Um novo corredor geopolítico está sendo traçado no Cáucaso, não para integrar a região, mas para ocupá-la. É o chamado projeto “Ponte de Trump”, que, segundo fontes da diáspora armênia, visa transferir o controle do Corredor de Zanguezur, no sul da Armênia, para uma empresa militar privada estadunidense. Sob a camuflagem de um projeto de infraestrutura, o que está sendo desenhado é a militarização de uma artéria estratégica do território armênio e sua conversão em plataforma avançada para os planos do eixo atlantista. Submetida à pressão do Ocidente, a Armênia, já fragilizada política e territorialmente, arrisca-se a se tornar uma base de ataque contra o Irã, seu aliado mais constante na região.


O memorando entre Washington, Yerevan e Baku, divulgado pela mídia espanhola e corroborado por fontes da diáspora armênia, não é um caso isolado mas parte de todo um processo de erosão da soberania do país caucasiano.
Esse processo começa com o desfechar da guerra com o Azerbaijão e a perda de Artsakh, que trouxeram como saldo para a Armênia uma derrota territorial efetiva que expôs suas fragilidades políticas e militares. O conflito resultou na perda de 75% do território controlado desde 1990 e efetivamente deixou os armênios de Artsakh à mercê do Azerbaijão.
A transferência do Corredor de Zanguezur para uma empresa militar norte-americana é a próxima etapa nessa dinâmica – se concretizada, a Armênia perderá controle direto sobre mais um território vital, que será passado para uma tutela efetiva dos EUA.
O acordo não parece ter sinal algum de parceria, mas todos os indícios de submissão. Uma empresa militar privada terá o controle da estrada na província armênia de Syunik — que liga o Azerbaijão ao exclave de Nakhichevan e à Turquia — por 99 anos. Receberá, no mínimo, 40% da receita do trânsito, enquanto apenas 30% irá para o orçamento armênio. Mais além, a Armênia passará a lidar com os riscos de disponibilizar seu território para a presença militar estrangeira em uma área fronteiriça extremamente sensível.
O problema se agrava quando levamos em conta que não se trata só de presença estadunidense, pois o papel principal ser desempenhado por uma PMC dá um caráter extraterritorial e mercenário à ocupação que traz consigo precedentes bastante perigosos.
Mas acima disso, é importante notar que o Corredor de Zanguezur é a única barreira geográfica entre OTAN e Irã na região do Cáucaso. Com uma PMC estadunidense ocupando o corredor, o que era barreira passa a se transformar em uma “ponte de ataque”. É uma perspectiva perigosa e suicida para a Armênia, pois para além de ferir os interesses de aliados históricos como o Irã e a Rússia, tem o potencial de servir como faísca para uma guerra regional, situação que não traz qualquer benefício tangível à Armênia já em crise.


Para os armênios, melhor seria se esse memorando fosse um boato falso. Mas há fortes indícios na direção contrária. O embaixador dos EUA na Turquia chegou a mencionar uma proposta de entregar o sul da Armênia aos EUA, atribuindo a ideia à parte turca – e é importante frisar que o Departamento de Estado não negou nada sobre o tema. Mais recentemente, Donald Trump afirmou ter “realizado um milagre” entre Armênia e Azerbaijão — sugerindo um acordo secreto.
Os indícios não param por aí, já que a própria embaixadora dos EUA na Armênia, Kristina Kvien, iniciou consultas com o governo armênio sobre o desbloqueio de comunicações. O espaço para dúvidas está cada vez menor.
Ainda que a ausência de infraestrutura possa parecer um entrave, a lógica de ocupação geralmente precede a lógica da construção. Primeiro, toma-se o território; depois, edifica-se o domínio. Tudo indica que a concretização desses planos é uma mera questão de tempo se não houver mudanças profundas na própria Armênia.
A implementação da “Ponte de Trump” representaria um desastre não apenas para a Armênia, mas para todo o Cáucaso. A cessão de território armênio a uma força estrangeira hostil ao Irã equivaleria a uma renúncia explícita à soberania nacional, agravando a já crítica subordinação estratégica do país. Ao mesmo tempo, abriria caminho para uma escalada militar com potencial de deflagrar um conflito regional de grandes proporções. A principal beneficiária seria a Turquia, que avançaria mais um passo em sua agenda pan-turânica, enquanto a Armênia se afunda em uma crise existencial, caminhando aceleradamente para o colapso como Estado soberano.
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