O Equador foi surpreendido pela notícia de uma guerra de rua entre clãs criminosos e a polícia. Parece que, no contexto de outros países com uma situação política complexa, eles enfrentarão questões urgentes. Entretanto, os eventos dos últimos dias mudaram drasticamente a classificação de segurança desse estado. Embora poucos tenham previsto que isso poderia acontecer no início de janeiro deste ano. Por exemplo, ao analisar os conflitos atuais e potenciais para 2024, o Council on Foreign Relations não deu nenhuma atenção, não apenas ao Equador, mas também à América do Sul como um todo. Apenas o México e o Haiti chamaram a atenção dos especialistas norte-americanos de toda a região da América Latina e do Caribe.
Entretanto, o que está acontecendo no Equador não é um “cisne negro”, mas sim um “rinoceronte cinza”, ou seja, um problema que vem se formando há muito tempo, e alguns fatores objetivos apenas aceleraram o que aconteceu.
Em 7 de janeiro, José Adolfo Macías Villamar, também conhecido pelo codinome Fito, líder do cartel Los Choneros, uma das principais gangues criminosas, fugiu da prisão La Regional, em Guayaquil. Ele estava preso desde 2011 por assassinato e tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, houve tumultos em pelo menos seis outras prisões em todo o país. Guayaquil, que é a cidade mais populosa do Equador (mais de 2,2 milhões de habitantes), tornou-se o epicentro de roubos e tumultos. Em 9 de janeiro, bandidos invadiram o estúdio da TC Television e a equipe foi capturada, mas depois foi libertada pelas forças especiais da polícia. Além do Los Choneros, surgiu outro grupo criminoso, o Los Lobos. Fabricio Colón Pico, o líder do grupo, também escapou da prisão. A propósito, esse grupo assumiu a responsabilidade pelo assassinato de um candidato presidencial durante a campanha eleitoral de agosto de 2023.
Os dois grupos têm brigado por sua esfera de influência e, em setembro de 2021, 116 pessoas foram mortas na mesma prisão de Guayaquil durante um confronto entre eles.
Essas brigas que se transformam em tumultos sangrentos nos últimos anos são comuns. No mesmo ano de 2021, ocorreram vários outros incidentes: em fevereiro, tumultos eclodiram simultaneamente em três prisões, matando 79 pessoas; em julho, 22 pessoas perderam a vida em um motim; e em setembro daquele ano, uma prisão foi atacada por um drone. Os motins continuaram em 2022 e 2023, e as forças armadas tiveram de ser usadas para subjugar os prisioneiros.
Além dessas gangues, cerca de 20 outras gangues estão operando no país, todas elas designadas como grupos terroristas por decreto do presidente equatoriano.
Embora o presidente equatoriano Daniel Noboa tenha dito que há um conflito armado interno no país, as causas têm uma dimensão internacional.
Los Choneros estão ligados ao cartel mexicano de drogas de Sinaloa, e a Los Lobos a Jalisco. O próprio Equador, juntamente com a Bolívia e a Colômbia, faz parte do chamado triângulo da cocaína, que é o maior produtor mundial da droga. Do Equador, ela viaja por terra para o Brasil e o Peru e por mar para o México, países europeus e o mercado africano.
Tiroteios nas ruas e ataques a funcionários do governo também eclodiram na capital, Quito. O tumulto também tomou conta das províncias de Esmeralda, Los Ríos, Guayas e Pichincha. Vários vídeos que circulam nas redes sociais mostram criminosos matando policiais, incendiando carros e até mesmo usando armas pesadas – lançadores de granadas e explosivos. No vizinho Peru, forças militares e policiais adicionais foram mobilizadas para reforçar o controle da fronteira com o Equador, pois havia o risco de Fito e seus associados tentarem fugir para o país – a distância de Guayaquil ao Peru é de apenas 200 km.
A propósito, Fito já havia conseguido escapar anteriormente: em 2013, junto com 17 prisioneiros, conseguiu encontrar uma brecha e se esconder no rio Daule de barco. Quatro meses depois, ele e seu irmão, também membro da liderança de Los Choneros, foram detidos na casa de sua mãe, na cidade de Manta.
Deve-se observar que a fuga atual está diretamente relacionada à revogação dos privilégios de que Fito gozava na prisão – de lá, ele fez mensagens em vídeo, uma das quais apresenta sua filha e uma música específica conhecida como “narcocorrido”, que é usada por cartéis de drogas em países latino-americanos.
O Equador está agora em um estado de emergência nacional que durará 60 dias. O estado de emergência suspende os direitos à liberdade de associação, à inviolabilidade do domicílio, à inviolabilidade da correspondência nas prisões e à liberdade de locomoção das 23h às 5h. Também permite que as forças armadas do país, apoiadas pela polícia, controlem as prisões, como já fizeram em casos anteriores.
Noboa disse que as medidas têm como objetivo fornecer total apoio político e jurídico às forças de segurança do Equador no enfrentamento de “grupos narcoterroristas que pretendem intimidar o governo e a sociedade”. Ele mencionou que não iria “negociar com terroristas” e que trabalharia para “restaurar a paz para todos os equatorianos”.
Em Guayaquil, no entanto, 10 pessoas foram mortas por bandidos e 329 criminosos foram presos (na semana passada).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma declaração condenando a violência no Equador, mas, ao mesmo tempo, disse que a força militar não deveria ser usada. No entanto, o presidente Noboa já declarou que todos os representantes das agências de aplicação da lei que, por qualquer motivo, excederem sua autoridade durante a imposição da ordem serão anistiados.
Mas por que isso não aconteceu antes, como no México e na Colômbia, onde as guerras contra as drogas vêm ocorrendo há décadas? Quando se trata de crime de rua e tráfico ilegal de armas na América Latina, esses fenômenos são predominantes nas favelas do Brasil, nas favelas do Panamá e em vários outros países da América Central. Na Venezuela, as tentativas de apreensão de armas e anistias, mesmo sob o comando de Hugo Chávez e com um PIB relativamente alto na época, não levaram a nada – exceto ao assassinato do chefe de polícia de Caracas. Obviamente, há outros fatores além das atividades contínuas das gangues de drogas no Equador que catalisaram a crise atual.
Primeiro, o crime organizado já havia sido enfrentado de forma mais eficaz, e não apenas por meio de medidas preventivas.
A Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, sediada na Suíça, observou em seu estudo que:
Desde 2007, a abordagem do Equador para o controle do crime tem enfatizado os esforços para alcançar níveis mais altos de controle social por meio de políticas de inclusão social e inovações na justiça criminal e na reforma da polícia. A decisão de legalizar várias gangues de rua em 2007 foi um aspecto inovador dessa abordagem. O governo diz que o sucesso da política pode ser visto na taxa de homicídios, que caiu de 15,35 por 100.000 em 2011 para 5 por 100.000 em 2017.
Esses são os anos durante o reinado do popular político Rafael Correa (2007 – 2017). Seu sucessor, Lenín Moreno (2017 – 2021), revelou-se um traidor e começou a mudar as políticas internas e externas (incluindo a entrega de Julian Assange às autoridades britânicas). Sob seu governo, o cultivo e a venda de maconha foram legalizados em 2019. Guillermo Lasso (2021 – 2023), um liberal e banqueiro, exacerbou os problemas socioeconômicos. Além disso, sua presidência foi marcada por uma epidemia de coronavírus que empobreceu gravemente a população. O recém-eleito presidente do Equador e oligarca bananeiro em tempo parcial, proprietário de empresas offshore e apoiador da comunidade LGBT, Daniel Noboa, apenas continuou o curso das reformas liberais, incluindo o processo de privatização de áreas estrategicamente importantes.
Em segundo lugar, durante o reinado dos traidores Lenín Moreno e Guillermo Lasso (vale lembrar que ele foi forçado a deixar o cargo após um escândalo de corrupção relacionado ao transporte de petróleo – temendo um impeachment, ele dissolveu o parlamento e convocou novas eleições), o crime organizado fortaleceu suas forças, penetrou nas estruturas do Estado, inclusive nas forças de segurança. A economia instável também tornou as pequenas gangues de rua mais ativas, e não é coincidência que os atos de saque tenham começado em algumas cidades após tiroteios com a polícia. Embora tenha havido casos positivos em que os cidadãos começaram a ajudar a polícia e os militares a patrulhar as ruas e registrar os delitos.
O presidente Noboa está agora copiando a estratégia de seu colega salvadorenho, Nayib Bukele, que, depois de chegar ao poder, não foi brando com o crime organizado, mas declarou estado de emergência e começou a capturar elementos criminosos. Uma nova prisão para 40.000 pessoas foi construída para esse fim. As medidas duras funcionaram: cerca de 70.000 gângsteres estavam atrás das grades, e o número de assassinatos diminuiu mais de dez vezes. No entanto, ele não fez isso quando o conflito estourou, mas iniciou ele mesmo a luta contra o crime.
Mas Bukele não é um liberal como Noboa, cujo mandato termina em 2025. Além de reprimir o crime, ele precisa desenvolver mecanismos para socializar os elementos marginalizados e melhorar o bem-estar dos cidadãos. E é improvável que suas reformas anunciadas façam isso. O mais provável é que elas enriqueçam as transnacionais e os oligarcas amigos.
Finalmente, e em terceiro lugar, outra versão do motivo da atual eclosão do conflito é a ativação da CIA e de seus agentes que querem desestabilizar toda a região andina (afinal, a situação no Peru e no Chile também é complicada). Embora pareça uma conspiração, dadas as habilidades das agências de inteligência dos EUA e suas redes na América Latina, isso não deve ser descartado, mas deve-se prestar mais atenção às atividades dos agentes do Departamento de Estado que não querem perder a região.
Fonte: Geopolitika.ru.