A batalha pela mente, parte 2: aquele a quem os deuses desejam destruir, eles primeiro o enlouquecem

Continuação da palestra de Cynthia Chung para a Rising Tide Foundation, sobre a vontade para romper os grilhões da mente e o processo de assumir a posição do Herói.

É neste ponto que farei um rápido resumo do filme ‘Gaslight’ de George Cukor.

“Aquele a quem os deuses desejam destruir, eles primeiro o enlouquecem”
– Henry Wadsworth Longfellow em “A Máscara de Pandora”

Esse é o filme de que eu falava no início dessa palestra, dirigido por George Cukor, que teve uma sobreposição com a Escola de Frankfurt, que é um filme útil se você souber pensar, e foi o que originou o termo “gaslighting”. Não vou entrar em muitos detalhes do enredo, mas o ponto é que essa mulher (Paula) se encontra em uma situação isolada, o homem (Sergis) na foto acima é alguém com quem ela se casou muito rapidamente, ela não o conhece muito bem. Por estar isolada, apenas com seu novo marido, que é a única pessoa ao seu redor, exceto os empregados domésticos que ele contratou, sua realidade é cada vez mais moldada por esse homem e ela chega a um certo ponto em que começa a duvidar de sua própria sanidade.

A certa altura, percebemos que ele está fazendo isso porque foi ele quem matou a tia dela, uma cantora de ópera muito famosa, que era cuidadora de Paula quando ela era jovem. Sergis se casou com Paula para que eles pudessem voltar para esta casa abandonada onde sua tia foi morta e onde ela morou quando era jovem, para que ele pudesse encontrar joias famosas que ele nunca poderia vender, mas simplesmente deseja obter, pois está obcecado com elas.

Sergis acusa Paula de pegar coisas e escondê-las e a trata como se fosse uma criança.

Assim, percebemos o tempo todo que não era Paula que estava louca, mas sim Sergis. No entanto, ele ainda teve sucesso em moldar a realidade dela e fazê-la duvidar cada vez mais de sua própria sanidade.

Também descobrimos que a razão pela qual as lâmpadas a gás estão piscando é porque Sergis está procurando as joias perdidas da tia de Paula no sótão e ela está ouvindo esses sons e vendo as luzes piscando e pensando que está enlouquecendo.

O problema com o filme, embora eu ainda ache que as pessoas deveriam assisti-lo por ser útil, é que ele não dá a você uma maneira de perceber como sair de uma situação em que você se encontra em uma realidade construída, uma realidade artificial. Ao contrário, ela [Paula] é salva pelo detetive que presta atenção nela por ela ser uma senhora bonita e acaba salvando-a de seu captor. O filme é interessante porque obviamente está usando alguns dos elementos do condicionamento comportamental do tipo Tavistock e MK Ultra, o que não acho que seja uma coincidência, e não está dando a você o antídoto. Essa pessoa, Paula, é completamente vítima desse ambiente construído para ela e ela acaba contando com alguém de fora dessa construção para salvá-la.

Portanto, a questão é: como nos salvamos se nos encontramos em tal construção, para que não tenhamos que confiar em algum tipo de salvação externa?

Eles encorajam essa ideia de uma salvação externa nos filmes de Hollywood porque, novamente, isso o impede de acessar algo que você tem dentro de si. O Drama Clássico é o oposto, que faz você refletir sobre si mesmo e as maneiras pelas quais você pode se fortalecer nesses tipos de situações de extrema opressão e não depender de algum tipo de força sobre-humana fantástica.

William Sargant é um grande fator de como o controle da mente é praticado hoje em dia, especialmente no campo cultural e artístico. Ele era um psiquiatra britânico, um dos pais fundadores do controle da mente no oeste e tem conexões com a Inteligência Britânica e o Instituto Tavistock. Mais tarde, ele trabalharia com a CIA para o programa MK Ultra.

Ele também estava em estreita comunicação com Aldous Huxley, na verdade eles se referiam um ao outro com frequência em seus trabalhos porque estudavam as mesmas coisas e Huxley também estava envolvido na Revolução Química da Contracultura. (Para saber mais sobre isso, consulte minha série Quem será corajoso no novo mundo de Huxley) Sargant também foi consultor do infame trabalho de Ewen Cameron sobre LSD, sobre como deixar a mente uma folha em branco/tábula rasa, na Universidade McGill.

No começo eles estavam pensando no controle da mente, que era possível limpar a mente de alguém e você poderia inserir sua própria doutrina prescrita dentro dessa pessoa. Mas acabaram descobrindo que isso não era possível; humanos não são computadores, não somos robôs e, em última análise, você não pode simplesmente limpar nossa mente. Mas eles estavam estudando o estresse pós-traumático em soldados após a guerra e perceberam que você poderia aumentar a sugestionabilidade com certos tipos de estímulos estressantes. Podiam até ser estímulos estressantes imaginados, não precisavam necessariamente estar localizados na realidade. Ao aumentar a sugestionabilidade, você tinha uma maneira mais provável de imprimir certas narrativas que gostaria que essa pessoa adotasse. Ainda não seria um efeito de tábula rasa, mas eles poderiam incorporar doutrinas ou dogmas que não fossem do próprio sujeito em um estado sugestivo aumentado. No entanto, eles perceberam que, com métodos como coquetéis de insulina, privação de sono, privação sensorial e assim por diante, eles não poderiam simplesmente inserir qualquer coisa em alguém se essa pessoa já tivesse uma forte convicção. Portanto, era apenas com pessoas que ainda não tinham uma forte convicção, uma base sólida de como se localizavam na realidade, a razão ou o propósito e a verdade, que em um estado sugestionável aumentado você poderia inserir certas coisas, no entanto, nada disso era permanente. Você sempre pode reescrever algo para melhor ou para pior.

O filme O Candidato da Manchúria apresenta uma maneira muito cômica de pensar sobre a ideia de lavagem cerebral e inserção de ideias e pensamentos estranhos nas pessoas. A maneira como eles venderam isso no ocidente foi dizendo: “Bem, os soviéticos estão fazendo isso, então deveríamos fazer isso para nos protegermos”. Assim, o Instituto Tavistock e os programas MK Ultra receberam muita proteção e apoio público (obviamente não disseram tudo o que estavam fazendo) porque estavam sob a justificativa de que isso fazia parte de estratégias de defesas contra a lavagem cerebral soviética. Mas o caso, como acabei de delinear antes, era que a lavagem cerebral não funcionava da maneira que eles a retratavam nos filmes de propaganda da Guerra Fria. Embora você tenha casos em que assassinatos ocorreram por pessoas que passaram pela programação do MK Ultra, isso foi feito de uma maneira muito mais dramática e não funcionava encoberto dessa maneira.

Infelizmente, havia uma ideia de que esse era “um trabalho tinha que ser feito”, e esse é o problema que ainda persiste, ainda estamos vivendo em uma Guerra Fria, onde estamos sempre justificando as coisas horrendas que precisamos examinar e os projetos do tipo Frankenstein porque é sempre usando a frase “Mas e se o outro lado descobrir primeiro?” E essa tem sido basicamente toda a nossa filosofia de defesa em um mundo pós-Segunda Guerra Mundial e a ciência foi sequestrada por essa ideia de que temos que apenas explorar o lado mais monstruoso para supostamente ‘nos defendermos’ e realmente não há fim para esse tipo de ciclo destrutivo e será a destruição de todos se tal ciclo continuar por muito tempo.

Mas o que é realmente importante para essa resistência à lavagem cerebral foi o conceito de ‘Livre Arbítrio’ e essa ideia de um propósito forte, uma identidade forte. E então, isso eles também sabiam que era algo que precisava ser deslocado, culturalmente falando, e é por isso que estávamos vendo com o programa da Escola de Frankfurt o fomento de uma identidade esquizofrênica na arte; que incentivam coisas sem propósito, sem direção, porque basicamente te torna mais fácil de manipular.

Sargant observaria:

“Não é surpreendente que a pessoa ordinária, num geral, é mais facilmente doutrinável que o anormal… Uma pessoa é considerada ‘ordinária’ ou ‘normal’ pela comunidade simplesmente poque ela aceita a maior parte das normas sociais e padrões comportamentais; o que significa, de fato, que ele é suscetível à sugestão e foi persuadido a ir com a maioria nas ocasiões mais ordinárias ou extraordinárias.”
– William Sargant em “Batalha pela Mente

Acho que isso fala por si só…

O London Blitz foi uma campanha alemã de bombardeio contra o Reino Unido durante um período de oito meses durante a Segunda Guerra Mundial. O que é interessante sobre isso é que, durante esse período, para sobreviver e manter a sanidade, o povo britânico rapidamente se acostumou com a ideia de que seus vizinhos poderiam ser enterrados vivos em casas bombardeadas ao seu redor. O pensamento era: “Se eu não posso fazer nada a respeito, de que adianta eu me preocupar com isso?” Assim, descobriu-se que o melhor enfrentamento foi daquele que aceitou o novo ambiente e se concentrou apenas em ‘sobreviver’ e não tentou resistir a ele.

Sargant observa que essa adaptabilidade a um ambiente em mudança faz parte do ‘instinto de sobrevivência’ e é muito forte no indivíduo ‘saudável’ e ‘normal’; onde eles podem aprender a lidar e continuar a ser funcionais, apesar de um ambiente cada vez mais instável. Assim, descobriu-se que nosso “instinto de sobrevivência” profundamente programado era a chave para a sugestionabilidade de nossas mentes. Que os melhores ‘sobreviventes’ já fizeram a melhor ‘lavagem cerebral’ em certo sentido; já que o foco estava puramente na adaptação ao ambiente para sobreviver e não em questionar ou desafiar nossas circunstâncias circundantes.

O fenômeno observado durante o London Blitz tem sido uma das principais ferramentas usadas no condicionamento de massa. A indústria do entretenimento impulsionou a ideia de que o melhor que podemos fazer quando nos dizem que estamos caminhando para um futuro apocalíptico é simplesmente nos adaptar e sobreviver. No entanto, há uma nova reviravolta nessa ideia de sobrevivência, que é uma ‘sobrevivência a todo custo’.

Podemos ver a continuação do trabalho de William Sargant na indústria do entretenimento atual. Fomos condicionados a encontrar uma espécie de conforto mórbido nessa ideia de sobrevivência a todo custo, ou seja, a sobrevivência do mais apto em um mundo pós-apocalíptico. Aprendemos a ver isso como nossa ‘liberação’, essa ideia falsa e delirante de que, enquanto alguém puder sobreviver, vale a pena viver essa vida. Fomos condicionados a não questionar nossas circunstâncias ou como chegamos aqui. Fomos condicionados a pensar que não há solução e que a única coisa que podemos fazer é aceitar o futuro cada vez mais sombrio que nos dizem ser necessário e inevitável. Nossa vida se torna semelhante à de um rato de laboratório que não tem escolha a não ser obedecer aos parâmetros do jogo em que foi colocado e descobrir qualquer meio de sobrevivência. E numa vida assim, nós fomos condicionados a pensar que liberdade e libertação podem ser obtidas se conseguirmos a medalha de ouro nesses Jogos Olímpicos apocalípticos.

A liberdade não é mais questionar, resistir e desafiar a opressão e a escravização de uma sociedade, mas sim se concentrar em seus “melhores súditos”, por assim dizer, seus “melhores sobreviventes” que podem exercer melhor o tipo de comportamento que seus controladores desejam ver.

Este é Aldous Huxley citando o Dr. Fromm, um membro da Escola de Frankfurt, novamente apenas mostrando como essa ideia de esquizofrenia estava no cerne do Movimento de Contracultura:

“Nosso ‘crescente adoecimento mental’ pode encontrar expressão em sintomas neuróticos. Esses sintomas são notáveis e angustiantes. Mas ‘tomemos cuidado,’ diz o Dr. Fromm, ‘na definição de higiene mental como prevenção dos sintomas. Sintomas não são nossos inimigos, mas nossos amigos’…”
– Citação de Dr. Fromm em “Admirável Mundo Novo Revisado – Aldous Huxley, 1958)

Para quem não sabe, R.D. Laing (um psiquiatra muito famoso) estava na vanguarda desse movimento como uma espécie de cruzado pelos ‘mentalmente insanos’. É verdade que a prática da psiquiatria e da psicologia era um campo terrível que abusava e se aproveitava de muitas pessoas e as chamava de loucas quando não eram loucas. Mas esta verdade foi transformada em uma verdade parcial que foi manipulada para justificar algo que era ruim e destrutivo, que é o que eles fizeram para esta Cruzada pelos ‘mentalmente insanos.’ Eles inverteram a realidade de ponta cabeça e disseram que qualquer um que é considerado insano em nossa sociedade é realmente o mais são, o melhor e deveria estar no topo [da sociedade], por assim dizer. Em outras palavras, o tipo de ideia de que “os lunáticos estão administrando o asilo” era uma boa descrição do que R.D. Laing estava promovendo e, adivinhem só:

Em 1956, o psiquiatra R.D. Laing treinou em uma bolsa na Clínica Tavistock em Londres, onde ele permaneceu até 1964

Quer ele estivesse ciente disso ou não, Laing fazia parte de algo realmente bastante destrutivo e não libertador para ninguém.

O que também é interessante, e eu examino isso com mais detalhes em minha  série Huxley, é que o Esalen Institute, no qual Aldous Huxley desempenhou um papel proeminente em sua fundação, teve basicamente Huxley como uma de suas das principais inspirações. Em seu panfleto de 1967, eles escrevem:

Em um panfleto publicado em 1967 pelo Instituto Esalen intitulado “Onde está”, está escrito na página 38:
“Richard Price, co-fundador de Esalen, está trabalhando com R.D. Laing da Clínica Tavistock de Londres com o propósito de estabelecer um Centro de Terapia em Big Sur, onde um pequeno e selecionado grupo de psicóticos será tratado como pessoas em ‘viagens de descobrimento’ e serão permitidos expressar suas psicoses. Parece que o esquizofrênico agudo não paranoico tem surtos relativamente curtos, que são seguidos por um processo reintegrativo, de forma que o indivíduo retorna de sai ‘viagem’ com um QI maior que o inicial. Nós esperamos encontrar novas formas de fazer quem que esses surtos sejam valiosos, experiências de aumento de função”

Portanto, a indução de surtos esquizofrênicos, eles alegavam, era uma experiência de aumento de funções, claramente algo falso. Assim como nós vemos em muitas dessas pessoas que passaram pelos programas MK Ultra, aos quais isso está diretamente relacionado. A “chave para atingir o máximo potencial humano” foi dito a essas pessoas, que era o objetivo do Instituto Esalen era através da indução da loucura, a fragmentação da mente através de surtos ou rupturas esquizofrênicas com a promessa de que alguém teria um QI mais alto no final de todo o caso.  

Quer gostemos ou não, a relevância da ‘revisão da loucura’ do Instituto Esalen, da qual eles foram os pioneiros e Laing como o cruzado para a promoção dos clinicamente insanos, precisa ser reconhecida como tendo sido inteiramente liderada pelo Tavistock Institute e claramente isso não foi feito para o nosso benefício.

B.F. Skinner, que foi um dos cientistas que trabalhavam com o Esalen Institute Research Center. [Na quarta parte da minha série Huxley, examino alguns dos cientistas que trabalham com o Centro de Pesquisa do Instituto Esalen e faço um link para seus trabalhos. É uma coisa muito preocupante que eles ocultaram, mas você ainda pode vê-la na Wayback Machine.]

B.F. Skinner descobriu um fenômeno com ratos que chamou de “Caixa de Skinner” ou, por seu nome um pouco menos assustador [N.T. “skinner” pode ser traduzido como “esfolador”], de “câmara de condicionamento operante”. Skinner descobriu que os ratos que foram torturados nesta caixa de uma maneira específica com mensagens conflitantes de recompensa e punição, formariam uma espécie de dependência dessa realidade criada como um mecanismo de enfrentamento de tensões futuras. Verificou-se que, quando aquele rato foi autorizado a deixar a caixa e submetido a um estímulo que causou dor, medo ou estresse, sua reação imediata foi correr de volta para a caixa, para sua própria segurança e conforto, por sua própria vontade.

O trabalho de Skinner em ratos não foi perdido quanto à sua aplicação em humanos…

Atingimos um ponto em que precisamos nos perguntar se nos tornamos viciados em nossa própria miséria, se estamos em um ponto em que só podemos encontrar consolo ao nos libertarmos do controle de nossa situação. É apenas uma questão de encontrar o que desencadeia nossa euforia ao longo de nossa viagem ao esquecimento?

Encontramo-nos numa situação muito semelhante ao rato de Skinner e a melancolia existencial tornou-se para nós uma canção de embalar. O bem não parece mais real e assim perdemos o ânimo de lutar e a vontade de morrer por um mundo melhor que de fato é possível. Muitos aceitaram que nossas vidas foram consumidas principalmente com a evitação da dor e a busca do prazer mundano enquanto nos aproximamos dessa ideia existencialista de ‘fim’.

Mas a boa notícia é que isso NÃO É REALIDADE. O que tem sido, novamente, imposto e bombeado goela abaixo diariamente para que possamos absorver isso como algo que participa da realidade, é, na verdade, uma realidade artificial. E podemos optar por rejeitar essa falsa realidade.

Schiller disse em um ensaio maravilhoso que escreveu chamado Teatro Considerado como uma Instituição Moral:

“Eu sei de apenas um segredo para proteger o homem contra a depravação, que é: armar seu coração contra a fraqueza”
– Friederich Schiller em “Teatro Considerado com uma Instituição Moral”

Portanto, a solução para retomar o controle de nossa mente e sair dessa realidade artificial é primeiro perceber que existe algo como a Verdade, a Beleza e a Bondade. E uma maneira de começar a voltar a essa percepção é retornar aos ensinamentos que foram claramente censurados em nosso tempo, em nossa época, os ensinamentos clássicos como o Classicismo de Weimar.

Schiller também escreveria com muita perspicácia:

“É através da Beleza que se chega à Liberdade”
— Friederich Schiller

Pense em tudo que a Escola de Frankfurt vem promovendo na sua feiura, e é exatamente o contrário. Isso não deveria ser surpresa, esse culto ao feio é o caminho para a escravidão.

Se nos permitirmos desconhecer o que define nosso conceito de Beleza, que se sobrepõe ao nosso conceito do que é Bom, Verdadeiro e Moral, isso pode se tornar uma coisa preocupante, pois estamos nos permitindo ser inconscientes do que está motivando nossos desejos e nosso processo mental.

A natureza é, na melhor das hipóteses, uma analogia à liberdade porque não é livre para alterar voluntariamente seu curso de ação. Por exemplo, quando observamos animais na natureza, eles têm um certo tipo de dignidade, mas ao mesmo tempo estão presos a essa natureza e, portanto, não são totalmente livres. Há algo nessa natureza que, no entanto, ainda achamos bonito porque é desinibida, não de forma degradada, mas de forma que respeitamos. Assim como encontramos dignidade em certos animais onde encontramos uma certa quantidade de Graça. É essa ideia que está sendo posta em prática neste conceito de natureza pura.

No entanto, os humanos são diferentes no sentido de que também podemos desejar nossa natureza. Como dissemos anteriormente, podemos cultivar nossa natureza para nos tornarmos ainda melhores, não para domá-la ou engaiolá-la, mas realmente cultivá-la e permitir que as melhores partes de nossa natureza frutifiquem.

Schiller escreve em um belíssimo ensaio “Kallias, or, On the Beautiful” que:

“No naturalmente belo vemos com nossos olhos, por si mesmos; pela regra, não é o sentido que nos fala, mas sim o entendimento. Agora, porém, a regra está para a natureza como a compulsão está para a liberdade. Visto que agora meramente pensamos na regra, mas vemos a natureza, pensamos na compulsão e vemos a liberdade. O entendimento espera e exige uma regra, o sentido ensina que a coisa existe por si mesma e não precisa de nenhuma regra”.
— “Kallias, ou, Sobre a Beleza” de Schiller

O que Schiller está dizendo aqui é que nosso entendimento, nossa razão espera que existam regras, por exemplo, quando você faz uma definição de alguma coisa, é uma espécie de regra onde existe um parâmetro, existe um limite senão tudo ficaria indefinido e se misturando em tudo e não haveria distinção de nenhum pensamento, nenhuma ideia. Obviamente nossa mente não pode funcionar dessa maneira desprovida de regras. Mas o que Schiller está querendo dizer é que com a Beleza, na qual a Arte e a Cultura desempenham um papel central, não há esse processo de pensamento em sua imediatidade, mas sim o que funciona em nós imediatamente sem o processo de pensamento, então você poderia dizer instintivamente, é algo que já existe naturalmente dentro de nós. E isso porque nossa natureza, que não é a parte ‘pensante’ de nós mesmos, também está sintonizada para o Bem, para um Bem Harmonioso.

É assim que a Arte ‘joga’ conosco porque, em vez de dar palestras ou pregar o que deve ser a coisa certa a fazer ou isso e aquilo, a Arte nos eleva, nos inspira, nos atrai para esses objetivos naturalmente. Assim como uma criança veria certos adultos nos quais gostaria de se modelar, é o exemplo positivo de algo que sabemos ser nosso potencial e algo que realmente desejamos, que aspiramos por ver realizado. E ficamos infelizes quando não temos essa parte de nós preenchida. E é por isso que estamos em uma cultura agora que nos deixa muito infelizes porque tenta conscientemente impedir nossa conexão com isso.

Kant afirma que a beleza na arte é aparência e, portanto, é removida de uma ideia de propósito, no entanto, Schiller discorda disso e diz que a beleza não é apenas sobre a aparência, mas também deve haver uma ideia de propósito. Schiller afirma que aquele Propósito que age sobre nós instintivamente (isto é, sem pensamento) é essa ideia de Liberdade. Assim, encontramos as coisas mais bonitas quando são emblemáticas em uma forma de liberdade e simbolicamente desafiando a opressão. Isso é o que achamos mais bonito.

O romântico é, portanto, destrutivo porque muitas vezes não trabalha em você com uma ideia de propósito e, portanto, participa mais de um estado de apenas flutuar, à deriva de uma ação ou advento para outro. Enquanto a Beleza está sempre se movendo em direção a uma direção, que é sempre para o Bem.

Schiller continua a dizer neste ensaio:

“A Bondade é um modo de ensinar, onde se avança do conhecido para o desconhecido; Beleza é quando é socrático, isto é, quando se pergunta as mesmas verdades de dentro da cabeça e do coração do ouvinte. Com a primeira (bondade), suas convicções são exigidas do entendimento formalmente, com a segunda (beleza), elas são atraídas por ela… cuja representação por todos os meios nos compele a trazer à tona a ideia de liberdade em nós mesmos e a nos relacionarmos com o objeto”.
— “Kallias, ou, Sobre a Beleza” de Schiller

A Bondade é algo que pode ser ensinado, como um pai ensinaria a um filho, ao passo que a Beleza, como na Arte, nos seduz, não exige algo de nós, mas nos mostra algo que nos inspira a querer enfrentar esse desafio de uma forma maneira positiva e nos enche desse reconhecimento desse poder dentro de nós, porque, novamente, somo sintonizados naturalmente com ele.

Quando olhamos para a Beleza deste nível superior, ela nos compele à bondade interior, não a exige de nós. Consulte a  Rising Tide Foundation  para obter exemplos dessa forma de arte, pois não terei tempo para abordar isso em detalhes nesta palestra.

Schiller continua a escrever:

“Em relação a qualquer grande composição, é preciso que o individual seja limitado, para que o todo se efetive. Se essa limitação do indivíduo for ao mesmo tempo um efeito de sua liberdade, ou seja, se ele mesmo estabelecer esse limite, então a composição é bela. A beleza é por si mesma um poder subjugado; limitação direta do poder… Em suma, cada indivíduo deseja ter sua vontade. Onde, porém, permanece agora a harmonia do todo, quando cada um se preocupa apenas consigo mesmo? Daí decorre que cada um, por liberdade interior, prescreve diretamente a si mesmo a limitação de que o outro necessita para expressar sua liberdade”.
— “Kallias, ou, Sobre a Beleza” de Schiller

“Em relação a qualquer grande composição, é necessário que o individual seja limitado, para que o todo se efetive” isso é contraditório à prescrição da Escola de Frankfurt contra o totalitarismo, onde afirmavam que o antídoto para o fascismo era centrar-se na libertação final do indivíduo e que a liberdade do indivíduo é agora a prioridade máxima antes de qualquer coisa. Schiller está dizendo que é basicamente impossível viver em um mundo dessa maneira e não somos mais felizes quando vivemos em um mundo que é consumido apenas pelo ‘eu’.

No Drama Clássico, um dos paradoxos que temos é o ‘sacrifício’. Ficamos muito comovidos quando o herói sacrifica a sua própria segurança, o seu próprio bem-estar, muitas vezes a sua vida, por algo que está para além de si e a razão para isso é porque, como dizíamos há pouco, somos mais movidos pela Beleza quando se está lutando pela Liberdade. O indivíduo está se sacrificando por uma ideia maior do que é a Liberdade, não se trata apenas de sua própria liberdade individual naquele momento, mas da liberdade do todo, dessa civilização ou de seu povo em oposição à tirania, à opressão e é por isso achamos belo, e mesmo que ninguém queira morrer, achamos que é um ato belo.

É irônico que na lei britânica você tenha essa ênfase na ideia de o indivíduo ter liberdade para fazer o que quiser, desde que não interfira na liberdade do outro, no entanto, isso é novamente algo que está sendo imposto, é novamente na forma de um contexto kantiano e não é uma coisa voluntária, enquanto com o ensinamento de Schiller trata-se de nos sintonizarmos com algo que está naturalmente dentro de nós, e o reconhecimento de que somos mais felizes quando defendemos um conceito adequado de liberdade, e não é apenas a liberdade do indivíduo, mas a liberdade do todo. E assim, somos atraídos pela Beleza como uma sensação de Liberdade. Em tal mundo podemos ser cidadãos felizes, neste, podemos ser verdadeiramente livres.

Vamos nos lembrar da lição perdida do filme ‘Gaslight’.

Paula tem que sair de sua realidade mental e é isso que é difícil para muitas pessoas na situação em que estão hoje, especialmente quando você é mais jovem e já nasceu nessa realidade artificial. Eu diria que um dos antídotos para isso, já que o filme ‘Gaslight’ não nos dá essa lição, é Frederick Douglass. Eu fiz uma  aula sobre Frederick Douglass. Também encorajo as pessoas a lerem a autobiografia de Frederick Douglass: “My Bondage, My Freedom”.

Frederick Douglass era um homem que nasceu na escravidão sob algumas das formas mais extremas de opressão e brutalidade do sul [N.T. dos Estados Unidos]. Foi-lhe dito que sua natureza era totalmente contrária ao que ele descobriu ser sua verdadeira natureza. E a questão era como Douglass descobriu isso, porque ele não tinha nenhum exemplo em sua vida de qualquer tipo de modelo positivo. A ele nunca foi apresentado nenhuma refutação de que ele não nasceu inerentemente para ser um escravo e essa não era sua condição natural, e ainda assim ele foi capaz de rejeitá-la desde muito jovem. Ele passa por seu processo de pensamento em sua autobiografia, que é realmente uma chave para tantas pessoas lerem hoje em dia, a fim de nos ajudar em nossa jornada para sair dessa falsa construção em que nos encontramos.

Eu só quero citar um trecho de sua autobiografia:

“Um homem sem força não tem a dignidade essencial da humanidade. A natureza humana é constituída de tal forma que não pode honrar um homem desamparado, embora possa ter pena dele, e mesmo isso não pode fazer por muito tempo se não surgirem sinais de poder. Só Ele pode compreender o efeito deste combate em meu espírito, que incorreu em algo, ou arriscou algo, ao repelir as agressões injustas e cruéis de um tirano. Covey era um tirano e também um covarde. Depois de resistir a ele, eu senti como nunca havia sentido antes. Foi uma ressurreição da tumba escura e pestilenta da escravidão para o paraíso da relativa liberdade. Eu não era mais um covarde servil, tremendo sob a carranca de um irmão verme do pó, mas meu espírito há muito intimidado foi despertado para uma atitude de independência. Eu havia chegado ao ponto em que não tinha medo de morrer. Esse espírito me tornou um homem livre de fato, embora eu ainda permanecesse um escravo na forma. Quando um escravo não pode ser açoitado, ele está mais da metade livre. Ele tem um domínio tão amplo quanto seu próprio coração viril para defender, e ele é realmente “um poder na terra”. Desde então até minha fuga da escravidão, nunca fui chicoteado de forma justa. Várias tentativas foram feitas, mas sempre sem sucesso. Fiquei machucado, mas o exemplo que descrevi foi o fim da brutalidade a que a escravidão me sujeitou.”
— Autobiografia de Frederick Douglass ‘My Bondage, My Freedom’

Dizem-nos que vivemos em um mundo complicado, um mundo dividido, um mundo cheio de ódio, guerra e ganância, e certamente esse é o caso do Ocidente, que desceu ao seu próprio Inferno autocriado, mas chave é essa aqui.

Como diria John Milton em seu Paraíso Perdido, “A mente é seu próprio lugar e, por si só, pode fazer um Céu do Inferno ou um Inferno do Céu”.

Ironicamente, o que muitos não sabem é que Milton escreveu uma continuação intitulada Paradise Regained.

Quão interessante é que nos concentramos apenas na perda do Paraíso e aparentemente não nos importamos com a recuperação do Paraíso? Ou que todos já ouviram falar do Inferno de Dante e talvez do Purgatoria, mas poucos ouviram falar do Paraíso de Dante, que deveria ser lido como um todo. Por que você acha que isso é assim?

Se escolhermos caminhar nesta vida cegos para o que é o Bom, se rejeitarmos a possibilidade e o potencial de uma mudança positiva certamente nos condenaremos a viver no Inferno, mas isso não é realidade, isso é nossa criação autoafirmada.

A escolha é nossa e a solução é bastante simples, é por meio de nossa própria vontade que podemos sair dessa prisão mental, e é nosso próprio eu que terá que se tornar nosso Herói no processo.

Termino aqui com uma citação de Schiller:

“Por esta razão, o reino do gosto é um reino de liberdade – o belo mundo dos sentidos é o símbolo mais feliz, de como o mundo moral deve ser, e todo belo ser natural fora de mim é um cidadão feliz, que me clama: Seja livre como eu.”
— Friedrich Schiller

Fonte: The Canadian Patriot

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Cynthia Chung

Presidente e co-fundadora da Rising Tide Foundation, e escritora da Strategic Culture Foundation.

Artigos: 597

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