O Brasil e o Preço da Falta de Consciência Geopolítica

Nunca o Brasil esteve tão longe de ser um país soberano. O país hoje paga o preço da falta de visão de suas elites.

A triste realidade é que o Brasil não se preparou para o contexto geopolítico contemporâneo e ele hoje está longe de ser um sujeito das relações internacionais – não passa de objeto, mero terreno de ambições alienígenas.

E evidentemente, o beneficiário imediato de nossa mansidão, ingenuidade e despreparo serão os EUA e, de forma mais geral, a elite globalista do Ocidente.

A impressão que temos é de que após o colapso da Guerra Fria as nossas elites políticas se deram por satisfeitas com a expectativa do “Fim da História”. A direita assinou e abraçou o Consenso de Washington, e a esquerda abraçou o altermundialismo e fundou o Fórum Social Mundial, para discutir microajustes ao projeto do Consenso de Washington enquanto simulava rebeldia com protestos puramente performáticos.

Como se a História fosse um fardo para as elites brasileiras, todos pareciam aliviados com a suposta desnecessidade de se ocupar das grandes tarefas, aquelas que principiam pela tomada de posições ideológicas e filosóficas radicais e que culminam em doutrinas absolutas de transformação total do homem e da politeia.

Preguiçosa, ela se apressou a se apegar ao liberalismo hegemônico, aquele liberalismo “não-ideológico” que se impõe como “isso que está aí”, e que é percebido mais como atmosfera, moldura mental e superestrutura cultural do que como realmente filosofia, ideologia ou doutrina.

Se um Perón alertava para o prazo da virada do milênio como prazo fatal para garantir a integração continental – condição necessária para tornar a América do Sul um espaço civilizacional soberano – as elites brasileiras às vésperas do novo milênio só conseguiam pensar a sua “tarefa continental” em termos econômico-comerciais; e como preparatória para uma integração planetária.

Mesmo as críticas da esquerda às privatizações dos anos 90 acabaram se revelando performáticas, na medida em que não foram revertidas após a sua chegada ao poder. E, na prática, o fenômeno da privatização, fora dos discursos, não foi realmente visto como tão problemático. O capitalismo, em si, não era um problema – o problema eram as situações extremas de miséria e desigualdade gerados por ele.

Afinal de contas, as economias de mercado do mundo globalizado se revelaram, também para a esquerda, como o meio mais eficiente de alcançar o sonho da “aldeia global”. Toda a luta era para tornar esse projeto mais descentralizado e igualitário. Ele em si mesmo não era posto em questão.

Assim, ninguém cogitou realmente que pudesse haver qualquer tipo de ruptura geopolítica nessa fase da história. O destino do mundo era comum. Os desentendimentos seriam solucionados. As desigualdades seriam minoradas. Irã e Israel eventualmente dariam as mãos, tal como Rússia e EUA. Era só fazer pequenos ajustes, até porque eventualmente a religião desapareceria, as diferenças raciais e étnicas seriam coisa do passado, o sexo e o gênero não mais serviriam de impedimento para qualquer objetivo individual. Não mais haveria qualquer fundamento para divisões e oposições.

Pode parecer um delírio estúpido, infantil, plebeu, e é. Mas é vital entender que as elites brasileiras realmente acreditaram nisso tudo, e que o seu papel histórico, agora, era apenas de gerenciar o “espólio” brasileiro dessa “aldeia global” e ir lucrando com a gestão desse pedaço do “admirável mundo novo”.

Mesmo quando os ventos da mudança começaram a soprar, e trombetas de guerra começaram a ressoar, ali entre 2011 e 2014, do início da Primavera Árabe ao início da Guerra Civil Ucraniana, ainda assim as elites brasileiras na política, na economia, na academia e no jornalismo, perceberam esses fenômenos como acidentes de percurso, pequenos tropeços ou turbulências em uma mesma história progredindo rumo à Cosmópole.

O Brasil era espionado, a Base de Alcântara era explodida, golpes, tentativas de golpes e revoluções coloridas aconteciam ao redor de nós, países de todo o mundo começavam a se armar até os dentes, e o Brasil parecia alheio a tudo isso. “Deitado eternamente em berço esplêndido”.

Nesse sentido, nenhum ato preparatório para uma era de conflitos e tensões foi implementado. Ao contrário, o país foi sendo gradualmente desmontado, como se já tivéssemos alcançado a kantiana “Paz Perpétua”.

Tenho certeza de que deve haver países que, nos últimos 10 anos, adquiriram secretamente armas nucleares, ou pelo menos a tecnologia para fazê-las. Enquanto isso, o Brasil entregou à polícia estadunidense os desertores que haviam tentado nos vender segredos nucleares…

É assim que, reativada a Doutrina Monroe, os nossos inimigos históricos constroem bunkers em nossa capital, com aparatos de inteligência para espionar todo o país, enquanto nômades parasitários internacionais tentam abocanhar a nossa indústria bélica; com a pressão aumentando em outros continentes, é lógico para os EUA reforçar o seu controle na América Ibérica para aliviar essa pressão.

E o que foi feito, nos últimos anos, em nosso país para iniciar um enfrentamento direto a esse inimigo?

Absolutamente nada.

Na verdade, perdemos a guerra antes mesmo dela começar porque enquanto éramos vistos como inimigos e tratados de acordo, nossas elites se portavam como bobos alegres da “paz mundial”, achando que estavam no desenho do Capitão Planeta.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 40

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