À primeira vista, o longa metragem animado Mulan, da Disney, pode parecer uma narrativa feminista de ruptura com os costumes de uma “sociedade patriarcal”. Uma análise mais atenta, porém, lança luz sobre uma narrativa interessante desde uma perspectiva conservadora revolucionária.
Há alguns dias, nesta rede social, falava-se de feminismo, a cujos excessos ilusórios somos aqui mais ou menos todos hostis, enquanto não está bem claro o que queremos opor ao feminismo. Agora, por pura coincidência, minha filha queria ver exatamente por estas noites Mulan, o filme da Disney (o desenho animado de 1998, não o live action do ano passado), que passa por um dos filmes de virada da Disney na direção do politicamente correto. Em vez disso, tive que descobrir que não apenas isso não é verdade, mas que o filme também dá respostas a perguntas sobre o feminismo que permanecem suspensas no ar sem resposta.
Portanto, Mulan é uma jovem que vive em um contexto de patriarcado particularmente rigoroso. Sua única perspectiva é tornar-se uma “mãe e esposa exemplar”, uma tarefa para a qual, no entanto, ela imediatamente se mostra particularmente inadequada, e para a qual, segundo lhe dizem, ela será uma vergonha para sua família. Pouco tempo depois, seu pai, um valente ex-guerreiro, mas agora um velho maltrapilho, é convocado à guerra. Na cena chave do filme, Mulan opõe argumentos tipicamente femininos a seus pais (“Você vai ser morta!”). Ele responde secamente: “Combater para defender minha pátria é uma honra. Eu conheço meu lugar, você tente aprender o seu”. A chamada para “ficar em seu lugar” poderia ser lida simplesmente como um convite para “voltar à cozinha” e não se intrometer com coisas masculinas. Mas não é assim.
Naquela mesma noite, Mulan rouba a armadura de seu pai e vai para a guerra no lugar do genitor. “Seu lugar”, então, é na frente. A guerra pela pátria como um dispositivo de integração da mulher na comunidade orgânica. Mas não só. A avó – outra figura feminina – invoca os ancestrais para que eles protejam a menina. A qual não se limita a fingir ser masculina e a se alistar no exército para salvar seu pai, mas se distingue em ações de guerra contra os hunos invasores. No final, ela é recompensada pelo Imperador e fica noiva do macho alfa da companhia, o Capitão Shang. Uma conclusão que não tem nada de “subversiva”, já que todas as instituições tradicionais são confirmadas: o império, a família confucionista, a própria divisão dos sexos (o disfarce era apenas um estratagema, ela não tinha a intenção de questionar nada). A honra da linhagem é salva e os espíritos dos ancestrais se regozijam.
A única narrativa que sofre curto-circuito é a da misoginia básica da “mulher escrava se cala e lava”, que ainda hoje ressurge como uma resposta ora irônica (mas a ironia é proverbialmente bela quando dura pouco), ora completamente séria para a tese feminista. Uma resposta sem sentido, sem fôlego e sem futuro.
A história, por outro lado, nos ensina que é precisamente a nação e o senso de uma aventura coletiva de tipo comunitário que pode ser o meio para superar falsas dicotomias. “A idade muda da mulher acabou. Vamos fazer com que a mulher comece a ser eloqüente falando da pátria”, dizia Teresa Labriola.
Mas minha filha captou, sobretudo, o drama de uma menina forçada a cortar o cabelo, e me perguntou principalmente: “Mas quando é que ele volta a crescer?”.
Fonte: Facebook