Por que o Capital Busca Destruir a Escola?

O filósofo italiano Diego Fusaro retrata de forma perfeita a mercantilização da vida cotidiana e de suas consequências.

A pedagogia neoliberal degrada a escola para tornar ela uma empresa destinada a produzir habilidades necessárias ao funcionamento do sistema. Por isso, promove as habilidades técnicas e a primazia do fazer, e dissolve qualquer figura de conhecimento não ligada ao pragmatismo da eficiência.

Assim, o que só poderia ser definido como uma “cultura bárbara” triunfa por todo o horizonte, para citar como exemplo, Veblen em A Teoria da Classe Ociosa: uma cultura, ou seja, que não só não promove a emancipação da sociedade, mas que a empurra na direção oposta, reprimindo qualquer possibilidade de escapar da jaula de aço do mundo reduzido à mercadoria. Os antigos regimes queimavam os livros; o atual, sob a forma de mercadoria, impossibilita estruturalmente a figura do leitor.

No triunfo do esprit de quantité sobre o esprit de finesse, o capital não pode aceitar a existência de mentes pensantes autônomas, de sujeitos formados e portadores de identidade cultural e profundidade crítica, conscientes de suas raízes e da falsidade do presente. Em outras palavras, ele não pode aceitar o perfil anterior ao homem burguês, ou seja, educado, enraizado em sua cultura histórica e aberto ao futuro. Em vez disso, aspira ver o mesmo em todos os lugares, ou seja, átomos de consumo sem identidade e sem cultura, cabeças puras calculistas e impensadas, capazes de falar apenas o inglês dos mercados e das finanças e incapazes de questionar o aparato tecno-econômico em sua expressiva totalidade.

É nesse mesmo quadro cognitivo que deve se inserir o fenômeno das chamadas “universidades digitais”, que oferecem a seus alunos cursos à distância e graduações obtidas sem nunca terem pisado nos espaços específicos da universidade como lugar de discussão e comparação, diálogo e exercício da crítica.

A nova figura digital, deste ponto de vista, favorece os processos de individualização massiva, neutralizando o elemento presença humana e concentração dos alunos nos mesmos locais e, no seu conjunto, reduzindo cada vez mais o conhecimento a módulos pré-embalados e geridos, sem qualquer tipo de relação humana com o professor.

Isso foi teorizado por Veen e Vrakking, entre outros, em seu estudo Homo zappiens: sua proposta teórica se concentra na ideia de romper com as formas pedagógicas tradicionais e, em sua opinião, obsoletas, e em adaptar os locais de ensino às necessidades dos alunos, tudo se torna líquido. A internet e seu modelo devem, portanto, substituir as clássicas lições frontais com as quais o Ocidente transmitiu o conhecimento de ouro desde a Grécia até a Idade Média, desde a Renascença até o século XX.

Nos últimos vinte anos, a escola foi submetida, na Europa, a uma dinâmica radical de corporativismo, que reconfigurou rapidamente os seus próprios alicerces.

De instituto para a formação do ser humano em sentido pleno, consciente do seu mundo histórico e da sua história, passou a ser uma empresa que proporciona habilidades e competências indissociavelmente ligadas ao dogma utilitário de “ser bom para alguma coisa”.

Significativo, nesse sentido, é o fenômeno da “dívida estudantil” que caracteriza os campos universitários americanos. As universidades públicas e privadas aumentam continuamente as mensalidades, obrigando efetivamente os estudantes a endividarem-se para ter acesso às mesmas: desta forma, não só as universidades se transformam em postos avançados do setor econômico e fábricas de lucro, como falado no Segundo Tratado sobre o Governo Civil de Locke, os próprios alunos acabam prisioneiros dos mecanismos de captação de dívidas. Desde muito jovens tornam-se escravos de uma dívida que tentarão (quase sempre sem sucesso) saldar pelo resto da vida.

Afinal, na transição da academia platônica e do liceu aristotélico para as escolas de negócios, pode-se diagnosticar a parábola do Ocidente, à mercê do patológico “pan-economismo utilitarista” proposto por Latouche.

Da educação entendida no sentido clássico como o desenvolvimento pleno e multifacetado da personalidade humana, passamos sem esforço à formação como acúmulo intensivo de habilidades técnicas e habilidades práticas e funcionais para nos inserirmos no mercado de trabalho instável, flexível e precário.

Obtém-se, assim, uma perversão do conceito clássico de escola como lugar onde o tempo é retirado das garras do lucro e dedicado ao aprendizado voltado para a autoformação.

A este propósito, é útil recordar que as línguas europeias designam a instituição de formação primária para jovens de “escola” (Schule, school, école), com uma referência direta ao grego σχολή, isto é, tempo livre, que o os romanos definiram como otium e otium é, por sua essência, o oposto de negotium, que é o tempo ocupado pelos negócios em nome do lucro. O paradoxo da escola na era do capitalismo pós-burguês é que ela se converte cada vez mais abertamente ao princípio do negotium, tornando-se uma instituição de preparação para as práticas laborais e, portanto, negando sua própria essência otium.

Mesmo no caso da educação escolar e universitária, vale a regra geral do sistema monetário flexível e precário: a corporatização da vida em comunidade procede ao mesmo passo que sua privatização. A mercantilização integral baseia-se na destruição dos condicionamentos éticos anteriores típicos da fase burguesa e com o apogeu do individualismo consumista.

A penetração da racionalidade liberal na estrutura mais profunda do Ser, determina a ocupação integral do material e do imaterial pela mercantilização e seu correlativo modelo econômico: essa penetração permeia plenamente o ego, mas também o id, o magmático e indescritível esfera dos instintos e impulsos; tampouco perdoa o superego, invadindo mesmo o campo das questões morais e religiosas. É o que se tem chamado de «neoliberalização dos sujeitos».

A pulverização da ética e de suas raízes avança junto com a ocupação de seus espaços pelo sistema de necessidades e pela mercantilização. Isso pode ser visto não apenas na redefinição corporativa das escolas públicas no quadro da ordem neoliberal, mas também na privatização de outros institutos fundamentais, como os sistemas prisional e hospitalar.

Quanto à primeira, a monarquia do dólar está, também neste caso, na vanguarda do processo de pós-modernização: a privatização do sistema penitenciário, naquele país, expõe os presos a um controle vexatório, muitas vezes claramente afastado da regulamentação legal e política.

Espancamentos brutais e desnutrição visível são a regra e, no seu conjunto, a necessária concretização do princípio segundo o qual o negócio é negócio: segundo este princípio, o preso deixa de ser entendido como uma pessoa a reeducar e reabilitar, com vista à sua reintegração na sociedade civil, e começa a ser considerado como um recurso de onde se extrai mais-valia.

Isso se traduz na busca espasmódica de “recursos” sempre novos para internar (para que não haja vagas sobrando) e, portanto, nas novas políticas repressivas também no que diz respeito aos chamados “crimes menores”.

No que diz respeito ao setor da saúde, o regime liberal está a promover, à sua imagem e semelhança, uma “mercantilização” cada vez mais acentuada da saúde e da vida. Isso permite argumentar que o “cuidar da saúde” está profundamente pervertido: o cuidado, em seu sentido especificamente científico (a erradicação da doença) e humanista (“cuidar” como modalidade existencial fundamental, segundo a sugestão de Ser e Tempo) é substituído pela a figura corporativa do lucro como objetivo final da ação.

A redefinição liberal do paradigma médico produz efeitos desastrosos e altamente contraditórios, que dependem, em última instância, da reconfiguração (mais uma vez seguindo os passos do modelo americano) da saúde de direito do cidadão a mercadoria de consumo. Entre os efeitos mais lamentáveis, destaca-se a drástica redução de pessoal médico e de enfermagem, com associado abrandamento dos tempos de intervenção e aumento do risco de mortalidade dos doentes, que entretanto se tornaram “consumidores”. Também não se deve deixar passar despercebido a redução cada vez mais pronunciada dos financiamentos para fazer face a doenças como o cancro e a redução considerável dos cuidados a deficientes e doentes mentais.

No segundo contexto, assenta no aparecimento da nova figura da “empresa de saúde”, substituindo os anteriores “hospitais” públicos: mais habitualmente, o direito universalmente reconhecido de cuidar de cada cidadão torna-se uma mercadoria disponível segundo a compra e venda, com o consequente crescimento exponencial quer no setor da saúde de luxo como a cirurgia estética para alguns, quer na impossibilidade, para muitos, de acesso a tratamentos básicos.

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Diego Fusaro

Analista político e ensaísta italiano de orientação nacional-revolucionária. @DiegoFusaro

Artigos: 54

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