George Orwell temia o totalitarismo nu que privava os homens de informação e revisava a história. Aldous Huxley temia que o bombardeio dos sentidos atingiria tamanha dimensão que seria desnecessário censurar ou impor com poder estatal, os homens celebrariam a própria escravidão como se fosse liberdade. Mas o filósofo Julius Evola antecipou esses e outros “catastrofistas”, prevendo décadas antes um mundo com uma humanidade totalmente nivelada, indiferenciada, bovina e servil, o mundo em direção ao qual estamos caminhando.
A nova edição de La Torre, a mítica revista dirigida por Julius Evola em 1930, acaba de ser publicada pela editora Mediterranee, é uma versão crítica, atualizada, compreendendo notas, bibliografias e análises pormenorizadas. Além de ser um documento histórico como existem poucos, essa reedição testemunha uma abordagem “metapolítica” e “espiritual”, que tentou orientar a política da época em um sentido diferente daquele tomado nos anos ulteriores. Por ocasião desta nova edição, reproduzimos, com a gentil autorização do editor, uma nota assinada por Evola no quarto número da revista, em 16 de março de 1930, na coluna que ele dirigia, a coluna L’Arco e la Clava. Aqui, o filósofo responde claramente a todos os periódicos (La Volontà d’Italia, Roma Fascista, L’Italia Letteraria, L’Ora etc.) que o acusam de “catastrofismo”, porque, como se sabe, ele tinha se voltado para o tema do fim das civilizações.
Nessa resposta, Evola antecipa não só análises mais conhecidas hoje pelo mundo, contidas por exemplo em textos tais como Admirável Mundo Novo, de Huxlei (1932), Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer (1947), 1984, de Orwell (1949), e O Homem Unidimensional, de Marcuse (1964). Ademais, ele fornece um retrato implacável, uma análise quase cirúrgica de nosso mundo. Nessa singular variação sobre o tema do “fim do mundo” (cujo espectro ainda vaga no debate público atual), Evola imagina, não obstante, uma calamidade bem diferente daquelas, literárias e distópicas, às quais estamos habituados, para terminar descrevendo, de fato… nossa contemporaneidade, com seus tiques e tabus, com todas as suas máscaras e atores que o leitor – nós estamos seguros disso – não terá problemas em reconhecer. E também porque não há necessidade de catástrofes naturais – ou de pandemias, poderíamos acrescentar, para cair na distopia. Uma civilização também pode morrer de morte natural. Talvez seja o caso da nossa.
Escrito por Andrea Scarabelli
TEXTO DE EVOLA
O mundo ocidental caminha para o “fim”. Mas é precisamente o que significa “fim” que deve ser compreendido! Nossos pontos de referência não são os que estão em curso. Não profetizamos, nós demonstramos – por meio da observação de personagens e de processos concretos da história e da cultura – o declínio de uma civilização e esse mesmo fato, aos olhos da maioria das pessoas, poderia tomar um aspecto muito diferente e nem um pouco alarmante.
Vamos explicar isso recorrendo a um exemplo. Não pensamos de modo algum que o fim do mundo ocidental deverá necessariamente ter aquele aspecto coreográfico e catastrófico em que a maioria das pessoas pensa imediatamente. Não se tratará necessariamente de cataclismos, nem sequer de novas guerras mundiais, dos horrores sobre os quais já temos inúmeras vezes dissertado e sobre os resultados de um eventual extermínio da raça humana; não, simplificando, muita gente bem viva já nos mostra esse declínio, de maneira lúgubre. Ao invés, uma guerra… um outro bom mas radical esmagamento definitivo – que podem esperar mais aqueles que ainda têm esperança?
Vemos ainda mais negro. Eis, por exemplo, umas das formas sob as quais, entre outras, também poderíamos retratar o “fim do mundo”.
Sem mais guerras. Fraternidade universal. Nivelamento total. Uma única palavra de ordem: obedecer – incapacidade, tornada “orgânica” através da educação das gerações, de fazer qualquer coisa senão obedecer. Sem líderes.
A onipotência da “sociedade”. Os homens, meios de ação sobre as coisas. A organização, a industrialização, o mecanismo, o poder e o bem-estar físico e material atingirão os cumes inimagináveis e vertiginosos.
Cuidadosamente liberados do Eu e do espírito, os homens tornar-se-ão mais saudáveis, esportivos, produtivos. Partes impessoais da imensa aglomeração social, nada, afinal de contas, os distinguirá uns dos outros. Seu pensamento, sua forma de experimentar e de julgar serão absolutamente coletivos.
Com as outras, até mesmo a diferença moral entre os sexos desaparecerá, e é possível também que o vegetarianismo faça parte dos hábitos racionalmente adquiridos nesse mundo, se justificando com base na semelhança evidente entre as novas gerações e os animais domésticos (os animais selvagens só estão autorizados a existir em alguns jardins zoológicos). As últimas prisões vão encerrar nas solitárias mais assustadoras os últimos agressores da humanidade: os pensadores, as testemunhas da espiritualidade, os perigosos maníacos do heroísmo e do orgulho guerreiro. Os últimos ascetas vão se extinguir um a um nos picos ou em meio aos desertos.
E a massa celebrará a si mesma pela boca dos poetas oficiais e autorizados, que falarão dos valores civis e cantarão a religião do serviço social. Nessa altura, uma grande aurora se levantará. A humanidade será efetivamente regenerada e não conservará sequer a recordação dos tempos considerados doravante “bárbaros”.
Agora: quem te permitiria chamar de “fim” esse fim? Ver, conosco, o colapso total, a queda final? Você seria capaz de conceber um mito mais esplêndido, um porvir mais luminoso para a “evolução”?
Fonte: Attuali e Inattuali