Para realizarmos grandes feitos em prol da nação, precisamos de heróis, de figuras de referência, de autoestima nacional e de senso de pertencimento à Comunidade Nacional. Só assim poderemos sair do “Crepúsculo da Nacionalidade”, pegando de empréstimo a expressão acertada de Vicente Ferreira da Silva.
Em um breve discurso proferido em Goiânia, no ano de 1940, o Imortal Presidente Getúlio enunciou uma tese fundamental acerca da identidade civilizacional brasileira. Com invejável perspicácia, assevera que o projeto estado-novista da “Marcha para o Oeste” recapitulava, em sua essência, aquilo que denominou de “o verdadeiro sentido da Brasilidade” [1]. Com tal afirmação, o Presidente quis dizer que o movimento de expansão interna plajenada, de “endocolonização”, de ocupação estatal da amplitude territorial do País (visando seu desenvolvimento) trazia em si a obra construtora dos nossos ancestrais Bandeirantes e Sertanistas ao dilatarem as fronteiras nacionais, delimitando a gigantesca base física da nação brasileira. “Eis o nosso imperialismo”, disse Getúlio, num momento de aguda compreensão da vocação imperial da Pátria.
Ora, a epopeia bandeirante é um dos pontos de inflexão no processo de gestação do Brasil. Configura parte fundamental do “Primeiro Movimento”, na classificação teórica estabelecida por Aldo Rebelo [2]. Sem os feitos daquele conjunto de mestiços broncos, duros, que desbravaram matas e enfrentaram, de peito aberto, as forças irascíveis da Natureza, o Brasil se veria privado de um dos pilares de sua grandiosidade, que é justamente a sua dimensão continental.
Sendo assim, os fatos nos levam a uma única conclusão: pela relevância histórica que tive na formação do País, o bandeirantismo possui um signo heroico distintivo. Era assim, inclusive, que o assunto costumava ser abordado nas escolas e materiais didáticos há alguns anos. Neste sentido, tendo já em mente que um dos sentidos da Brasilidade, como bem pontuou Vargas, consiste em dar continuidade ao processo histórico iniciado por eles, os “construtores da nacionalidade”, a pergunta a ser feita é: por que, atualmente, este e outros temas concernentes às raízes brasileiras são tratados apenas pelo viés da condenação progressista da História Nacional? Como classificar aqueles que renegam os Bandeirantes ou minimizam seus feitos? E mais: como compreender o discurso de ódio contra eles, sobretudo quando este parte da tábua de valores ocidentais (ideologia dos Direitos Humanos, politicamente correto, individualismo, etc.) para condená-los?
Os chineses têm uma palavra para tal fenômeno: Niilismo Histórico. O pensador contemporâneo do PCCh, Yang Zhonghua, explica o conceito em uma passagem altamente reveladora:
“O niilismo histórico atende à psicologia e ao desejo de compreender o panorama da História, porém nega a verdade existente na consciência histórica sob a bandeira da restauração da verdade histórica […] como um pretexto, distorcendo a […] história nacional e a história militar, causando um certo grau de confusão ideológica na sociedade […] visa caluniar o comportamento dos heróis em uma situação histórica específica ou julgar os pensamentos e comportamentos dos heróis com padrões e requisitos irrealistas, de modo a minar o apreço, os sentimentos patrióticos e a força espiritual dos heróis revolucionários, que transcendem o tempo e o espaço” [3].
A negação dos heróis, da memória histórica, da consciência coletiva que liga o presente e o passado são elementos definidores do niilismo histórico. Em outras palavras: a negação de tudo aquilo que fortalece um povo. Disse Xi Jinping: “Uma nação promissora não pode viver sem heróis, e um país promissor não pode viver sem seus timoneiros” [4]. E acrescentou: “A história e a realidade mostram que uma nação que abandonou ou traiu sua própria história e cultura não só terá seu desenvolvimento impossibilitado, como provavelmente será palco de tragédias históricas” [5].
Aldo Rebelo dirá algo semelhante quando afirma que o povo brasileiro vive, hoje, num estado semelhante a um idoso com Alzheimer, desmemoriado. “Você pode reconstruir um país devastado pela guerra, mas um país que perdeu sua memória, esqueça” [6].
A memória de um povo é a matéria-prima de sua identidade. E sem identidade, não há autoconsciência, tal como não há autoestima quando não há autoconsciência. A fenomenologia do vira-latismo segue este itinerário. Apesar de termos uma cultura excepcional, uma formação histórica sem precedentes, de termos realizado grandes feitos no campo das artes e do esporte, de absorvermos elementos positivos de praticamente todas civilizações humanos, de nunca sequer termos perdido uma guerra, a despeito de tudo isso, o brasileiro médio ainda tem dificuldade em contemplar a grandeza de sua terra. Afinal: os Bandeirantes supostamente eram “criminosos” que cometeram “genocídio” (mesmo com a maioria deles sendo composta por índios e mestiços); a Princesa era “racista” e não aboliu a escravatura; D. Pedro I, nosso hierarca, era “glutão e mulherengo”; Getúlio era “ditador”; Pelé supostamente não assumiu uma filha, logo não devemos admirá-lo; e a lista — do ódio internalizado — segue. O Brasil perde.
Para realizarmos grandes feitos em prol da nação, precisamos de heróis, de figuras de referência, de autoestima nacional e de senso de pertencimento à Comunidade Nacional. Só assim poderemos sair do “Crepúsculo da Nacionalidade”, pegando de empréstimo a expressão acertada de Vicente Ferreira da Silva.
Vale para Brasil aquilo que Dugin afirmou a respeito da Rússia: nosso povo precisa de um pacto histórico com a Pátria.
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[1] Vargas, Getúlio. Cruzada rumo ao Oeste. In: A Nova Política do Brasil – Vol. VIII.
[2] Rebelo, Aldo. O Quinto Movimento: propostas para uma construção inacabada.
[3] http://www.qstheory.cn/dukan/hqwg/2021-04/26/c_1127377434.htm
[4] http://www.qizhiwang.org.cn/n1/2021/0506/c422375-32095554.html
[5] http://www.xinhuanet.com/politics/2021-04/27/c_1127381069.htm
[6] O Quinto Movimento e o Futuro do Brasil (live): https://www.youtube.com/live/evuVaD0yNYQ?feature=share
