Alexander Dugin declara a Terceira Guerra Mundial como a guerra dos globalistas de todos contra todos, mascarada por nacionalismos, impulsionada pelo caos nuclear e que só pode ser respondida pelo sagrado poder russo.
Os bombardeios dos EUA às instalações nucleares do Irã – especificamente ao complexo de enriquecimento de urânio em Fordow – marcam o início da Terceira Guerra Mundial. As armas nucleares já não dissuadem ninguém, e os ataques à infraestrutura atômica foram, de fato, legitimizados – primeiro por Israel, que não enfrentou uma reação internacional decisiva, e agora pelos Estados Unidos. Tantos limites foram ultrapassados que já não se sabe se algum permanece intocado.
Isso diz respeito diretamente à Rússia. As forças nazistas em Kiev já tentaram repetidamente atingir instalações nucleares em território russo, e os ataques a bases da aviação estratégica – assustadoramente semelhantes às táticas israelenses no Irã – não deixam dúvidas: isso agora é visto como um método de guerra plenamente aceitável, contra qualquer um. Se os ataques nucleares diretos ainda não ocorreram, é apenas uma questão de tempo. A caixa de Pandora atômica foi aberta. A metáfora frequentemente aplicada às armas nucleares, inspirada em Anton Tchekhov sobre uma arma em cena, nunca pareceu tão adequada: “Se no primeiro ato você pendura uma pistola na parede, no seguinte ela deve ser disparada. Caso contrário, não a pendure ali.” A pistola foi pendurada no primeiro ato: a Guerra Fria. Agora, o disparo começou. Isso é inevitável. Toda arma inventada pela humanidade acabou sendo usada. Sergey Karaganov há muito fala disso, embora muitos o tenham taxado de alarmista. Ele apenas alertava sobre o inevitável.
Mas, para imaginar as guerras nucleares do futuro, devemos perguntar: sob quais bandeiras ideológicas elas serão travadas? Que tipo de futuro pretendem moldar? Pois, quando se inicia uma guerra mundial, é preciso ter pelo menos uma vaga ideia do que virá depois.
Vejamos a situação pelos olhos dos globalistas – aqueles a quem Trump e seus apoiadores, até pouco tempo atrás, chamavam de “Deep State”, mas dos quais agora se tornaram claramente instrumentos. A ideologia do globalismo e sua visão de futuro avançam em duas etapas.
A primeira etapa é estabelecer o domínio total de um governo mundial e abolir os Estados soberanos – resquícios do sistema de Westfália. Para isso, é preciso impor a mistura completa de todos os povos, eliminar fronteiras nacionais e fundir toda a humanidade em um único cadinho. Além disso, o princípio do individualismo deve ser levado ao extremo: o gênero, abolido e transformado em escolha pessoal, assim como os liberais de outrora fizeram com religião, classe e nacionalidade. Aqueles que resistirem, que defendem soberania e valores tradicionais, devem ser destruídos. Era assim que o Ocidente coletivo imaginava o futuro antes de Trump, já em guerra contra a Rússia na Ucrânia, preparando-se para um conflito com a China e desestabilizando o mundo islâmico com revoluções coloridas e, às vezes, invasões diretas. Ao mesmo tempo, os globalistas buscavam minar o governo Hindutva na Índia.
Até a primeira etapa já previa o uso de armas nucleares, pois os obstáculos ao governo global devem ser eliminados a qualquer custo. A humanidade em si é descartável, especialmente quando vista em termos puramente quantitativos.
A segunda etapa é ainda mais radical: a transcendência consciente e até a abolição da humanidade em favor de uma inteligência artificial forte. Isso se chama Singularidade e tornou-se um conceito comum entre os futuristas globalistas. Primeiro, migrantes substituem a população nativa, indivíduos transgêneros substituem os dois sexos naturais e as famílias tradicionais; por fim, os próprios migrantes e transgêneros são substituídos por IA e ciborgues. Nessa fase, há ainda mais razões para usar armas nucleares contra os considerados irremediavelmente obsoletos. A humanidade é como um telefone de botão primitivo ou um computador de cartão perfurado – com o mesmo destino do lixo nuclear.
Esse era o caminho antes da vitória de Trump, quando o Ocidente coletivo seguia firmemente esse plano. Trump e seu movimento MAGA (Make America Great Again) venceram as eleições nos EUA justamente por se oporem a essa visão de futuro. Isso incluía antimilitarismo, antiintervencionismo, rejeição à imigração ilegal e restrições ao movimento LGBTQ. Nessa visão, o futuro se desdobraria em um mundo multipolar (como explicitamente declarado pelo secretário de Estado Marco Rubio), e a aniquilação nuclear seria cancelada ou, pelo menos, adiada. Os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio – inflamados pelos globalistas – deveriam ser contidos.
Trump apenas brevemente seguiu seu programa MAGA. Ele cumpriu parte dele: se não baniu totalmente o LGBTQ, reduziu significativamente sua influência; começou a identificar e deportar imigrantes ilegais com força. Chegou a fechar a USAID (o quartel-general globalista para exportar liberalismo e revoluções coloridas) e demitiu toda sua equipe. Parecia que o holocausto nuclear estava adiado, e toda a atenção se voltou para o continente norte-americano: para o Canadá, ainda nas mãos dos globalistas, e a Groenlândia.
No entanto, assim que o mundo suspirou aliviado e a base eleitoral MAGA se encheu de esperança por um futuro alternativo – livre da guerra e do inverno nuclear –, Israel iniciou uma guerra contra o Irã, atacando suas capacidades nucleares. Trump se juntou a essa guerra, ordenando bombardeios a Fordow, a estação de pesquisa nuclear iraniana. E assim, outra guinada brusca em relação ao futuro ocorreu — efetivamente, o começo da Terceira Guerra Mundial. Uma vez que a caixa de Pandora é aberta, não pode ser fechada. Trump a abriu. Então, qual é a imagem desse futuro, considerando a própria ideologia de Trump, que, embora divergisse do globalismo liberal, não se afastou tanto quanto muitos esperavam?
Suponhamos que o mesmo “Deep State” globalista que Trump tentou desmantelar mostrou-se mais forte do que o esperado. Talvez ele simplesmente tenha decidido usar Trump e seu programa nacionalista para seus próprios fins. Enquanto os trumpistas acreditavam que o nacionalismo significaria focar em questões domésticas e derrotar os globalistas, o Deep State tinha outros planos. Mas quais?
A suposição mais lógica é esta: os planos dos globalistas para uma transição suave e voluntária a um governo mundial começaram a emperrar e, por fim, chegaram a um beco sem saída. A ascensão da Rússia e da China, o movimento da Índia em direção à soberania civilizacional e o despertar do mundo islâmico, da África e da América Ibérica, junto ao surgimento e crescimento dos BRICS, opuseram-se diretamente à unipolaridade global. Uma guerra do Ocidente liberal-globalista contra a maioria global – mesmo nuclear – poderia terminar desfavoravelmente para o Ocidente.
Daí veio a decisão astuta: em vez de se opor à guinada conservadora, ao crescimento do nacionalismo e do populismo e ao fortalecimento da multipolaridade, eles aproveitariam essas forças para seus próprios fins. A criação de um governo mundial foi adiada e substituída por um projeto temporário: o “choque de civilizações”. Para isso, permitiu-se a ascensão do nacionalista Trump. O símbolo disso tornou-se a “saudação Bellamy”, realizada duas vezes – primeiro por Elon Musk, depois por Steve Bannon e outros na CPAC (Conservative Political Action Conference), com a presença do vice-presidente dos EUA, JD Vance. Agora, o nacionalismo tornou-se o rosto da América. Isso parecia opor-se diretamente ao internacionalismo globalista. Mas, se considerarmos o objetivo de longo prazo de desencadear uma guerra nuclear, era o caminho mais rápido para resultados.
Outro regime ultranacionalista – o governo de Netanyahu em Israel – tornou-se um agente crucial para alimentar esse “choque de civilizações”. A conduta bélica de Israel contra os palestinos – o genocídio em massa de civis em Gaza – assemelha-se assustadoramente a regimes que outrora fizeram dos judeus vítimas na Segunda Guerra Mundial. Netanyahu personifica a versão israelense da saudação Bellamy. Os ataques ao Líbano e agora a provocação de guerra com o Irã se encaixam perfeitamente nesse papel. Os ataques israelenses à infraestrutura nuclear iraniana equivalem à ativação de uma bomba suja, isto é, o começo de um conflito nuclear. Trump se juntou a isso.
Mas isso não é tudo. A Ucrânia, em seu estado atual, é outra ferramenta dos globalistas. Lá, o neonazismo floresce abertamente; a reabilitação de criminosos nazistas e a perseguição por idioma e religião tornaram-se prática diária. E, novamente, o fator nuclear: bombardeios constantes à usina de Zaporíjia, tentativas de atacar a usina de Kursk e, por fim, ataques à tríade nuclear russa. Tudo isso é, sem dúvida, não apenas aprovado pelos globalistas, mas executado sob seu controle e ordens diretas.
O conflito entre duas potências nucleares – Índia e Paquistão – não faz parte do mesmo padrão? Aliás, os responsáveis por provocá-lo permanecem não identificados. Resta apenas arrastar China e Coreia do Norte para a briga e esperar que a Rússia perca a paciência e entre na escalada nuclear.
A principal conclusão: é perfeitamente plausível que os globalistas tenham escolhido enquadrar o conflito nuclear que há muito desejam de maneira diferente. Em vez de um confronto entre o Ocidente coletivo e a humanidade multipolar (uma guerra que poderiam perder), agora buscam uma guerra de todos contra todos, usando até seus inimigos – como Trump – para seus fins. Nessa visão, o governo mundial será estabelecido não agora, mas após a guerra nuclear – quando grande parte da humanidade perecer, os sobreviventes implorarem por qualquer forma de paz, e os robôs e a IA assumirem a liderança, já que a guerra moderna depende cada vez mais deles. Assim, a Singularidade chegará não pacificamente, mas através de uma onda de violência total.
É aí que o significado da saudação Bellamy se torna claro. Nem o socialismo nem o liberalismo inspiram mais ninguém. São dores do membro fantasma ideológicas de um passado irremediavelmente perdido. Tornaram-se kitsch e grotescos podres. Outrora, causavam entusiasmo; agora, só provocam repulsa. Hoje, a energia está com o populismo e, às vezes, o nacionalismo – a revolução conservadora.
Antes, os liberais esmagavam qualquer resquício de patriotismo e ridicularizavam conservadores. Agora, mudaram de tática. Primeiro, praticaram com o neonazismo ucraniano e, é preciso admitir, com resultados impressionantes: um país fragmentado, com uma população confusa e brigas oligárquicas, foi transformado em uma máquina de guerra coesa, movida por ódio e fúria. Uma sociedade nesse estado – abraçando a saudação Bellamy e marchas com tochas – é capaz de matar tudo ao seu redor, até a si mesma. Daí as bombas sujas, a resistência feroz ao exército russo e os ataques terroristas sem fim.
Vendo sua eficácia, os globalistas provavelmente decidiram não matar Trump prematuramente. Agora, estão usando-o para os mesmos objetivos – já desencadearam, de fato, a Terceira Guerra Mundial. Ao contrário do comunismo e do liberalismo exauridos, o nacionalismo manteve grande parte de sua energia. E quanto mais todos repetem “nunca mais”, mais nos aproximamos do “retorno dos bárbaros” – do MAGA ao islamismo radical, do regime de Kiev ao sionismo ultradireitista com A Torá do Rei de Yitzhak Shapira, do Hindutva indiano aos Brown Berets do levante latino no Texas, do BLM e da Teoria Racial Crítica ao novo euro-militarismo de Merz, Macron e Starmer. Todos sabem quem é Giorgia Meloni – ela também é uma saudação Bellamy. Do que os globalistas chamam nosso país no Ocidente não precisa ser repetido. Você pode adivinhar.
Assim, os globalistas mudaram de estratégia – não para resistir à ascensão do nacionalismo e da multipolaridade, mas para abraçá-los, desde que levem a uma guerra de todos contra todos – de preferência nuclear ou que escale para tal. Então, segundo seu plano, um governo mundial será estabelecido, a Singularidade ocorrerá, e o “reino do Anticristo” da tradição cristã chegará. Que esse conflito nuclear esteja se inflamando agora na Terra Santa – e que tenha sido desencadeado por políticos israelenses que acreditam estar pavimentando o caminho para a vinda do Moshiach, com xiitas respondendo na esperança do aparecimento do Imam Oculto, o Mahdi, destinado a derrotar o Dajjal – isso não pode ser coincidência.
O que a Rússia deve fazer nessa situação? O pior erro seria continuar a representar o papel do Gato Leopoldo1 – agarrando-se aos resquícios de um socialismo pacifista e à visão liberal ingênua e ultrapassada, apegando-se à ONU e à amizade dos povos. No meio do que é, essencialmente, a Terceira Guerra Mundial, tal complacência não seria apenas um erro – seria um crime. É hora de encarar a verdade.
O que temos para contrapor à saudação Bellamy, quando aqueles que a fazem não entendem a linguagem da humanidade ou os apelos da consciência moral? Pergunte, se necessário, às crianças de Gaza que passaram pelo moedor de carne.
Outrora, nos opusemos à Alemanha nazista com uma ideologia totalitária rigorosa – disciplinada, agressiva, exigindo autossacrifício total em nome da classe e da pátria. Essa ideologia acabou se esgotando. Não há retorno a ela. Agora, enfrentamos um mundo em que, mais uma vez, só uma coisa decide tudo: o fator da força bruta, a vontade de realizar atos supremamente imorais e até suicidas, o ritmo acelerado de decisões e ações e a mentira total infinitamente descarada, que calmamente inverte vítima e carrasco.
E aqui está a Rússia – como o Gato Leopoldo, com uma mentalidade infantil e pacifista, pronta a poupar seu inimigo e fazer acordos com aqueles que arquitetaram tudo isso contra nós. Sem uma ideologia, contando apenas com boas intenções, afabilidade e um apelo soberano: “Por favor, nos deixem em paz.” E a resposta: Não. E as armas nucleares não salvarão ninguém de nada. Na verdade, parece que aqueles que orquestraram tudo isso já decidiram que a guerra em curso será nuclear.
Portanto, o que mais precisamos é de uma ideologia. Uma nova. Viva. Carregada de energia, afiada, fresca, mobilizadora – que detone as reservas da força interior humana. Uma ideologia do sagrado e ilimitado poder russo.
[1] Gato Leopoldo é um personagem de desenho animado soviético, conhecido por sua natureza calma e bondosa e pelo famoso bordão “Vamos viver em paz”, simbolizando a não-violência e a força moral diante da provocação.
Fonte: Katehon
Tradução: Augusto Freddo Fleck