual de crescimento da população humana é tão suicida como manter o desperdício dos recursos naturais nos centros altamente industrializados onde rege a economia de mercado ou naqueles países que copiaram tal modelo de desenvolvimento. O que não se deve aceitar é que a política demográfica estejam baseadas em medicamentos que coloquem em perigo de saúde de quem as consuma ou de seus descendentes.

Que fazer?

Observados o conjunto de problemas que se colocam e que enumeramos, comprovaremos que estes têm sua origem tanto na cobiça e na imprevisibilidade humana quanto nas características de alguns sistemas sociais, no abuso da tecnologia, do desconhecimento das relações biológicas e da progressão natural do crescimento da população humana. Esta heterogeneidade de causas deve dar lugar a uma heterogeneidade de respostas ainda que, em última instância, tenha como denominador comum a inteligência humana. Em contra da irracionalidade do suicídio coletivo, devemos responder com a racionalidade do desejo de sobrevivência. Para colocar um freio e inverter a marcha que vai em direção ao desastre, é menester aceitar algumas premissas:

  1. São necessárias e urgentes: uma revolução mental entre os homens, especialmente entre os dirigentes dos países mais altamente industrializados; uma modificação das estruturas sociais e produtivas em todo o mundo, de maneira especial nos países altamente tecnológicos onde rege a economia de mercado, com o surgimento de uma convivência biológica dentro da mesma humanidade e entre a humanidade e o resto da natureza.
  2. Essa revolução mental implica em compreender que o homem não pode substituir a natureza na manutenção de uma adequado ciclo biológico geral; que a tecnologia é uma arma de dois gumes e que o chamado progresso deve ter um limite e que por isso mesmo deverá renunciar a algumas das comodidades brindadas pela civilização; que a natureza deve ser restaurada em todo o possível e que os recursos naturais devam ser cuidados e racionalmente utilizados pelo homem; que no que tange o crescimento qualitativo da população é necessário melhorar a distribuição de alimentos e a difusão de serviços sociais como a educação e a saúde pública e que aquela e uma recreação sadia deverão substituir o papel que os bens e serviços supérfluos jogam actualmente na vida do homem.
  3. Cada nação tem direito ao uso soberano de seus recursos naturais. Todavia, ao mesmo tempo, cada governo tem a obrigação de exigir de seus cidadãos o cuidado e utilização racional dos mesmos. O direito à subsistência individual impõe o dever da sobrevivência coletiva.
  4. O câmbio das estruturas sociais e produtivas no mundo implica diretamente que o lucro e o desperdício deixem de ser o motor básico de qualquer sociedade, assim como também necessita de que a justiça social deve ser a base de todo o sistema, não só para o benefício direto dos homens senão que também para o aumento da produção de alimentos e bens necessários; consequentemente, as prioridades de produção de bens e serviços devem ser alteradas em maior ou menor medida segundo seja realidade do país em questão. Em outras palavras: necessitamos novos modelos de produção, consumo, organização e desenvolvimento tecnológico que, ao mesmo que deem prioridade às necessidades essenciais do ser humano, racionalize o consumo de recursos naturais e diminuam ao seu mais mínimo a contaminação ambiental.
  5. Necesitamos um homem mentalmente novo em um mundo fisicamente novo, Não se pode construir uma sociedade baseada no pleno desenvolvimento da personalidade humana em um mundo viciado pela contaminação de um ambiente exausto, sedento e enlouquecido pelo ruído da superlotação. Devemos transformar as cidades-prisão do presente em cidades-jardins do futuro.
  6. O crescimento da população deve ser planificado, o mais imediatamente possível, através de métodos que não prejudiquem a saúde humana de acordo às condições particulares de cada país (não se aplicaria a Argentina, por exemplo) dentro do marco de políticas econômicas e sociais de razão global.
  7. A luta contra a contaminação do meio-ambiente e da biosfera, contra o desperdício dos recursos naturais, o ruído e a superlotação das cidades deve se iniciar já a nível municipal, nacional e internacional. Em âmbito internacional deve passar a ser agenda de negociações entre as grandes potências e entrar nas discussões das Nações Unidas com caráter de prioridade. Não se trata de apenas um problemas a mais da humanidade, senão que sim de seu problema principal.
  8. Todos estes problemas estão ligados de maneira indissolúvel com a justiça social, a soberania política e a independência econômica do Terceiro Mundo, assim Todos estos problemas están ligados de manera indisoluble con la justicia social, el de la soberanía política y la independencia económica del Tercer Mundo, assim como da distensão dos conflitos e consequente cooperação internacional.
  9. Muitos desses problemas devem ser abordados por encima das diferenças ideológicas que separam os indivíduos dentro de suas respectivas sociedades ou mesmos os Estados membros da comunidade internacional.

Nós, os terceiro-mundistas

Finalmente desejo deixar algumas considerações para os países do Terceiro Mundo:

  1. Devemos cuidar dos nossos recursos naturais com unhas e dentes da voracidade dos monopólios internacionais que buscam alimentar um tipo absurdo de industrialização e desenvolvimento nos centros avançados onde rege a economia de mercado. Já não pode se produzido um aumento em grande escala da produção alimentícia do Terceiro Mundo sem um grande desenvolvimento paralelo de indústrias correspondentes. Por isso mesmo, cada grama de matéria prima que se deixa arrebatar do Terceiro Mundo hoje equivale a quilos de alimentos que deixarão de ser produzidos amanhã.
  2. De nada vale evitar o êxodo de nosso recurso naturais se continuarmos atados a métodos de desenvolvimento preconizados pelos monopólios internacionais que preconizavam a negação racional de recursos.
  3. Na defesa de seus interesses os países devem se lançar a integração regional e a ação solidária.
  4. Não se deve esquecer que o problema básico da maior parte dos países do Terceiro Mundo é a ausência de uma autêntica justiça social e da participação popular na condução de seus destinos. Somente a partir disso se estará em condição de enfrentar as angustiosamente difíceis décadas que se aproximam. A humanidade deve se lançar numa guerra para defender a si mesma. Nessa tarefa gigantesca ninguém poderá cruzar seus braços. Por isso convoco a todos os povos e governos do mundo a uma ação solidária.
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Nova Resistência
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