NOOSFERA: A GUERRA PELA HEGEMONIA –  O lado Ontológico do Confronto

“O mal não existe como consciência, como nos ensinam os mestres cabalistas. É sim, a maior ou menor ausência do soberano Bem (a essência divina) que gera as ilusões. Nesse sentido, o que se entende por “mal” nada mais é do que a ignorância, a maior ausência do Bem, que é a Luz da pura e eterna Consciência”

— João Paulo Haak Miranda

O conceito de Noosfera

Segundo Vladimir Vernadski, houve três fases no desenvolvimento da Terra: a geosfera, caracterizada pelo predomínio de matéria inanimada; biosfera da vida biológica e, a noosfera: momento em que os seres inteligentes se relacionam com o meio no qual vivem

Assim como a emergência da vida transformou a geosfera, dando passo a biosfera; a emergência da cognição humana transforma a biosfera, permitindo o nascimento do conceito de noosfera.

James Lovelock, que desenvolveu a partir de 1979 a “Teoria de Gaia”, desenvolveu algumas das hipóteses de Vernadski.

Para Vernadski o pensamento “científico” humano é visionado como una nova força geológica, atuando na biosfera. Qualitativamente diferente das forças físicas, químicas e biológicas. 

A humanidade, e suas ações integradoras, representa uma nova etapa dentro da evolução da biosfera, configurando o que Vernadski denominou de Noosfera: a esfera da razão.

A biosfera seria o espaço onde a energia cósmica, principalmente a solar é transformada em energia terrestre ativa como energia elétrica, química, mecânica e térmica – a vida é energia desenvolvendo-se. Enquanto a noosfera seria a encarregada de canalizar essa vida-energia e transformar a mesma em vida-consciência; permitindo à humanidade peregrinar na procura daquilo que há de mais evolutivo: a busca interior do transcendente.

É essa procura interior do que transcende, o que é subjacente nos mitos vários da diversas culturas: o ser transformador em procura da gnose, que ascenda. O Lugh celta, o Quetzalcoatl dos toltecas – e seu caminho da Toltecayotl; o Hórus egípcio e sua ascensão – elevação – transformação de ser terreno que obteve o conhecimento material e volta como falcão, o espiritual – A crucifixão do Cristo – o Ungido. O caminho óctuplo – senda do meio do Buda. Os doze trabalhos de Hércules, as 12 horas do Nucteremón de Apolónio de Tiana; os 12 cavaleiros de távola redonda do rei Artur, vivenciados segundo a ideia do “mono-mito” ou “a Jornada no Herói” de Joseph Campbell     

E nesse caminho em favor do transcender que o ser humano adentra sua consciência, em inicio focada na sobrervivência – vida-energia em ação (fisicalidade – animalidade, domínio dos instintos – luta territorial) ate atingir o patamar mais elevado de tentar encontrar um porque a sua existência. Elevando-se, transcendendo (desenvolvimento superior da psique na procura da gnose: conhecimento) – Assim a vida-energia evolui em favor da vida-consciência (razão psicológica unida a intuição, conexão interior da alma, com a natureza e cosmos)

Onde o mito das 7 plêiades tem seu profundo segredo – na elevação desde a consciência inicial de “Alcione” ate atingir a supra-consciência ou Mente Cósmica de “Maya”. Maya (não confundir a  com a “Matrix” ilusão da mitologia indiana) mãe de Mercúrio – a ponte entre o Divino e o Titânico – o mensageiro dos Deuses, o condutor – “Psicopompo” das almas – que guia o interior dos seres mais abertos ao conhecimento. O ser transformado, portador do conhecimento divino.

Aqui é onde a filosofia como amor a sabedoria e como investigação da dimensão essencial e ontológica do mundo real, toma o seu mais profundo significado. Com suas diversas escolas antigas (platonismo, aristotelismo, estoicismo, epicurismo, ceticismo…) e escolas modernas (racionalismo, empirismo e idealismo) tentando utilizar essa vida-energia em favor duma vida-consciência que possa dar sentido ao mundo que nos rodeia. Organizar o pensamento humano dentro do seu período histórico correspondente.

E todo este corpus filosófico ocidental e oriental como as chinesas (Confucionismo, Taoismo, pensamento do ying-yang…) persas (zoroastro, Iluminismo de Suhrawardi, ou o movimento xiita iraniano – que carrega ideias gregas, gnósticas e persas no seu seio) junto ao já mencionado legado indiano ou do budismo tibetano ou zen… São inseridos num momento histórico determinado, moldado também pelo predomínio dum certo período político, social e dum modelo económico, que molda a sua vez, também, a visão interior e exterior do mundo. Mas sem nunca abandonar, na sua essência a raiz transformadora – transmutadora inicial – em procura do evoluir o individual e coletivo.

Períodos que sempre em início potenciam uma evolução (abertura da espiral de crescimento – expansão) tendo o seu zenit de involução (contração dessa espiral – decadência – decrescimento).

Assim também ocorre hoje com o poder do capital mercantil – financeiro. Estamos em contração deste modelo económico, político e social comandado pelo ocidente? Estamos dentro duma espiral invertida, que torna o atual sistema político, económico, social – cultural e civilizacional em involutivo?

O Capital como anti – evolutivo

Denis Collins, no seu texto “Progressismo e ectogênese: engenharia de máquinas aplicada ao homem”, nos adverte:

“uma das dimensões essenciais do capital é a mercantilização dos seres humanos, sua transformação em mercadoria. O nazismo parecia ser o ápice desse processo de reificação: seres humanos reduzidos a cadáveres, cujos dentes de ouro eram reaproveitados, por outro lado, em fazendas de criação de seres humanos perfeitos, ou pelo menos melhorados (o Lebensborn). Não foi precisa muita audácia para perceber que o nazismo não era reacionário, mas completamente “progressista”. Os nazistas fizeram tudo isso com uma crueldade e brutalidade que achamos insuportável, e com razão”

Por sua vez Luiz Alberto Moniz Bandeira nos legou no seu livro “A desordem mundial – o espectro total da dominação” apontamentos muitos interessantes, de onde se dirigia a inercia expansiva do capital, criando um todo poderoso Setor Mercantil Financeiro, ainda vigente nos nossos dias, e que por lógica evolutiva tendia a mercantilização total da sociedade incluidos os próprios seres humanos. Incluida também a psique humana? Incluida também a “noosfera” como forma de relacionar-se esses humanos com o meio que os rodeia? Eis aqui uma pequena amostra do livro de Bandeira:

“O nazifascismo não constituiu um fenômeno particular da Itália e da Alemanha, quando ameaçou e se estendeu, sob diferentes modalidades, a outros países da Europa, como Portugal e Espanha, entre os anos 1920 e a deflagração da Segunda Guerra Mundial (1939–1945). O que ocorreu nesses países foi uma espécie do que Niccolò Machiavelli (1469–1527) referiu como mutazione dello stato (mutatio rerum, commutatio rei publicae), quando a res publica, um Estado, sob o nome da liberdade, transmuda-se em Estado tirânico, com violência ou não. O fenômeno político denominado nazifascismo no século XX podia e pode ocorrer, nos Estados modernos, onde e quando a oligarquia e o capital financeiro não mais conseguem manter o equilíbrio da sociedade pelos meios normais de repressão, revestidos das formas clássicas da legalidade democrática, e assumir características e cores diferentes, conforme as condições específicas de tempo e de lugar”

Deixando-nos bem referenciados, nas páginas do seu livro, o intelectual brasileiro, que todo poder aspira a um máximo de dominação pela inercia expansionista material intrínseca a qualquer corpo em ascensão, a não ser que um contrapeso transcendente, do poder cognitivo da noosfera mais elevada, balance este processo. Mostrando-nos um episódio histórico pouco conhecido, de como o poder nas sombras manobra contra a democracia, o ascenso do povo ao conhecimento e a necessidade de abrir vias para que uma sociedade mais cabal possa na “ajuda mútua” desenvolver-se.

Observemos aquele fato surpreendente narrado por Moniz Bandeira:

“Durante a Grande Depressão, que se seguiu ao colapso da bolsa de Wall Street, em outubro de 1929, a Black Friday, alguns grupos financeiros e industriais — cerca de 24 das mais ricas e poderosas famílias dos Estados Unidos, entre as quais Morgan, Robert Sterling Clark, DuPont, Rockefeller, Mellon, J. Howard Pew e Joseph Newton Pew, da companhia Sun Oil, Remington, Anaconda, Bethlehem, Goodyear, Bird’s Eye, Maxwell House, Heinz Schol e Prescott Bush — conspiraram. Planejaram financiar e armar veteranos do Exército, sob o manto da American Legion, com a missão de marcharem sobre a Casa Branca, prender o presidente Franklin D. Roosevelt (1933–1945) e acabar com as políticas do New Deal. O objetivo consistia na implantação de uma ditadura fascista, inspirada no modelo da Itália e no que Hitler começava a construir na Alemanha. O Wall Street Plot, porém, abortou. O major-general Smedley Darlington Butler (1881–1940), que os big businessmen tentaram cooptar, denunciou a conspiração, ao repórter Paul French, do Philadelphia Record e do New York Evening Post. E, em 20 de março de 1934, a House of Representatives adotou a Resolution 198, 73d Cong., proposta pelos deputados do Partido Democrata, John W. McCormack (Massachusetts) e Samuel Dickstein (Nova York), criando o Special Committee on Un-American Activities, Investigation of Nazi Propaganda Activities and Investigation of Certain Other Propaganda Activities United States Congress (HUAC)”

A necessidade pois de contra-ponto social, bem informado, formado e consciente, como contra-peso a um poder corporativo privado ou estatal omnipresente, se faz mais visível aos nossos incrédulos olhos quando as evidencias são muito claras, com no caso narrado por Moniz Bandeira. De novo Denis Collins, no seu já referido artigo, nos alerta com contundência, precisamente para despertar essa necessidade dos humanos mais competentes racional e espiritualmente tomarem posição e atuarem:

“Se, como ferrenho materialista, acreditamos que o ser humano, como todos os outros seres vivos, nada mais é do que um conjunto de células, entre elas, em particular, um conjunto muito complexo de células neuronais, e que, portanto, não há nada especialmente “sagrado” no ser humano, nada que o torne intocável, já que melhoramos nossos carros e nossos robôs domésticos, por que não melhorar o ser humano e torná-lo mais “eficiente”?” 

Algo deste pensamento de ser humano máquina a ser transformada, vigora na filosofia transumanista de Juval Harari (que é uma das bases do pensamento progressista deste poder capitalista transnacional e globalista)

Assim, pois, para o poder Corporativo Financeiro Progressista que comanda o Ocidente é preciso um caminho racional evolutivo não espiritual, para que a sociedade que o confronta e trabalha a favor da mudança para um novo ciclo de poder cívico, não tenha referentes ontológicos e sim informações focadas na atividade e realização  material da vida. Preciso é para  este poder financeiro uma sociedade domesticada e focada na razão de procurar a subsistência.  Ao invés de um novo caminho universal mais tradicionalista (enraizado no saber milenar de cada povo) e, portanto espiritual e transcendente. Um caminho transcendente que antes (para nossos avós mais despertos para o lado religioso e, mais assentados na conexão com a natureza) era preciso para a sociedade evoluir e coexistir. Os nossos velhos avós mais integrados no conceito etimológico da religIão, seu aspecto de re-ligar e da revelação – mais presente na religIão muito antes no conceito sagrado da natureza. Conceito transcendente que  hoje pode que siga a ser preciso para confrontar esta tentativa de domesticação dos seres humanos ao capital transnacional e suas dinâmicas: acomodar os seres humanos a uma realidade de total dependência das cadeias produtivas, controladas pelas Corporações multinacionais e os Fundos de Investimento. Entes sem ente, controlando fontes, distribuição e expedição das diversas energias que alimentam o sistema, ate o monopólio das cadeias de alimentação, vestimenta e, mesmo a formação educativa, sanidade e ócio. Tornando-se um perigo de submetimento do ente racional – transcendental humano, a um ente jurídico ligado já a Inteligência artifical – intrascendental – de raciocinio sequencial algorítmico.

Sendo um perigo para o mesmo conceito de escravidão da humanidade – ao optar por um controle da psiquê humana, muito mais sutil que a escravatura física.

O conceito de “Egrégora” estudado por Carl Jung, aplicada ao “anel” de controle civilizacional dum determinado período histórico – dum determinado território de influência dum certo império – é crucial para entender como se domina uma comunidade, nação, Estado ou Império. Sendo a “Egrégora atual” do cristianismo – em dissolução e nascimento duma nova Egrégora, a que todavia comanda o Ocidente, e pelo tanto impõe sua visão de mundo a humanidade (por meio do processo globalizador ou da americanização – homologação – unificação a uma ideia especifica de mundo ocidental, neste caso)

Essa Egrégora, hoje desgastada – tem de mutar-se numa nova Egrégora, como tentativa de controle global – Essa construção da nova Egrégora, que vai comandar a futura humanidade, e a que traz em guerra – contraposição, a Unipolaridade Ocidental com a Multipolaridade do chamado “Sul Global” (sendo a Eurásia o seu representante mais combativo e mais poderoso no confronto).

Daí como temos falado em outros artigos, a nova Egrégora (matriz ontológica que comanda um processo civilizador) em andamento do Ecumenismo, deve decidir na aposta ecuménica racionalista do ocidente ou na aposta pelo ecumenismo escatológico espiritualista do oriente.

Sendo que este é o núcleo central da grande disputa pela hegemonia global entre o poder anglo-saxão ocidental (em contração mas mantendo ainda a supremacia) e o novo poder euro-asiático (em ascensão mas construindo todavia seu organograma de poder multipolar alternativo em contra-ponto).

“Ao “homem novo” amoral e unidimensional (o homo economicus) do neoliberalismo opõe-se o ser humano que o marxismo perspectiva, dotado de consciência social, elevado grau de humanismo e compreensão dos processos históricos, em que os critérios individuais e os coletivos poderão coexistir harmonicamente” afirma Daniel Vaz de Carvalho, no seu artigo de 12-09-2023 intitulado “Quatro lições de “democracia liberal”; fazendo-nos entender de por que esse homem novo marxista pode enraizar com o homem tradicionalista ao que aspira René Guénon e, tal como observa Serguei Glaziev: o único caminho de novo modelo económico passa pelo socialismo chinês; ambos funcionam neste novo homem do século XXI espiritualista e social, que tende a forma a nova matriz – Egrégora espiritualista tradicional do Oriente (se seu modelo finalmente trunfar) em confronto, a cada dia, mais aberto com a Egrégora evolucionista material do Ocidente.

Duas forças em contra-ponto

Estamos ante uma mudança não somente geopolítica senão também civilizacional, dentro da procura de tomar o controle do novo “Imaginário Coletivo Global” – Nova Egrégora do Ecumenismo (substituta da Egrégora que ate nossos dias comandava o ocidente e pelo tanto influenciava toda a humanidade). Esse Ecumenismo em princípio vai mais além das igrejas cristãs, abrangendo a união futura do Islã, Judaísmo, com o já referido Cristianismo. Todo este processo dentro duma mudança de ciclo de poder mercantil (agora virado em neo-feudalismo financeiro, tal como o conceituou Michael Hudson – e transumanista, tal como nos adverte Collins) em favor dum novo ciclo de poder cívico.

E esta grande “encruzilhada” por trás do nosso “normal” desenvolvimento quotidiano está a criar muita confusão, por falta dum solido referente de onde se encaminha o mundo. 

Dois modelos políticos em andamento: Ocidental progressista que está a caminhar para Fascismo Corporativo, camuflagem de “Capitalismo inclusivo” (enquadrado na agenda 2030 e sua agenda Woke); contra o Oriental Estaticista Autocrático – Social ou Socialista, conservador (com sua agenda tradicionalista, anti-trasumanista, que agora mesmo põe em cheque a agenda 2030, sobre a qual já se quebrou o consenso)

Esse fascismo corporativo, muitos analistas chamam hoje de supostas “Democracias Absolutas”, que confrontariam as atuais supostas “Autocracias Orientais” que no entanto lutam por um mundo Multipolar e mais “democrático” na tomada de decisões internacionais. Dinâmicas contraditórias que atrapalham ainda mais a visão de conjunto.

Nesta nova conjuntura em andamento – dando seus passos iniciais – a dicotomia esquerda/direita se dilui: não pode explicar a nova realidade…

Na nova dicotomia globalismo Ocidental – Mundo Multipolar do “Sul Global” (comando económico da China, Militar por Rússia), a Eurásia (da Ilha Mundo de Mackinder) se situa como o novo centro geográfico a ser disputado, para além de seu crescimento económico assentar o Mundo…

Essa  “ilha mundo” onde o poder tala-socrático ocidental – confronta o poder teluro-crático oriental, volta tomar relevância?

Os próprios EUA já deram por fato que o centro económico e civilizacional se traslada da Ocidente ao Oriente.  E a visão de Mackinder de quem controla a “ilha continente” controla o mundo, segue a moldar os processos geopolíticos?

Daí a luta contra Rússia (olhar somente um mapa geográfico) se torna prioridade, para depois submeter a China, dando por fato já que Irã, nessa tessitura, ficaria sem defesa.

O Pnac (Projeto para o Novo Século Americano) formulado pelos neo-conservadores  durante a década de 1990, desenhado para manter a supremacia  já falava desta prioridade; que passava, na altura, pelo controle total do Oriente Médio. Depois houve que retirar o plano, pelo fracasso militar.

A administração Obama/Biden, então, tentou girar sua política externa elaborando o projeto Pacific Pivot, com a intenção de concentrar suas forças no sudeste da Ásia e Pacífico, para conter a China. Deixando Oriente Médio “ardendo em chamas” para evitar consolidar as rotas chinesas da seda.

Enquanto na atualidade, a queda da Rússia facilitaria as duas coisas: conter o crescimento da China na Ásia e expansão da aliança energética russa e comercial chinesa com a Europa. Mas de momento essa tentativa não esta a dar seus frutos na Ucrânia. 

Com a criação do Quad (Parceria Quadrilateral sobre Segurança entre Estados Unidos, Índia, Austrália e Japão) e do Aukus (aliança de cooperação tecnológica e militar Estados Unidos, Reino Unido e Austrália) a contenção da China na região do Indo-Pacífico, se torna junto a enfraquecimento da Rússia, como já mencionado, nova doutrina geoestratégica dos EUA – sua nova realpolitik. Uma doutrina que por inércia situa Europa na periferia.

Nesta nova conjuntura a velha análise (própria da guerra fria) da polaridade esquerda ou direita, não pode dar nenhuma resposta viável para compreender a realidade em andamento. Realidade plural, diversa, não coesa e, em certos momentos mesmo caótica… Daí a perda da esquerda Woke e desorientação da extrema direita Europeia.  Direita muito conservadora, em teoria anti-globalilsta, mas na prática atlanticista pró-OTAN – braço armado do globalismo – e economicamente neo-liberal, incompatível com um mínimo Estado que garanta a Soberania…

Ambas (esquerda e direita europeias) individualistas niilistas, pró poder Privado diminuidor do Estado – Enquanto a direita e esquerda soberanistas do Sul global se tornam Estaticistas por necessidade de confrontar o neocolonialismo Ocidental das corporações privadas, com um poder centralizado e forte. Daí personagens como o Presidente do Salvador, Nahib Bukele, aliar-se a China e declarar-se Socialista de valores conservadores… Aqui a esquerda e direita europeia perdem os referentes, evadindo um pronunciamento claro do tema. Mas mesmo no sul da América, começa a existir uma nova esquerda e direita (que formam o eixo da Nova Resistência) que começam a tecer alianças anti-norteamericanas em favor dum Estado Social, unindo-se em favor da soberania e no confronto ao poder corporativo privado anglo-saxão (visionado como maior inimigo).

Daí o eixo da nova resistência ao Poder Global Ocidental – seja, neste momento, tão diverso e contraditório. Sendo seus rostos mais visíveis os dos lideres de: Rússia – China – Irã – Coreia do Norte – Venezuela – Salvador – e a África “francófona” em guerra de liberalização – do que eles denominam jugo neo-colonial; com Argélia a confrontar o Marrocos pró-EUA – e agora a Nigéria (pró-ocidental) tentando submeter o Níger (pró-russo)…

Possível terrível guerra regional… As ruas de Senegal ardendo; Mali e Burkina Faso largando o poder francês. Gabão na incógnita de que caminho seguirá … O grito da África é contra Ocidente e a favor do novo centro euro-asiático; quando na Europa do leste, de fins dos anos noventa do século passado à inversa, as populações se insurgiram contra o poder soviético – nas chamadas revoluções coloridas (apoiadas pelo poder neo-conservador ocidental “progressista”, que ocupava os espaços deixados pelo poder soviético tradicionalista, visionado como ineficiente)…

A chegada ao poder daqueles neo-cons (neo-coservadores “Straussianos”) nos EUA, tomando conta tanto do Partido Democrata como Republicano, ajuda a entender este fenômeno. Hoje tanto Blinken, como James Sullivan ou Victoria Nuland formam parte desta escola do filósofo Leo Strauss.

Somente Robert F. Kennedy Jr. (batalhador anti-vacinas covid) pelo lado democrata e Donald Trump (ligado ao movimento Qanon) pelo lado republicano – ambos associados as bizarras teorias da conspiração – saem do controle neo-con nos Estados Unidos. Sendo que Trump aparenta estar a ser afastado da corrida presidencial e Kennedy Jr não ter muita chance nela; não é difícil imaginar a democracia norte-americana ter, na pratica, muito pouco de pluralidade. Deixando de ser  verdadeiramente representativa ao não abranger toda a sociedade (gostemos ou não das suas propostas).

Assemelha, a sua vez, o Império Ocidental chegar a seu limite económico, na queda sistémica de 2007-2008 e agora talvez chegar agora a seu limite de expansão territorial (Poder da OTAN) na Ucrânia…

Tendo como precedentes da sua lenta decadência a retirada do exercito norte-americano do  Afeganistão, o trunfo do Irã no Iêmen; o trunfo da Rússia na Síria. E quiçá, o início de virada a favor dum novo poder militar russo capaz de encarar ocidente tenha acontecido na crise de Abecásia contra a Geórgia (em agosto de 2008) – Trazendo consigo uma nova delimitação da pressão OTAN a Federação Russa nas fronteiras do Cáucaso. Daí até a Crise atual do Cazaquistão e a Armênia, no Nagorno-Karabakh, a Rússia se tem tornado um novo ator internacional. Auxiliada pela falha da Turquia entregue ao poder financeiro Ocidental (que hoje controla seu banco central) – morta ou retardada à ideia do poder regional turcomano de Erdogan, mas necessitada de um certo acordo com Moscou, para não diluir-se (como ator regional) por completo.

Nova situação no corredor da Heartland de Mackinder, que se deve inscrever dentro da guerra (já não ofensiva e sim defensiva) dos EUA em todo o Oriente, para evitar a consolidação das Rotas chinesas da seda…

Visões discordantes 

Evitar também que a crise geral se torne guerra Mundial híbrida – que pode virar Guerra Mundial Aberta, com perigo termo-nuclear, é o mais desafiante. Dado as visões dos dois modelos em concorrência (Ocidental já delineado, o Oriental ainda em formação) estar em caminho decididamente de desencontro – discórdia.

Tendo em conta a afirmação do ministro dos negócios estrangeiros russo Seguei Lavrov: “Acompanhar o doente terminal até sua morte, evitando encurrala-lo” parece ser a solução da aliança oriental russo-china-iraniana, para fazer retroceder o Ocidente, ir diminuindo sua força. Daí o processo de desdolarização  da ASEAN e os BRICS.  Ocupando a seguir o novo poder Oriental os espaços que ficarem vazios, no retrocesso do poder norte-americano ainda em vigência. Evitando assim a guerra direta.

Esse encolher ocidental e tentativa de expansão euro-asiática cria muitas franjas de fricção em todo o mundo, podendo afetar mesmo a América do Sul, com disputas abertas no Peru (que complicam a dia de hoje a situação na Amazónia brasileira – com tropas norte-americanas no lado peruano); na Argentina onde o neo-liberal Milei promete cessar a cooperação com a China e sair do Mercosul ou adotar o dólar como moeda referencial da nação… Entregando na pratica o pouco que resta de soberania ao Poder Corporativo Ocidental, onde agências como a Black Rock – estão a fazer um bom trabalho em favor do Capital Financeiro Transnacional Privado. A Black Rock agora está a re-orientar sua compras também na zona BRICS.  Ou a mesma arruinada Venezuela  em  tentativa de disputa entre os dois blocos pelo controlo das suas riquezas minerais e petrolíferas.

Até agora o poder das sanções ocidentais, que funcionava como uma bomba atómica, nas economias desafiantes, arruinando a quem ousava contradizer as dinâmicas do capital global, não tem funcionado como a Rússia. E essas manobras russas por baixo do tapete, contornado o SWIFT, que controla perto de 11 mil bancos, de mais de 200 países, tem aberto  uma janela de esperança para aqueles que querem retirar seus países do controle ocidental dos seus recursos naturais, das suas moedas e das suas economias. Contando mesmo com a ajuda militar russa e económica chinesa

A narrativa ocidental de cair nas garras dum poder muito mais opressivo (o russo ou chinês não democrático) não tem mudado, no essencial, as dinâmicas de confronto e as tentativas de libertação do “Sul Global” daquele controlo unilateral Ocidental.  

Hoje em dia em toda a Ásia, África e América Latina existe contestação. No entanto sua realidade está mais em sintonia com a disputa: com atores políticos, sociais e poderes económicos diversos a favor de uma ou outra aliança – Isto cria um cenário de desestabilização bastante preocupante: excesso de fricções acende confrontos generalizados, que podem chegar a sobre-dimensionar-se.

Sendo que o poder ocidental financeiro controla o falso conservadorismo neo-liberal, e pelo tanto “progressista” e, sua vez, a nova esquerda “progressista anti-stalinista” que mudou aquela teoria da  progressista “revolução permanente” de Trotsky pela uniformidade cultural globalista da agenda Woke. Agenda que curiosamente chama pela diversidade, mas que unifica na globalidade ao potenciar um ser humano desenraizado: sem etnia, clã ou linhagem. Daí o confronto com Oriente onde a visão de linhagem, etnia e tradição formam parte da raiz presente no seu imaginário individual e coletivo.

Este poder ocidental financeiro neo-feudal, na sombra, controla a agenda da direita neo-liberal. Agenda que debilita o velho estado nação em favor de poderes transnacionais: instituições corporativas que na pratica devoram toda a soberania política e económica de qualquer país. Enquanto pela esquerda (esse mesmo poder) domina agendas como a Woke, transnacional, que na pratica retira toda raiz cultural que possa afiançar a um povo no seu sentido comum de pertença.  Debilitando, na pratica, ao Estado e a nação, em favor dum modelo cultural que favorece o desenvolvimento de poderes supra-estatais e supra-nacionais.

René Guenón que (como já falamos) plantou a semente filosófica e mesmo “esotérica” do tradicionalismo moderno – e a raiz comum de todas as tradições (em sua obra “A Crise do Mundo Moderno” de 1927) volta a estar finalmente de atualidade.

Guenón advertia que  junto da necessidade do assento de cada tradição no seu povo estava a essência comum do transcendental – espiritual, que faz ao ser humano evoluir em harmonia consigo mesmo e com a natureza. Esse pensamento, de algum modo, está hoje a ser ressuscitado pelo oriente nas suas versões ortodoxa – russa, taoista – confucionista chinesa –  xiita iraniana e, agora com a convergência da tradição  sunita de Mohamed Bin Salman na Arábia Saudita.

Enquanto a China tenta abrir pontes entre o Irão e a Arábia para evitar a quebra deste plano de novo edifício civilizacional, onde o comércio para Beijing e uma das prioridades e um dos laços mais fortalecedores da unidade…

Por enquanto no Ocidente o poder liberal financeiro revezando ambos bandos no governo, direita e esquerda, vão (passo a passo) introduzindo e normalizando a agenda económica e política transnacional e a agenda cultural globalista. Oriente aparenta não estar de todo cómodo com esta inércia, que Ocidente tenta globalizar – e só olhando deste modo podemos entender a virada da península arábica (aliada fiel dos EUA) mais alem das suas disputas no campo dos hidrocarbonetos 

Eis o por que nesta conjuntura a dificuldade  de compreensão global para a esta nova esquerda progressista Woke Ocidental se faz evidente. Ao tempo que sua perda de espaços se deve precisamente a crise económica, que iniciou com a derrubada do sistema de dominação anglo-saxónico, ao estourar o seu pulmão vital de Wall Street entre 2007-2008.

Em este marco de crise a esquerda woke pode peder grande de seu apoio político. Em tempos de crise e abalo sistémico e “confronto iminente”, o capital precisa virar ao lado mais mental rigoroso e inflexível, deixando fora o lado mais emocional e  flexível.

Esse poder financeiro internacional dará todo o espaço político e mediático, devagar, a direita e ao discurso neo-fascista para encaminhar “à ordem social” e evitar reações excessivas de descontentamento. Impondo uma ordem favorável a sua agenda mercantil – financeira – transacional. Com destruição  paulatina do Estado e da já muito fragilizada soberania nacional.

Para num segundo momento, já encaminhada a crise, voltar a dar algo mais de prioridade a esquerda e sua visão mais “integradora”.  Esta nova direita neo-fascista  rompe com certas partes do discurso woke e mantém um conservadorismo já não tradicionalista. Mas sua agenda económica neo-liberal proporciona um acomodo momentâneo ao poder globalista, que usura sua força belicista – em caso de confronto generalizado. Eis o exemplo do governo da Polónia muito ativo dentro do confronto com a Rússia; ou a Itália de Meloni, também muito ativa em sua agenda militarista a favor da OTAN.

Caso diferenciado é o governo Orbán na Hungria – que abre uma fenda nessa nova direita. Esse tipo de direita, junto a uma esquerda mais reticente a agenda Woke é a que tenta aglutinar Serguei Glaziev na sua ideia de novos movimentos “populistas socialistas” europeus (muito mais favoráveis ao acomodo da União Europeia com a Rússia) e que na Europa atual são vistos como quintas colunas do Kremlin.

Glaziev, aproveitando as teorias de Dugin, pretende alimentar uma aliança pardo vermelha na via dum novo modelo socialista – definido fundamentadamente como um poder estatal em confronto com o poder transnacional privado corporativo.

No seu lado luz esse poder teria de utilizar o Estado ao serviço das populações, dirigindo a economia e a política e auxiliado pelo capital privado, em parcerias concretas de mútuo beneficio. No seu lado sombra esse estado se converteria no típico modelo burocrático, com tentativa de ocupar todos os espaços sociais (modelo que já se demonstrou falido)

Glaziev, nos seus escritos, finca o pé na experiência soviética: seus erros (excesso de estado e controle social, falta de iniciativa privada e falta dum contrapeso espiritual) e seus acertos (tradicionalismo, focagem no coletivo por cima do individual e acesso da cidadania a formação acadêmica e garantia de emprego).

A ideia do novo modelo de virtudes soviéticas, virtudes da iniciativa privada e virtudes do  tradicionalismo existencialista (que bebe daquelas fontes de René Guenón, de Charles Maurras, do moralismo de Ernest Renan e do legado russo da Geração de Prata) deveria ir abrindo passo numa nova orientação estatal mais flexível e com melhor encaixe nas sociedades. Capacitando a este novo governo ter mais oportunidade de resolver os problemas atuais e retos do futuro. Assentando-se no Oriente – como campo prioritário para ensaiar as mudanças, para logo ir  penetrando o Ocidente, da mão da nova resistência – que em esse momento tornar-se-ia vanguarda.

Uma nova cosmovisão onde  o modelo de eficiência chinês baseado no pragmatismo e criatividade, por cima do dogmático ideológico é uma das colunas guia. Ativando um poder de estado moderador, não intervencionista.

Glaziev acha esse “Estado Moderador” único catalisador capaz de dar respostas às velhas problemáticas ainda sem resolver e está melhor capacitado para tomar as rédeas em momentos de novos desafios, muitos perigosos para a atual humanidade. Sendo, para ele, que o Poder Privado Financeiro chegou a seu limite histórico e está fora de seu tempo (dado que se mostra incapaz para resolver os problemas atuais, enquanto acumula os problemas passados, segundo Glaziev gerados pela “inoperância” típica da decadência).

Mas como esse poder Corporativo Privado (ainda dominante) se nega a dar a vez ao novo poder Estatal  do novo Socialismo “Tradicionalista” em andamento – o embate entre ambos modelos seria, baixo ponto de vista de vários autores do Oriente e Sul Global, inevitável. Esta conceção foi já apresentada, por Serguei Glaziev, em seu livro: “A última guerra mundial: EUA começa e perde”. Aqui o modelo chinês volta a ser central e relevante.

Como engenheiros projetando uma  nova máquina, os líderes chineses estão constantemente trabalhando em novas relações de produção através da resolução de problemas concretos, realizando experimentos e selecionando as melhores soluções. Eles estão pacientemente construindo seu socialismo de mercado passo a passo, melhorando constantemente o sistema de administração estatal, selecionando somente aquelas instituições que trabalham para o desenvolvimento da economia e o bem-estar social”

Afirma Glaziev no seu já referido livro, matizando que modelo chinês já confronta de facto o norte-americano:

A reativação do planejamento do desenvolvimento económico e social e regulação estatal dos principais parâmetros de reprodução do capital, a política de ação industrial pro-ativa, controle dos fluxos de capitais transfronteiriços e restrições monetárias podem deixar de ser um cardápio proibido pelas instituições financeiras de Washington para se tornar o ferramentas geralmente aceitas de relações económicas internacionais. Como contrapeso ao consenso de Washington, vários acadêmicos começaram a falar sobre o consenso de Beijing, muito mais atraente para os países em desenvolvimento, onde vive a maior parte da população da humanidade”

Confronto – assumindo papel inicial de guerra híbrida

Dentro deste novo conceito o Estado Soberano seria o único ator real, com capacidade para enfrentar o poder transacional privado. No plano económico o estado não ordenaria senão que procuraria fazer de ponte entre o mundo cientifico, tecnológico e empresarial. E no caso social, como redistribuidor de renda, para evitar acumulo excessivo no topo da pirâmide.

Antagonizando como o modelo Privado, onde o Estado deveria perder essa função, permitindo o livre mercado criar os mecanismos de homeostase social e parceria económica. 

O problema é que estas visões contrapostas não deixam muita margem para o acordo, fazendo perigoso o risco de combate – guerra. E, somente o medo de ambos contendentes a uma guerra termo-nuclear tem minorado as ânsias mais belicistas. Transformando a guerra total em guerras parciais híbridas: que estão a prodigalizar-se pelo globo, com o Iêmen e a Ucrânia em primeiro plano.

A guerra híbrida sinaliza o princípio duma guerra mais aberta e global, no caso das franjas de fricções aumentarem e a corrida pelos territórios e recursos: terras raras, centros tecnológicos (como Taiwan), regiões produtoras de energia e seus corredores (como o Sahel africano)… Para se chegar a um acordo frutífero para ambas partes; o único possível seria com divisores territoriais, que podem começar no Dnieper na Ucrânia, se finalmente parar a guerra. Abrindo passo a um novo marco – muro de separação por delinear no tempo.

Essa divisão por força teria que gerar uma divisão na Noosfera – e, em tempos de comunicação global difícil de ser aceita, sem um prolongado e forte desgaste, prévio, de ambas partes. 

Novos paralelos e meridianos, onde Ocidente e a Eurásia começaram a divisão entre o poder Privado e Estatal, deixam potencias regionais (mas com capacidade de decisão sobre assuntos globais) como Arábia Saudita, Brasil, Índia e Sul-África como pontes de entendimento – centros mais neutrais – entre as partes; se estes países souberem jogar a baça de uma certa neutralidade.

No caso da Arábia Saudita, Índia e Sul-África, valorizando muito a agenda tradicionalista (ver a Narendra Modi, na cimeira do G-20 denominar Bharat à Índia) e também o poder estatal, mas tendendo a mão a cooperar com o poder privado transnacional ocidental, como também com o estatal e privado chinês e russo.

O Declínio do valor individualista niilista – novo humanismo?

Preciso será estar atentos aos novos desenvolvimentos, tanto no campo científico como filosófico; tal como nos deixa entrever o filosofo francês Denis Collin no seu referido escrito:

É preciso repetir: o projeto da ectogênese é, em sua essência, um projeto malthusianista, é uma nova forma de apoteose do capital. A desnaturação radical do homem é sua des-subjetivação e sua transformação em matéria-prima para máquinas ou em um cyborg. Os delírios de Marcela Iacub, Thierry Hoquet e Donna Haraway não são só delírios. Em primeiro lugar, são pessoas delirantes que ocupam cargos acadêmicos importantes e, em segundo lugar, esses “delírios” são a expressão da racionalidade do modo de produção capitalista que, em seu movimento incessante, não deve deixar nada de sagrado em pé (.) Se acreditamos que as ideias filosóficas são também um campo de batalha (Kampfplatz, como disse Kant), então temos que realizar uma crítica exaustiva, sistemática e fundamentada do progressismo e de suas bases insidiosas, o positivismo. Nesta batalha, os humanistas, aqueles que acreditam que o homem é um Deus para o homem, como dizia Spinoza, se encontrarão do mesmo lado da trincheira, enfrentando esses materialistas baratos e seus amigos desconstrutivistas”

E acompanhando esta discussão filosófica podemos entrever que o poder ocidental chegou a seu limite de expansão e suas preciosas achegas racionalistas, que transcenderam o impulso espiritual do renascimento, no Iluminismo, pela necessidade de ativar o poder racional do ser humano contra a superstição irracional, chegaram a seu momento de entropia – em finais do século XX (onde o niilismo individualista tomou forma). Esse niilismo não permitiu um olhar mais abrangente, mais transcendente. Impedindo, na prática, voltar a unir-se a filosofia racional com a fonte espiritual, da qual emana. No entanto muitos homens de ciência e humanidades acreditam ser necessário desligar ambas: permitindo que o transcendente da racionalidade abra o estímulo da via evolutiva, deixando o  transcendente espiritual fora da equação que vai programar a “sociedade ideal” futura.

Vemos assim, seguindo esta estelar propulsão progressista, como o filosofo israelita Yuval Noach Harari nos abre a possibilidade de seres humanos melhorados geneticamente, graças aos avanços cientifico-tecnológicos, tornar-se o foco central do novo pensamento. A possibilidade de manipulação da nossa mente e corpo, por meio desses avanços, melhorando a espécie ate transcender a mesma. Impulsando um progressismo tecnológico, muito favorável à visão racionalista ocidental do ser humano como “ser orgânico” a ser melhorado. Ate chegar ao transumano – por livre eleição evolutiva

Afirmações como: “O novo fundamento é o fluxo de dados no mundo, a ponto de mudar até mesmo a compreensão do que é um organismo, do que é um ser humano; O ser humano deixa de ser esse eu mágico, autónomo, com livre arbítrio e capaz de tomar decisões sobre o mundo. Ora, o ser humano, como todos os outros organismos, nada mais é do que um sistema de processamento de informações que flui incessantemente” situam a Harari no campo racionalista mecanicista e materialista no qual se acomoda o processo evolutivo histórico do Ocidente, mas muito afastado das concepções históricas e dinâmicas herdadas e ainda imperantes no Oriente. Daí a fissura tender a aumentar, com o passo do tempo.

Agendas como a Identidade de Gênero, que parecem tão atrativas a Harari, são vistas como mostra da entropia social ocidental no Oriente. “Estou lendo um livro que trata de novas teorias sobre pessoas transexuais, pessoas não binárias e tudo mais. O livro que li pouco antes falava sobre os primeiros dias do Cristianismo. E me surpreende o quão semelhantes as duas coisas são. Grande parte do debate atual sobre o gênero é estranhamente semelhante ao que os primeiros cristãos discutiram sobre a natureza de Jesus Cristo e da Trindade. O que eles perguntavam era, em essência, se Jesus Cristo era uma pessoa não-binária. Se Jesus Cristo era divino, humano, ou divino e humano, ou nem divino nem humano. Vejo nisso ecos de muitos dos debates atuais sobre a natureza do ser humano e da pessoa. Podemos ser ambos? Podemos ser apenas um? E, se essa outra pessoa não pensa como eu, então ela é uma herege. Na realidade, os heróis dos primeiros cristãos eram mártires e monges ascetas, como o famoso Simão, que passou anos no topo de uma coluna. Eles investigavam os limites do corpo humano com o que tinham à disposição. Agora, com as questões de gênero, fazemos mais perguntas sobre o que podemos fazer com o corpo, se podemos mudá-lo desta ou daquela forma”. Esta reflexão de Yuval Harari, carece de todo sentido ontológico para o pensamento basilar do Oriente.

Uma tendência progressista de enfoque racional de algum modo retira a intervenção do supra-humano “transcendental” (da que tanto gostam os orientais) dos processos naturais e do significado da vida. Afastando, neste processo, para o Oriente, a razão do espírito.

Mesmo que grupos como Eranos, no seu trabalho consciente, tenham desde a Europa do progresso aberto o caminho de união ciência-espiritualidade, tudo aparenta (de não haver um giro muito profundo no ocidente) que esse novo roteiro vai ser aproveitado pelo novo centro civilizacional oriental agora em andamento, enquanto o Ocidente prefere seguir mergulhando nesse novo racionalismo tecnotrônico, em procura daquela sociedade que sonhou, no seu dia, o ex-conselheiro dos presidentes norte-americanos Carter e Clinton, Zbigniew Brzezinski

No entanto Brzezinski contava naquela época com o poder militar, econômico e cultural unilateral e único do Ocidente, encarnado pela supremacia total dos EUA, tal como lhe mostrou na apresentação do seu livro “O Grande Jogo de Xadrez” a um jovem Alexander Dugin. O jovem, na altura, filosofo russo que teve de observar estupefato como a teórica partida de dous (do xadrez) se transformava na partida de um só jogador movendo as peças de ambos lados do tabuleiro.

No entanto, a partir da crise sistemática de 2007-2008 esse poder total começou a declinar e hoje é muito contestado.

O Oriente se organiza na outra ponta dessa visão de “destino manifesto” unipolar (que bebe das fontes universalistas medievais do Papa Silvestre II e o Senhor do Sacro Império Otão III – planificadores de um poder único global). Nesse embate Oriente – Ocidente nasce a tentativa de realizar um novo mundo multipolar como vetor duma nova filosofia humanista transcendental. Filosofia que organize utopicamente, mais devagar, no futuro horizonte (partindo do trabalho presente) a inevitável comunhão entre inteligência artificial e a inteligência humana. Em um local onde a tradição, a raiz coletiva, seja a taça onde incluir o avanço tecnológico e o modelo social de Estado.

Harari não esconde sua ideia dum ser humano em obsolescência, que precisa transcender, mas de modo a melhorar-se com as achegas tecnológicas: “Acho que a razão pela qual os debates sobre pessoas transexuais, pessoas não binárias e tudo o mais geram tanto calor é que as pessoas talvez tenham um sentimento subconsciente de que os debates do futuro serão sobre o que podemos fazer com o corpo e o cérebro humanos; como podemos redesenhá-los, como podemos modificá-los. A primeira realidade prática que encontramos com estas questões é a do gênero. Podemos dizer que as pessoas são intolerantes e muito sensíveis quando se trata de sexo e gênero, mas penso que na verdade sabem inconscientemente que este é o primeiro debate sobre o transumanismo. Fala sobre o que podemos fazer com a tecnologia para transformar o corpo, o cérebro e a mente dos seres humanos. É por isso que os debates são tão acalorados” Esta ideia transumanista é para o cosmovisão do Oriente, de certo modo, inaceitável. Daí o Ocidente ser visto, para suas elites culturais, como decadente.

O Oriente, pois, começa assimilar seu papel de modificador do impulso entrópico dum ocidente em queda (virado no material). Nascendo do seu seio uma nova orientação mais conservadora aos desafios ambientais, científicos e tecnológicos em curso. Voltando a unir a raiz dos povos com as problemáticas a resolver dos nossos tempos e as complexidades herdadas do passado. Ordenando o impulso criativo mais devagar: acomodando a esses tempos de planeamento, desde a raiz comum tradicional da sociedade ate o necessário impulso impetuoso de progresso.

Sendo que talvez seja mesmo a missão do oriente – orientar, a do ocidente impulsar.

Ambos formando uma polaridade perfeita, da qual ainda (por ignorância) não pudemos tirar proveito adequado para criar uma maior harmonia e uma melhor humanidade. Ignorância coletiva que cria confronto e propicia o revezamento de um polo pelo outro no comando, segundo o ciclo. Ocidente abre a via do progresso – semente no caminho. Oriente conserva esse impulso – gera o molde para criar a nova forma. Será este o mistério, ainda a ser descoberto? O hemisfério Norte mais rigoroso – masculino – vontade em ação; o hemisfério sul mais amoroso – feminino – sabedoria em resguardar o funcional conceito? Será este um outro mistério maior, que ao anterior complementa?  Ainda não temos certeza!

A morte como transcendente – A imortalidade como transcendência

A tradição oriental e a visão tradicionalista ocidental (hoje minoritária no ocidente) encaram a morte, como algo transcendente: algo a ser preparado com antecedência. Com seu lado luz do regresso a “casa do Pai” dos cristãos ou da volta ao “Palácio do Rei” dos judeus; o retorno ao Eterno Oriental, com diversas percepções que vão desde a reencarnação e a ideia do Karma até a naturalidade evolutiva e transformadora em diferentes planos ou o reencontro com a essência (do tao). Mas todas elas dão um significado profundo e misterioso a morte, como antecâmara dum plano mais transcendental 

O progressismo ocidental (dominante em nossas sociedades) começa a tomar corpo, em algumas visões filosóficas como o “Aceleracionismo”; percepção duma possibilidade de transcender a própria morte, graças a evolução cientifico tecnológica abrir a porta desse processo. 

Em 1967 o escritor Roger Zelazny publicou “O Senhor da Luz”. Uma novela que apesar de mergulhar nas tradições orientais hinduístas, especulava aquela possibilidade de transformação abrupta da realidade dos seres humanos. Nos dias de hoje essa transformação desde a ótica “aceleracionista” ultrapassa o conceito  da própria morte, para nosso desenvolvimento poder encaminhar-se, finalmente, a ultrapassar a mesma.

Em recente entrevista o ex-engenheiro de Google, Ray Kurzweil, afirmou que os seres humanos poderiam alcançar a imortalidade, graças a profunda revolução realizada nas pesquisas em campos como a nanotecnologia, genética e robótica. 

Os “aceleracionistas” precisamente acham que se deveria dar um impulso do modelo globalizador do capitalismo, sobretudo em áreas como automação, encaminhada a uma rápida fusão entre ser humano e a inteligência artificial. Algo que somente será possível com a redução drástica do estado e desregulação dos mercados. Única forma de encaminhar as nossas sociedades em profunda crise a uma única solução por um salto evolucional, para eles, muito preciso. O tempo chama essa direção e, parece segundo esta filosofia, não restar outro caminho. Mas o Oriente tem outras trilhas.

São estas percepções pós-modernas e tecnocráticas do mundo que ferem a alma mais conservadora do Oriente. Assustam seus dirigentes políticos atuais, suas elites espirituais e filosóficas e abrem uma fenda (a cada dia mas intransponível) entre o modelo civilizacional oriental e ocidental. Fenda que divide a visão ontológica dos dois mundos. Nesta separação das águas o tradicionalismo socialista, da direita tradicional conservadora , o “ambientalismo” defensor da raiz dos povos e sua conexão e, mesmo o novo o populismo emancipador africano (em luta contra a neo-colonização) começaram a criar uma unidade em torno do inimigo comum, alterando a geopolítica a nível global. Ultrapassando a velha dicotomia esquerda – direita. Esse inimigo é precisamente o progressismo ocidental, que consideram tão acelerado que somente pode levar a auto-destruição da própria humanidade.

No ocidente essa luta oriental e de parte do “Sul Global” (nomeadamente África) encontra aliados num tradicionalismo europeu (hoje em perda constante de espaços), que de algum modo se está a transformar na nova resistência às dinâmicas progressistas e globalistas do Ocidente Coletivo.

Daí não é estranho ver velhos inimigos como a direita tradicionalista e a esquerda tradicionalista se unirem, muito devagar, a fazer força contra um inimigo comum. Vemos opostos com discursos semelhantes. No lado mais alarmista do conservadorismo tradicionalista cristão o discurso de Monsenhor Viganó condiz na argumentação com o ex-presidente xiita do Irã,  Mahmoud Ahmadinejad. Enquanto Viganó encara este progressismo acelerado como o “Anti-Cristo” – Almadinejad o visiona como o “Novo Satã”…

E esta fenda mesmo nas suas posições mais moderadas não deixa de aumentar e friccionar em todas as áreas da nossa realidade social.

Dai ser impossível, a dia de hoje, fazer um diagnostico correto da nossa realidade desde a velha dicotomia conservador-progressista. Nem sequer tentado assimilar a mesma com o  recorrente universalismo – isolacionismo 

Dado que no Tradicionalismo Oriental, que se afasta e começa a lutar contra o Progressismo Ocidental existe uma ideia de universalismo que comunga bem com a formulação de Guenón duma essência que unifica todas as tradições. Mas também da necessidade de cada tradição seguir seu caminho, até que o encontro frutífero tenha lugar, na altura precisa da historia. Daí o Oriente acha a aceleração do processo, passando por cima das tradições, como não respeitosa com os próprios ciclos naturais de amadurecimento e pelo tanto, por si mesma entrópica. E afastar-se dessa raiz comum espiritual dos povos (vista como transcendente) totalmente inaceitável

Daí, em todo este confronto, em meio desta encruzilhada de ciclos evolucionais humanos – sociedade – revolução cientifico-tecnológica, está o caminho dissidente entre o “Ocidente Coletivo” e Oriente/parte do “Sul Global”, levando a determinação de um novo modelo multipolar, que vai ir cristalizando aos poucos, e será finalmente o que veicula esse choque com o “modelo globalizador unilateral ocidental”

Novo Modelo

Curiosamente esse novo modelo oriental alargado ao “Sul Global”, se triunfar neste embate, será espiritualmente o construtor da nova Egrégora do Ecumenismo Escatológico Espiritual – na nova filosofia anti-transumanista – dentro dum novo modelo político económico socialista conservador – tradicionalista (com apoio do poder privado ao serviço do estado) – e culturalmente anti-woke.

Ainda que no início, dada a magnitude da transação em curso – e das tensões encobertas e abertas – e mesmo tendo em conta a baixa tônica evolutiva das sociedades atuais, tudo ruma a que, mesmo triunfando o modelo oriental sobre ocidental, o poder autocrático sairá reforçado sempre em tempos de crise. Assim, podemos observar como a China do liberalismo filosófico libertário de Liu Junning perde em favor do confucionismo autoritário de Jiang Qing. Enquanto sua elite governante conserva a raiz taoista, por cima das polaridades sociais, mas favorecendo determinadas formas de coesão cultural, mais de ordem e rigor coletivo que de libertação do individual sobre o coletivo. Mas a flexibilidade também é preciosa para este poder chinês, pela compreensão dela ser a base de toda mudança; e da mudança ser continua. Deste modo a elite no poder deixa sempre margens de manobra na base – fora do controle de cima, o que da ao povo noção de certa liberdade.

Novo Modelo

Curiosamente esse novo modelo oriental alargado ao “Sul Global”, de trunfar neste embate, será espiritualmente o construtor da nova Egrégora do Ecumenismo Escatológico Espiritual – na nova filosofia anti-transhumanista – dentro dum novo modelo político económico socialista conservador – tradicionalista (com apoio do poder privado ao serviço do estado) – e culturalmente anti-agenda woke.

Ainda que no início, dado a magnitude da transação em curso – e das tensões encobertas e abertas – e mesmo tendo em conta a baixa tónica evolutiva das sociedades atuais, todo ruma a que, mesmo trunfando o modelo oriental sobre ocidental, o poder autocrático vai sai reforçado sempre em tempos de crise. Assim, podemos observar como a china do liberalismo filosófico libertário de Liu Junning, perde em favor do confucionismo autoritário de Jiang Qing. Enquanto sua elite governante conserva a raiz taoista, por cima das polaridades sociais, mas favorecendo determinadas formas de coesão cultural, mais de ordem e rigor coletivo que de libertação do individual sobre o coletivo.

Mas a flexibilidade também é precisa, para este poder chinês, pela compreensão dela ser a base de toda mudança; e da mudança ser continua. Deste modo a elite no poder deixa sempre margens de manobra na base -fora do controlo da cima, o que da ao povo noção de certa amplia liberdade.

E aqui vai radicar o sucesso ou retrocesso, da ascensão do fator humano na China, que deve acompanhar o grande desenvolvimento material que nos últimos anos tanto tem assombrado ao mundo.

Sendo que a China, apesar do desenvolvimento industrial, tecnológico e cientifico, mantém muito firme sua visão orgânica da realidade. Estando sua flexibilidade orientada a integração dos opostos, ultrapassando a visão maniqueísta do bem e o mal. Ultrapassando nosso pensamento ocidental, inerte ao dar voltas em círculos, o pensamento chinês (que faz finca-pé no domínio das emoções) é muito mais sutil, fresco e direto: mais simbólico que literal. Apoiado no esforço preciso sem forçar: seguindo o curso da lei natural da fluência.

Esta visão chinesa pode, apesar das aparências, ligar com a visão xiita iraniana da perfeição cosmológica; pois a naturalidade do caminho do tao tem implícita esse universalidade. Daí a percepção iraniana das realidades do passado e do futuro estarem presentes, a modo de exemplaridade ou como semente no aqui e no agora, poder se conectar com aquela interpretação simbólica, muito presente na filosofia chinesa, fora do sentido da linearidade racional ocidental

Percepções do mundo que também se ligam com a visão messiânica russa, aliada a espera do Mahdi ou Mesiah dos iranianos; presente sua figura diluída na realidade espiritual como uma guia precisa no comportamento de vida dos crentes. E estes caminhos, por diversos atalhos, confluem numa necessidade de atitude ética diante das provas do destino.

Sendo a realidade cíclica dos tempos outro nexo de união na cosmovisão oriental, enquanto a ideia xiita de ser preciso restaurar a justiça, ultrapassando a injustiça histórica que os condenou, liga  evidentemente com o sentimento africano da necessidade duma justiça reestabelecida, após o período atual da neo-colonização e, necessária volta a tomar conta da sua soberania; como passo prévio de restabelecer o poder dos africanos no seu continente. As raízes da África, podem unir-se a raízes da Ásia e duma Rússia, que definitivamente abandona seu anseio de ser aceite pela Europa.

E pode este ser um alicerce prático para criar uma nova visão desse novo multipolar mundo, que agora luta por dar a luz seu menino recém nascido, em tempos de crise sistémica. E como sempre, ao longo da história, este novo centro, de concretizar-se, desenvolver-há um novo caminho civilizacional com suas luzes e suas sombras.

Movimentos pendulares na noosfera até a humanidade alcançar uma tónica evolutiva capaz de equilibrar as diversas polaridades, para finalmente a vida energia tomar forma numa mais ampliada e amplificada vida consciência.

Dos orientais ter essa oportunidade vão aproveitar, pois eles conhecem o pensamento de Lao Tse:

“Há um tempo para viver e um tempo para morrer, mas nunca para rejeitar o momento”  

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Artur Alonso
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