A Natureza Política da Luta contra o Comando Vermelho (e Grupos Semelhantes)

Sem pretender, aqui, debater sobre se o Comando Vermelho poderia/deveria ser categorizado como grupo terrorista, não obstante creio ser possível demonstrar a sua natureza política em um sentido fundacional. Para isso, me parece bastar analisar o Comando Vermelho enquanto fenômeno.

Na discussão sobre os esforços empreendidos pelo governo estadual do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, é comum que o campo progressista enfatize que o problema em questão não é político, que a natureza da ameaça representada pelo Comando Vermelho não é política, e que tudo não passa de um problema de “segurança pública”.

Aqui, “segurança pública” é usada pelo campo progressista em um sentido reducionista, para designar algo que corresponde a uma “questão de governo” (em oposição às “questões de Estado”). O narcotráfico do tipo praticado pelo Comando Vermelho teria a mesma natureza que as atividades de ladrões comuns, pichadores, assassinos eventuais, etc.

Isso é utilizado, inclusive, para negar a possibilidade de categorizar as atividades do Comando Vermelho como “terrorismo”. Só pode ser “terrorismo” a atividade de grupos eivados de natureza política e/ou ideológica. O Comando Vermelho não possuindo natureza política ou ideológica, não poderia, assim, ser terrorista.

A categorização parece-me equivocada.

A condição do “terrorismo” é aferida metodologicamente, e não pela natureza dos agentes organizados. Porque ao falar em “terrorismo” estamos falando precipuamente em um “método”, o qual consiste na realização de ações específicas cujo objetivo é, literalmente, espalhar o medo em meio à população, desestabilizar a ordem social e lançar as autoridades numa paralisia derivada da confusão. A natureza do “terrorismo” é a propagação do caos social e da instabilidade generalizada.

O grupo ou indivíduo responsável pelo terrorismo pode ter natureza política, ideológica, religiosa, econômica – ou tratar-se, simplesmente, de um niilista antinômico.

Mas sem pretender, aqui, debater sobre se o Comando Vermelho poderia/deveria ser categorizado como grupo terrorista, não obstante creio ser possível demonstrar a sua natureza política em um sentido fundacional. Para isso, me parece bastar analisar o Comando Vermelho enquanto fenômeno.

Descritivamente, me parece trivial dizer que o Comando Vermelho consiste numa organização narcoguerrilheira urbana cuja base de sustentação é a ocupação de espaços, com a posterior imposição de sua própria lei nesses espaços. O Comando Vermelho ergue barricadas como método de estabelecer fronteiras. As fronteiras demarcadas são defendidas por soldados. Dentro das fronteiras, nas quais a paz interna é mantida também por soldados, o Comando Vermelho cobra impostos e taxas, oferece ou tutela todos os serviços disponíveis, impõe sua própria lei e aplica-a em tribunais.

Por definição, a atuação do Comando Vermelho é política, posto que onde ele se estabelece atua como um “Estado no Estado”.

Infelizmente, não há dados claros disponíveis sobre o tamanho total do território do Comando Vermelho em escala nacional, mas as estimativas são de que se somarmos as suas áreas no Rio de Janeiro e em outros estados, o Comando Vermelho tem sob seu controle, no mínimo, 4 milhões de brasileiros, ou 2% da população do território nacional, o que equivale às populações da Croácia e do Panamá.

Sobre os soldados do Comando Vermelho, é importante ressaltar que, diferentemente da imagem popularizada por filmes motivados pelo “favelismo cultural”, hoje em dia eles trajam uniformes, usam coletes à prova de bala, utilizam equipamentos modernos e possuem treinamento, usualmente fornecido por ex-militares ou ex-policiais. Nos últimos anos, ademais, tornou-se comum o envio de soldados do Comando Vermelho para receberem treinamento na Ucrânia.

Pela descrição feita, com destaque para a questão da ocupação territorial, imposição de lei, distribuição de justiça, etc., fica evidente que o Comando Vermelho possui uma natureza política e atua politicamente perante o Estado brasileiro, designado como inimigo. Tanto pela lógica do “Conceito do Político” de Carl Schmitt, quanto do “Nomos da Terra”, do mesmo autor, trata-se de uma organização política no sentido fundamental do termo.

O seu método de enfrentamento ao Estado – a guerrilha urbana – também possui natureza política de vinculação com o território, de integração ao território para usá-lo como arma contra o inimigo dotado de uma força superior; ocasionalmente visando, também, diluir a sua própria distinção com os civis de seu território para dificultar a ação repressiva do inimigo.

O Comando Vermelho trava uma guerra de guerrilha urbana assimétrica contra o Estado brasileiro, usando armas de guerra, treinamento de guerra, e inclusive os mais novos aparatos da militaria internacional, como os drones para fins de vigilância e bombardeio. Nisso, ele estabelece pontes com um Estado estrangeiro, já que passou a ser abastecido de armas e equipamentos pelo Estado ucraniano – nesse ponto, já se pode dizer que o Comando Vermelho possui as suas próprias “relações internacionais”.

É inegável, portanto, que a atuação do Comando Vermelho possui natureza política de desafio ao controle territorial exercido pelo Estado brasileiro e ao monopólio da força desse mesmo Estado, instituindo-se como Estado paralelo, verdadeiro “país” surgido entre as brechas e rachaduras deixados pelo poder público brasileiro.

Ressalto que, apesar do Estado brasileiro recusar-se a entrar em guerra com o Comando Vermelho, por recusar a natureza política de sua atuação, o Comando Vermelho está em guerra com o Brasil e designa o Estado brasileiro como “inimigo”, o que transparece em seus slogans, simbologia, uniformes e também transborda no “cancioneiro” paramilitar do Comando Vermelho, reproduzido através dos seus “bardos”, os MCs do funk.

O primeiro passo para que o Brasil consiga se livrar dessa praga é reconhecer a realidade enquanto tal, sem ilusões.

Trata-se de uma questão política.

E trata-se de uma guerra.

Fonte: Associação Nova Roma

Raphael Machado
Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 54

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