A questão da escala de trabalho 6×1 iniciou um debate nacional sobre regimes de trabalho, com a direita brasileira não surpreendentemente se colocando contra modificações na superexploração do trabalhador.
A defesa direitista da família é, infelizmente, apenas verbal e abstrata. Só precisamos ver o debate sobre a escala 6×1 para confirmar de novo.
Não é a defesa das condições necessárias para que as famílias sejam estáveis e prósperas, mas simplesmente a remoção de normas estatais que contrariem a definição tradicional de família.
A razão disso é que a direita se apoia em uma antropologia individualista. As famílias, para o direitista, são apenas arranjos voluntários e contratuais entre indivíduos – ou seja, as famílias não existem enquanto tais. Elas são apenas os “nomes” que damos, por convenção, a esses arranjos entre indivíduos.
Nesse sentido, só se concebe a remoção de pressões, limitações e distorções externas, vindas do Estado, mas de forma alguma se vê a família como um ente orgânico singular cuja saúde é boa para o bem comum por causa do seu papel basilar na estrutura social – o que exige, portanto, impulsos positivos por parte do Estado.
Para a mentalidade direitista, desde que se remova as normas jurídicas que especificamente agridam ou relativizem a ordem heteropatriarcal o resto cabe aos indivíduos decidir. Se a maioria das famílias brasileiras “fracassar”, azar. Se as famílias brasileiras seguirem disfuncionais, cada indivíduo que faça o que bem entender para resolver a situação.
O fracasso das famílias, a sua falência, a sua instabilidade, não tem repercussão comunitária para o direitista porque, como falamos, a sua visão do homem é “individualista”. Não existem sistemas, apenas indivíduos e suas ações. Nada que afete as famílias pode afetar a sociedade como um todo porque não existe “sociedade”, apenas indivíduos.
Evidentemente, qualquer sociedade realmente guiada por essa moldura mental individualista resultará em uma situação de total desintegração familiar. E se a “defesa da família” é incapaz de garantir que as famílias existam, de que ela servia então?
Na direção contrária, a única defesa da família que faz sentido é aquela que unifica tanto a preservação da concepção tradicional de família na legislação, na mídia, na cultura, quanto a garantia das condições socioeconômicas mínimas para que as famílias possam, de fato, existir – e existir de maneira estável e segura. Para que o “até que a morte os separe” seja uma descrição literal do futuro, não mero desejo otimista.
Escala de trabalho 6×1 é ruinoso para as famílias, para o trabalhador e para a sociedade como um todo.
Em primeiro lugar, as nossas relações sociais com entes queridos nos beneficiem psicologicamente. Recarregam nossas energias, nos dão ânimo. Como fica, então, só conseguir desfrutar da companhia de seus entes queridos 1 vez na semana?
O desgaste que a escala 6×1 causa, portanto, não é só físico, mas também psicológico, emocional. É um desgaste social também porque as relações precisam ser regadas com frequência para que elas se mantenham.
Como fica a relação pai/filho se o pai só tem 1 dia livre na semana? Como fica o relacionamento com a esposa? Como fica a relação com os pais idosos do trabalhador?
Como o trabalhador consegue se fazer presente na vida de tantas pessoas diferentes trabalhando 6×1? E ele precisa estar presente na vida de todos. Do contrário a consequência é, para ele, angústia permanente; e para a politeia, desintegração do tecido social, isolamento cada vez maior de cada cidadão.
E as circunstâncias concretas da vida do trabalhador tornam isso ainda mais evidente. A maioria dos trabalhadores urbanos brasileiros mora longe do trabalho. Quase todo trabalhador gasta de 2-4h todos os dias só com locomoção.
O que o trabalhador vai querer fazer no seu dia livre? Ele vai, realmente, brincar com os filhos, organizar um momento a sós com a esposa e visitar os pais? É óbvio que não. Ele está exausto. Ele está destruído. Ele vai ver um jogo de futebol na TV, ele não quer realmente sair de casa. Quando convidarem ele para sair, a única coisa em que ele vai pensar é “putz, lá vou eu para o shopping e quando voltar já é hora de dormir e amanhã volta tudo de novo”.
Isso não é vida, é tortura.
E os comentários “economicistas” sobre esse tema são os mais estúpidos possíveis. Falam em “produtividade”, falam que “o Brasil é pobre, então precisamos trabalhar muito”. Reflexões de uma mentalidade indigente.
A maioria dos trabalhadores 6×1 não é de fábrica. E crescimento econômico, convenhamos, é, principalmente, indústria. E depois agro. O setor de serviços não gera riqueza, faz a riqueza circular.
O Brasil não vai ficar mais rico se cabelereiros, atendentes de shopping e caixas de supermercado trabalharem 12 horas por dia ou 7 dias na semana ou abrirem mão das férias. Categoricamente não veremos desenvolvimento algum. Não há ganho significativo de produtividade em “tirar o couro” de trabalhadores desses setores. Ao contrário, a partir de certo ponto, a produtividade tende a cair.
No âmbito individual isso é ainda mais verdadeiro. A ideia de que quanto mais o trabalhador se matar de trabalhar, mais fácil ele abandona essas condições para poder trabalhar de forma mais confortável.
Ao contrário, esse tipo de trabalho é uma prisão porque não sobra tempo para o trabalhador estudar ou se qualificar.
Em geral, esses argumentos economicistas dos defensores da escala 6×1 são caracteristicamente “terceiro-mundistas” e subdesenvolvidos. Vem daquela mentalidade primitiva de “tirar o couro” do trabalhador, muito comum em patrões terceiro-mundistas, e da mentalidade “motivacional” que valoriza o “esforço” pelo esforço, sem realmente pensar no “para quê” e no “como” do esforço.
Por outro lado, é belíssimo de se ver os brasileiros comuns, para além da classe política e dos grandes influenciadores, se unificando sem dar a mínima para divisões direita/esquerda em prol de uma pauta que é justa e necessária de uma maneira autoevidente.
É isso que confirma o nosso vaticínio de que no dia em que surgir uma força política que unifique a defesa de pautas trabalhistas com a defesa de valores tradicionais, essa força terá a hegemonia política no Brasil por décadas.