A batalha pela mente, parte 1: como sair de uma realidade artificial

Esta é uma transcrição de uma palestra da Rising Tide Foundation realizada em 18 de dezembro de 2022, sobre a cultura Ocidental e a crise existencial deste.

A imagem de capa é uma imagem do filme ‘Gaslight’ (1944) de George Cukor, que originou o termo “gaslighting”. [A definição de gaslighting é manipular alguém usando métodos psicológicos para fazê-la questionar sua própria sanidade ou poder de raciocínio.] Sugiro que as pessoas assistam a este filme porque é realmente útil para entender como funciona o gaslighting. Irei abordar este filme brevemente mais adiante nesta palestra, pois, apesar do filme ser útil, há algo especialmente faltando no final que, se tivesse sido incluído, teria tornado este filme como um todo uma composição clássica, o que significa que sua lição teria se tornado mais profunda, ao mesmo tempo que mais fortalecedora.

A cultura é basicamente um componente essencial, e temos nos esquecido disso, que a ela junto da Arte são componentes essenciais para a forma como nos vemos e como vemos o mundo em que vivemos. Elas são instrumentos, mas também são bases para julgarmos a então chamada ‘realidade’ em que vivemos. E vou entrar nessa questão de como devemos pensar em uma ‘realidade’, porque mesmo as tentativas de retratar uma realidade objetiva não são precisas. Não existe uma ‘realidade objetiva’ plena. Isso ocorre porque a chamada realidade ‘objetiva’, em última análise, depende dos nossos sentidos e eles não captam a realidade objetiva, pois ainda que possamos ver com o domínio visual, há ainda muito mais coisas que o olho não pode ver que existe (e os instrumentos que nós criamos também serão limitados nessa capacidade).

Esta palestra vai focar no que exatamente aconteceu com a cultura particularmente ocidental no século XX de uma forma muito consciente, de tal forma que hoje nos encontramos em uma crise de existencialismo e basicamente um cinismo paralisante onde as pessoas veem o mundo em que vivem como algo feio e algo errado, mas elas não conseguem ver uma realidade alternativa, e realmente não acreditam que possa haver outras possibilidades. E isso foi conscientemente programado na transformação cultural ocorrida no século XX.

Aldous Huxley estava na linha de frente dessa transformação cultural, e outras pessoas como HG Wells e Bertrand Russell estavam começando a olhar o mundo de uma maneira diferente porque decidiram que o velho mundo dos clássicos estava verdadeiramente na raiz dos problemas do mundo.

…‘Se a primeira metade do século XX foi a era dos engenheiros técnicos, a segunda fase pode muito bem ser a era dos engenheiros sociais’ – e o século XXI, eu suponho, será a era dos Controladores do Mundo, o sistema de casta científica e o Admirável Mundo Novo… Os velhos ditadores cairão porque nunca serão capazes de suprir seus subordinados com pão o bastante circo o bastante, e milagres e mistérios o bastante… Sob a ditadura científica a educação irá realmente trabalhar – com o resultado que a maior parte dos homens e mulheres crescerão amando sua servidão e nunca sonharão com uma revolução. Parece não haver uma boa razão pela qual uma ditadura científica ser algum dia derrubada” – Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo Revisado” – 1958

Então esse é o tipo de mundo em que vivemos hoje, uma ditadura científica, mas também, mais importante, um mundo onde aprendemos a amar nossa servidão ou, se você não a ama, não consegue ver um mundo fora disso. Estes últimos acreditam que ela é errada, mas não conseguem acreditar em um mundo onde o bem não apenas exista, mas que seja o precedente em todas as coisas. ‘Tentamos, mas falhamos e, portanto, só podemos fazer o melhor que pudermos para sobreviver neste momento.’

Esse é um pensamento completamente consciente que foi inserido na mentalidade cultural e esse tipo de ideia repugnante não poderia ter sido bem-sucedida sem primeiro enterrar, deturpar, diluir ou, como no caso de Shakespeare, onde tentam usá-lo como modelo para mais ‘temas modernos’ e perdem o que era o propósito original e a essência da obra de arte.

Uma pessoa que perdemos em grande parte de nossa consciência nas artes é Friedrich Schiller, que é praticamente o Shakespeare da Alemanha.

Friedrich Schiller – 1759-1805, o Poeta da Liberdade, também conhecido como o Shakespeare da Alemanha

Pushkin, o famoso poeta russo, poder-se-ia dizer o Poeta Russo da Liberdade, foi muito influenciado pelas obras de Schiller, e ambos os poetas foram muito influenciados pelas obras de Shakespeare.

O enterro de Schiller foi feito de forma muito consciente porque Schiller realmente oferece o antídoto, mais do que qualquer outro poeta ou filósofo que li, onde podemos unir o mundo moral, o mundo belo e o bom com a realidade em uma harmoniosa união; não é algo que precisa ser forçado, ou ensinado ou pregado às pessoas, mas ficamos realmente felizes em fazer isso e nos alegramos em formar tal união.

O objetivo desta palestra é nos tornar conscientes do que vem acontecendo nos últimos cem anos em termos do existencialismo cultural e espiritual que surgiu especialmente após a Primeira Guerra Mundial, de modo que a geração jovem que viveu a Primeira Guerra Mundial passou a ser conhecida como a ‘Geração Perdida.’ Essa perspectiva continuou por todas as gerações seguintes, de modo que hoje temos o cinismo debilitante como a nova estrutura e isso foi fabricado especificamente com o objetivo de escravizar a população. Você não precisa de nenhum uso de força ou outras medidas extremas se tiver uma população que acredita em uma forma extrema de existencialismo.

Como diz Aldous, temos pão, circo, milagres e mistérios de sobra em nossos dias, mas não é isso que acaba criando uma população que permanecerá essencialmente paralisada enquanto a tirania cada vez mais domina o povo. A verdadeira fonte de nossa escravidão é nossa rejeição de que possa haver uma realidade alternativa, que o mundo possa existir com o Bem presidindo e que a Harmonia possa ser uma coisa eterna.

É nossa cultura, nossa educação e, portanto, nossas artes e nossa distorção de ensinamentos religiosos e espirituais que fizeram com que muitos aceitassem uma realidade artificial onde eles só podem existir como um tipo de escravos. Muitos, não todos, mas eu ousaria dizer a maioria, que pelo menos no ocidente, afirmam ter religião e espiritualidade também aceitam essa realidade artificial de ser um escravo. Eles podem argumentar que não é um estado permanente, mas não o resistem ou o desafiam, eles podem aceitar que aqueles que participam de um mundo tão degradado serão julgados de acordo e se consideram seguros, pois simplesmente deram check-out, desconectaram-se da participação construtiva de qualquer coisa. E depois há aqueles, que estão crescendo em número, que pensam que uma calamidade precisa ser trazida para por ordem e finalmente limpar o mundo e purgá-lo de seus “poluentes humanos.”

Assim, vivemos em um mundo onde a maioria acredita que o mundo é do jeito que é porque é e não pode existir de outra forma. Isso é tudo o que se precisa essencialmente de uma população para escravizá-la, pois tal povo não levantará um dedo para desafiar os méritos de um sistema tão desfigurado e injusto.

Tudo o que Schiller escreveu (incluindo suas peças, sua poesia, seus ensaios, seus escritos históricos) foi uma investigação de como alguém poderia unir o Moral com o Livre. Na época, Immanuel Kant era um dos filósofos mais populares e permanece assim até hoje. Muitos de nós realmente adotamos o pensamento kantiano, estejamos conscientes disso ou não. A ética kantiana gira em torno da ideia de “dever”; ações que são executadas em torno de um princípio de dever foram consideradas a única maneira de julgar sua importância e seu valor moral. Daí a expressão ‘ser kantiano…’ Isso se sobrepõe muito ao estoicismo que Kant levou adiante.

A ideia de dever mundial de Kant é considerada a ordem mais elevada, em tal mundo tudo estará sujeito a esta regra, incluindo as Artes e o que julgamos ser o Belo, o Bom e o Livre. Schiller discordou totalmente disso e pensou que seus efeitos eram incrivelmente destrutivos porque nos ensinou que só podemos ser considerados ‘bons’ ou ‘morais’ ou qualquer outro título honroso, através de uma intervenção forçada sobre nós mesmos, domesticando nossos instintos e nossos desejos. Assim, não somos inerentemente bons, mas inerentemente não bons, e devemos sempre intervir em nós mesmos para nos tornarmos ‘bons’.

Sob essa visão, tudo se torna vários tons de cinza. Onde está a Vida, a Alegria e a Felicidade, o Belo e o Livre para caber em tal construção se eles não se encaixam em algum molde rígido de ‘dever’? E a questão também é levantada, “dever para quê exatamente?” Assim, sob a visão kantiana haveria sempre um pedaço de nós mesmos que teríamos que manter para sempre escondido, trancado, enjaulado e teríamos que bater nesse animal dentro de nós para evitar que ele se tornasse muito pesado, teríamos que passar fome para não sucumbir aos seus desejos.

O que Schiller trouxe à tona foi que isso estava totalmente errado e que nossos instintos e desejos não são inerentemente ou naturalmente ruins, mas devem simplesmente ser cultivados, como nos cultivamos em outros assuntos, como a fala. Não nascemos com a capacidade de falar uma língua, mas uma vez que a aprendemos, não é algo antinatural para nós, mas não apenas natural, mas essencial para nosso pensamento e ser. Schiller argumentou que poderíamos nos cultivar dessa maneira de modo que nosso instinto natural, sem hesitação ou pensamento, estivesse naturalmente em sintonia com o Bem. E essa natureza, incluindo nossa própria natureza, não é algo para ser menosprezada ou constantemente chicoteada, mas é essencial para acessarmos essa parte melhor de nós mesmos e irei elaborar mais sobre isso à medida que avançamos.

Como já mencionado, Schiller foi o Shakespeare da Alemanha. O famoso compositor italiano de óperas Giuseppe Verdi trouxe para o palco da ópera muitas das obras de Schiller, como Giovanna d’Arco (Joana d’Arc, baseada na peça de Schiller A Donzela de Orleans), I Masnadieri (Os Ladrões de Schiller), Don Carlos e Luísa Miller. Eu recomendo fortemente que as pessoas assistam a essas apresentações, especialmente a de Don Carlos, que se passa no cenário da Inquisição espanhola, e Joana d’Arc.

Outro drama muito famoso que Schiller escreveu foi Wilhelm Tell, que é uma história que faz parte da história real, de como a Suíça se tornou uma república em oposição à monarquia/império governante que estava sujeitando o povo na época. E o Juramento de Rütli ficou famoso por causa da peça de Schiller, Wilhelm Tell [N.T. Guilherme, em português).

“Não, existe um limite para o poder do tirano! Quando o homem oprimido não encontra justiça, quando o fardo cresce insuportável, ele apela com um coração destemido para os céus, e então traz dele seus direitos eternos, que aí residem, inalienavelmente seus, e indestrutíveis como as próprias estrelas. O estado primário da natureza reaparece, no qual o homem confronta seu parceiro; e se todos os outros métodos falharem em atender sua necessidade, um último recurso remanesce – sua boa e velha espada. Os melhores de nossos bens podemos defender, da violência. Nós nos levantamos diante do nosso país, nos levantamos diante de nossas esposas, de nossas crianças!
Nós queremos ser uma única irmandade, nunca nos separarmos diante do perigo ou da angústia. Queremos ser livres, como nossos pais foram, e preferivelmente morrer a viver em escravidão. Queremos confiar no mais alto Deus, e nunca temer o poder humano.” – “The Rütli Oath”, em “Wilhelm Tell”, de Friederich Schiller

Palavras muito poderosas. Na época em que Schiller escreveu isso, a Revolução Americana havia ocorrido não muito tempo antes e havia muito desejo na Europa de fazer o mesmo, derrubar a monarquia e o sistema feudal que escravizava o povo e formar repúblicas para o bem-estar e benefício do povo pela primeira vez. Portanto, os Estados Unidos foram um verdadeiro modelo inspirador para muitas pessoas, muitos patriotas, na Europa.

Houve um grande esforço para enterrar as obras de Schiller por esse motivo, porque ele estava muito focado em encorajar esse movimento para que o povo alcançasse a liberdade não apenas estabelecendo uma república, mas ele também estava muito focado em como isso poderia ser alcançado culturalmente, o que é realmente a coisa mais importante, pois você deve primeiro ter uma identidade livre antes de poder cometer ações em apoio a uma ideia de liberdade. Caso contrário, tudo pode se tornar muito confuso e caótico, como infelizmente vimos com o Terror Jacobino da Revolução Francesa.

Schiller já foi muito celebrado e não apenas na Alemanha, mas em todo o mundo. Como já mencionei, Pushkin, o poeta da liberdade na Rússia, também foi muito influenciado por Schiller, e Pushkin fez muito pela cultura russa. Até hoje, os russos apreciam Pushkin, os britânicos continuam a valorizar Shakespeare como um deles, mas, infelizmente, os alemães esqueceram Schiller e esse foi um ato consciente do qual falarei um pouco mais adiante.

Uma cidadania que prefere morrer a viver na escravidão e nunca temer o poder humano, ou seja, a força da tirania, que é um poder humano. A tirania não é onipotente, não é um poder absoluto e não devemos tolerar suas tentativas de se impor sobre nós. Não devemos nos permitir desacreditar, abandonar essa ideia do Bem, do Belo e do Verdadeiro apenas por causa de algum poder tirânico humano que realmente não tem permanência no mundo em que vivemos.

Um povo que prefere morrer a viver na escravidão certamente não é uma narrativa aceitável para crianças, muito menos para adultos em um mundo governado por tiranos que dizem que não temos o direito de escolher o que o futuro nos reserva. As obras de Schiller se concentram em como alcançar a liberdade do domínio tirânico, inclusive no nível da cultura, que muitas vezes é esquecido como um componente essencial para a liberdade e um componente essencial para ditar se uma sociedade será composta de pessoas livres ou uma sociedade de pessoas escravas.

Então, por que a Alemanha esqueceu Schiller?

Monumento de Goethe e Schiller em frente ao Teatro Nacional em Weimar – 1857. Os dois titãs do Classicismo de Weimar

Goethe, que ainda é lembrado e celebrado na Alemanha, era amigo íntimo e aliado de Schiller. Tanto Goethe quanto Schiller foram reconhecidos no século XIX como as duas figuras mais reverenciadas da literatura clássica alemã. Ambos viveram na cidade de Weimar, localizada no centro da Alemanha, e foram as figuras seminais do movimento literário conhecido como Classicismo de Weimar. O classicismo de Weimar, ao contrário do que a Wikipedia quer fazer você acreditar, nunca foi um novo humanismo que surgiu das ideias do romantismo. Na verdade, foram as mitologias do movimento romântico que lançaram uma forma de guerra cultural contra os clássicos alemães.

De Nietzsche a Wagner, o movimento de protesto romântico do Movimento da Juventude Alemã, ao pessimismo cultural romântico e existencialismo do período pós-Primeira Guerra Mundial (conhecido como a ‘Geração Perdida’), todas essas ondas de pensamento foram essencialmente uma parte da mesma tradição ininterrupta que ia contra o classicismo alemão. Uma vez que foi a Alemanha que se tornou líder no mundo ocidental na criação de gênios nos clássicos foi, portanto, a Alemanha quem sofreu o ataque mais pesado.

Todos esses chamados movimentos românticos promoveram formas de niilismo heroico que ajudaram a moldar o movimento ideológico dos nazistas mais tarde.

O Congresso de Viena (1814-1815) é o que iniciou toda essa guerra cultural no Classicismo de Weimar em particular. (O classicismo de Weimar também foi o motivo pelo qual a Alemanha teve tantos grandes compositores que surgiram ou foram influenciados por esse período.) Muitos historiadores reconhecem que o Congresso de Viena, responsável pela divisão desumana da Europa após as Guerras Napoleônicas, foi o grande culpado pelo fomento político que levou à Primeira Guerra Mundial um século depois.

Outro Congresso de Viena foram os Decretos de Carlsbad, adotados na Confederação Alemã em 1819 e que sustentavam o domínio do império e da monarquia. Então, novamente, esta foi uma reação muito clara à inspiração da Revolução Americana que estava ocorrendo na Europa. Houve uma intervenção pesada na Europa por causa disso e parte do processo foram os Decretos de Carlsbad que proibiriam qualquer tipo de arte que promovesse esta ideia de liberdade do povo, livre do império, livre da monarquia e da tirania.

Os Decretos de Carlsbad estabeleceram severas limitações às liberdades acadêmicas e de imprensa e criaram uma comissão federal para investigar todos os sinais de agitação política nos estados alemães, isso foi uma reação à onda de republicanismo que varreu a Europa após o sucesso da Revolução Americana contra a monarquia da Grã-Bretanha. Assim, os organizadores do Congresso de Viena viram esse espírito do republicanismo como uma forma de sedição revolucionária que deveria ser esmagada em sua raiz cultural a todo custo.

E é também por isso que os Estados Unidos receberam muitos dos melhores que estavam ensinando os clássicos e que eram artistas desse movimento clássico, muitos acabaram indo para os Estados Unidos para escapar dos Decretos de Carlsbad.

O período clássico de Weimar, iniciado por volta de 1772, recebeu o nome do local onde muitos dos principais pensadores viveram na época, Goethe e Schiller, Wilhelm e Alexander von Humboldt também viveram em Weimar (as reformas educacionais de Humboldt foram uma das coisas fortemente atacadas sob os Decretos de Carlsbad). O período clássico de Weimar foi definido por um espírito revolucionário de criatividade na literatura e na cultura. Não se tratava apenas de criar de novo, mas de construir sobre as mais ricas tradições clássicas do passado e foi muito influenciado pelo classicismo grego em particular.

Goethe e Schiller tornaram-se os líderes da dimensão literária desse movimento. Goethe foi nomeado Diretor do Weimar Theatre (hoje Teatro Nacional) em 1791 e foi nesse período que os dramas épicos de Schiller, como a  Trilogia Wallenstein, a Donzela de Orleans (Joana d’Arc), Maria Stuart (a história de Maria da Escócia e Rainha Elizabeth I) e Wilhelm Tell foram apresentados pela primeira vez no palco.

Schiller conhecido durante seu tempo e além como o Poeta da Liberdade escreveu Wilhelm Tell em 1804 e é considerado uma obra-prima até hoje e é especialmente amado por muitos na Alemanha e na Suíça. É uma história de como o império e a tirania foram derrotados por um povo que sustentou e defendeu sua dignidade e liberdade. A história folclórica se passa na Suíça do século 14 durante o domínio dos Habsburgos do Império Austríaco. De acordo com registros históricos, referenciados no Livro Branco de Sarnen, escrito em 1474 como uma coleção de manuscritos medievais, o Juramento de Rütli foi uma conspiração para derrubar a tirania dos Habsburgos e foi o que lançou a rebelião de Burgenbruch. Entre os nomes mencionados no manuscrito medieval está o do herói Wilhelm Tell.

Este pequeno grupo de suíços de apenas três cantões (municípios) na época, que cresceu para 26 cantões, opôs-se ao domínio tirânico do Império Austríaco e formou a Confederação Hevéltica. O Juramento de Rütli foi a primeira declaração de independência da Suíça.

A Alemanha durante a época em que Schiller escreveu ” Wilhelm Tell” não era uma nação soberana, mas governada entre a Monarquia Austríaca dos Habsburgos e o Reino da Prússia. Após a era napoleônica, o Congresso de Viena fundou a Confederação Germânica (em substituição ao Sacro Império Romano), vagamente composta por 39 estados. O Imperador da Áustria manteve a “presidência” permanente desta Confederação Alemã até a Guerra das Sete Semanas entre o Reino da Prússia e o Império Austríaco em 1866. A Prússia venceu e assumiu o “direito inerente” de governar as terras alemãs.

Assim, os efeitos da escolha controversa de Schiller do cenário histórico para seu drama épico “Wilhelm Tell” durante sua vida e além, não devem passar despercebidos. Schiller escolheu enfatizar esse período da história, muito parecido com o que Shakespeare havia feito, como uma lição para as pessoas de seu tempo, de que ninguém deveria se sujeitar à loucura e aos caprichos de um tirano. Por sua vez, Schiller definiu o espírito que seria necessário para se opor à escravidão do império e do domínio imperial. É por isso que “Wilhelm Tell” ainda está entre os dramas mais amados de Schiller.

Não é por acaso que Beethoven (1770-1827) escolheu um poema de Schiller, “Ode to Joy” (Ode à Alegria) para culminar o trabalho de sua própria vida em sua 9ª Sinfonia.

Beethoven também era pelo republicanismo e sua 9ª Sinfonia é claramente um chamado para que a voz do povo se regozije com o reconhecimento de que todos os homens são irmãos e que toda a humanidade está destinada a viver em harmonia e paz. Ode to Joy foi originalmente intitulado “Ode to Freedom” (Ode à Liberdade) de Schiller. Alexander Thayer em sua biografia de Beethoven escreveu “o pensamento está próximo de que foi a forma inicial do poema, quando ainda era uma ‘Ode à Liberdade’ (não ‘à Alegria’), que primeiro despertou admiração entusiástica por ele na mente de Beethoven

Este é o espírito que foi atacado com os Decretos de Carlsbad. Quão maravilhoso foi quando o “Ode à Alegria” de Beethoven foi executado por um coro japonês de 10.000 pessoas, o que apenas mostra como isso é universalmente entendido como um apelo à liberdade. A execução desta peça com um coro de 10.000 pessoas pretende representar a voz da humanidade.

Esse foi o espírito que também foi atacado pelo movimento romântico, sintetizado por Richard Wagner e Friedrich Nietzsche. Também não é por acaso que Wagner era o compositor favorito de Adolf Hitler, você pode pensar que isso é injusto com Wagner, mas não deixa de ser relevante.

Wagner e Nietzsche são os pais da arte e do movimento cultural em que vivemos hoje e vimos o quão extremas essas formas de arte foram retratadas e como continuam a atacar a arte clássica, especialmente a música clássica. Os filmes de Hollywood há muito projetam a ideia de que uma profunda apreciação da música clássica agora é frequentemente retratada como ligada a nazistas ou psicopatas, especialmente no que diz respeito à música de Johannes Sebastian Bach (1685-1750).

Além de inúmeras cenas de filmes de oficiais da SS tocando música clássica em seus gramofones antes de fazer algo hediondo, também há cenas como esta na Lista de Schindler, onde o Prelúdio de Bach da Suíte Inglesa no. 2 é tocado enquanto atos horríveis de violência são conduzidos por nazistas.

Também vemos isso no amor de Hannibal Lecter pelas Variações Goldberg de Bach, juntamente com cenas de canibalismo, vistas no original e no remake da série de TV de 2013.

E mais uma vez em Laranja Mecânica de Stanley Kubrick onde a 9ª Sinfonia de Beethoven é tocada durante a “cena da lavagem cerebral” com referências e simbolismos nazistas, e em outra cena onde o protagonista está tendo visões e fantasias violentas.

Combinar música clássica com nazistas e psicopatas não é coincidência. Faz parte da guerra cultural em curso contra o classicismo de Weimar e o classicismo em geral como algo semelhante ao totalitarismo. Considerando que, na verdade, era exatamente o oposto. O totalitarismo via o classicismo de Weimar com sua tendência revolucionária de liberdade para o povo como uma ameaça mortal à sua existência.

Hitler deu a conhecer quem estavam entre os seus favoritos, incluindo compositores “germânicos” como Wagner e Anton Bruckner, que eram ambos modelos do movimento romântico. Durante o reinado nazista, forte censura e controles culturais foram aplicados para manter o que Hitler identificou como uma forte identidade germânica, fortemente influenciada por artistas do movimento romântico.

O lendário e extremamente talentoso maestro alemão Wilhelm Furtwängler (1886-1954), destaca-se neste período de forte censura. Ele não apenas se recusou a se tornar um adepto do nazismo, mas a Gestapo estava ciente de que ele estava prestando assistência aos judeus e dando grande parte de seu salário a emigrantes alemães durante seus shows fora da Alemanha. Georg Gerullis, diretor do Ministério da Cultura, comentou em uma carta a Goebbels: “Você pode me nomear um judeu em cujo nome Furtwängler não interveio?”

Furtwängler foi o maestro principal da Berlin Philharmonic Symphony de 1922-1945. Em 1934, Furtwängler descreveu publicamente Hitler como um “inimigo da raça humana” e a situação política na Alemanha como um “schweinerei” (que significa literalmente porcaria).

Em 1933, Furtwängler reuniu-se com Hitler para tentar deter a política anti-semita no domínio da música. Berta Geissmar, uma colaboradora próxima de Furtwängler, escreveu: “Depois da audiência, ele me disse que agora sabia o que estava por trás das medidas tacanhas de Hitler. Isso não é apenas anti-semitismo, mas a rejeição de qualquer forma de pensamento artístico, filosófico, a rejeição de qualquer forma de cultura livre…

Tantos anos depois, Furtwängler seria um dos principais alvos de destruição pela nova caça às bruxas cultural dirigida pela CIA, conhecida como o  Congresso para a Liberdade Cultural  (o novo Congresso de Viena), fundado em 1949 para lançar um ataque pós-modernista à cultura de música clássica alemã.

Furtwängler escreveu em seu diário em 1935 que havia uma contradição total entre a ideologia racial dos nazistas e a verdadeira cultura alemã, a de Schiller, Goethe e Beethoven. Acrescentava em 1936: “viver hoje é mais do que nunca uma questão de coragem”.

É essa questão de coragem que vai definir o que vai ditar a futura cultura não só da Alemanha, mas de todo o mundo ocidental. A Cultura e a Arte seriam finalmente julgadas pelos padrões da verdade, beleza e bondade? Ou tais coisas seriam enterradas no solo e esquecidas, como o que aconteceu em grande parte com as obras de Schiller e sua morte misteriosa e abrupta em 1805, que levou seu corpo a ser jogado em uma vala comum antes que um funeral adequado pudesse ser realizado?

[Para saber mais sobre esta história, consulte o belo artigo de Irene Eckerts “Schiller vs. the Congress for Cultural Freedom”]

Então, o que aconteceu culturalmente depois da Segunda Guerra Mundial foi feito sob o mesmo disfarce do que aconteceu geopoliticamente sob a Cortina de Ferro, para impedir qualquer tipo de comunicação ou participação ou aliança entre o Oriente e o Ocidente. A Cortina de Ferro cultural foi administrada no oeste em grande parte pelo Congresso para a Liberdade Cultural, que quase todo mundo sabe agora que foi uma operação administrada pela CIA e foi modelada na Escola de Frankfurt, que estava no comando dessa nova cultura ditada. Essa nova cultura que estava sendo promovida pela Escola de Frankfurt e pelo Congresso para a Liberdade Cultural afirmava que estava eliminando todos os elementos totalitários da cultura, de modo que a repetição de outra Alemanha nazista nunca mais pudesse ocorrer, como se o Classicismo de Weimar fosse o responsável pelo surgimento do nazismo. A Escola de Frankfurt e o Congresso para a Liberdade Cultural começaram a rotular as coisas como inaceitáveis, usando a acusação de que tais obras de arte promoviam o totalitarismo que incluía ideias de liberdade, verdade e propósito. Estes foram agora relegados ao domínio do totalitarismo no mundo pós-Segunda Guerra Mundial.  

O Salão dos Artistas Exilados na Califórnia, o Salka Viertel, tinha muitos desses nomes proeminentes, alguns deles estavam cientes do que faziam parte e alguns deles não estavam tão cientes do que estavam participando, mas todos desempenharam papéis bastante importantes no que seria a cultura e a indústria do entretenimento. Um dos indivíduos que estava particularmente ciente do que fazia parte era Theodor Adorno, outro é Aldous Huxley (para saber mais sobre este último, veja minha série “ Quem será corajoso no novo mundo de Huxley? ”).

No caso de Adorno, a utilização da música foi a ferramenta definitiva no behaviorismo social de massa. Além disso, Adorno foi um pioneiro da Escola de Frankfurt e um de seus principais membros. Para dar às pessoas uma ideia do tipo de filosofia que Adorno promoveu, basicamente ele deu a base da Arte Moderna não apenas na música, mas também em todas as suas outras formas.

“O que a música radical percebe é o intransfigurado homem sofredor… O registro sismográfico do homem traumatizado se torna, ao mesmo tempo, a lei estrutural da música. Ela proíbe a continuidade e o desenvolvimento. A linguagem musical é polarizada de acordo com seu extremo; em direção a gestos de choque que se assemelham a convulsões por um lado, e por outro em direção a uma paralisação cristalina de um ser humano cuja ansiedade causa uma paralisia em suas trilhas… A música moderna busca o esquecimento absoluto como objetivo. É a mensagem que resta de desespero dos naufragados” – Theodor Adorno em “A Filosofia da Música Moderna”

Como veremos, muito do simbolismo que ele usa ao descrever o que deseja alcançar na Música Moderna e na Arte Moderna em geral é muito semelhante as práticas do MK Ultra estavam usando terapia de choque em seus “pacientes.”

Theodor Adorno em sua juventude era na verdade um promissor pianista concertista que mais tarde estudou em Viena com o compositor atonal Arnold Schoenberg. Em 1946, enquanto trabalhava nos Estados Unidos na agenda do pessimismo cultural da Escola de Frankfurt, ele escreveu o livro “A Filosofia da Música Moderna” como uma diatribe contra a cultura clássica.

Vou compartilhar outra citação de Adorno que, novamente, está muito alinhada com os projetos MK Ultra/Tavistock que estavam acontecendo ao mesmo tempo.

“Não é a esquizofrenia que é diretamente expressada aí; mas a música imprime em si mesma uma atitude semelhante ao dos doentes mentais. O individuo traz sua própria desintegração… Ele imagina a realização da promessa através da magia, mas ainda assim dentro do reino da atualidade imediata… Sua preocupação é dominar traços esquizofrênicos através da estética consciente. Ao fazer isso, ele espera justificar a insanidade como verdadeira saúde.” – Theodor Adorno em “A Filosofia da Música Moderna”, 1949

Esta foi uma grande corrente que moldou a filosofia do Movimento de Contracultura, que novamente foi um ataque aos ensinamentos clássicos. Seu nome já dizia tudo. A assim chamada liberdade dos grilhões da cultura clássica tomaria a forma de invocar traços esquizofrênicos através do domínio da consciência estética (estética significando o conjunto de princípios que fundamentam como definimos e apreciamos um padrão de Beleza). Assim, traços esquizofrênicos foram intencionalmente induzidos no ouvinte de Música Moderna conforme a prescrição da Escola de Frankfurt. Isso foi alcançado encorajando uma espécie de looping de fragmentação. É por esta razão que a música popular de hoje é tão repetitiva. Não se destina apenas a induzir um estado sedado semelhante ao transe, mas também a encorajar a fragmentação do pensamento.

A música foi a mais eficaz em produzir esse tipo de efeito porque mesmo dentro de um filme ou série de TV é preciso haver algum tipo de enredo coerente, por mais banal que seja; com a música moderna, com o atonalismo para o qual Schoenberg trabalhou com Adorno na produção, o enredo que estava presente na música clássica foi removido. É como assistir a um filme que muda de história, cenário e personagens a cada poucos minutos, não há uma direção ou propósito coerente.

O advento das mídias sociais realizou no domínio da troca de informações o que a Música Moderna realizou na promoção do atonalismo. Esta é outra forma de encorajar a fragmentação do pensamento. Se o conteúdo for cada vez mais estressante ou perturbador, funcionará para aumentar a sugestionabilidade e diminuir nossa consciência do que está entrando em nosso subconsciente e o que está criando o pano de fundo para o que posteriormente formar nossas percepções da realidade, inclusive em questões de moralidade. Assim, quanto mais fragmentada a mente, mais sugestionável. E é por isso que eles estavam promovendo esse tipo de ideia na arte e na cultura. Junto com o fato de você estar se movendo na direção oposta do que é ser livre.

Adorno realmente escreveu em sua Crítica Cultural da Sociedade em 1949 que: “Escrever poesia depois de Auschwitz é barbárie”

Adorno insistia que em um mundo pós-Segunda Guerra Mundial todas as formas de beleza deveriam ser expurgadas de nossa cultura. Ele queria encorajar um colapso mental da sociedade em grande escala para efetivamente reiniciar o sistema. Isso usaria os mesmos métodos estudados por William Sargant, que trabalhava com o Instituto Tavistock. Para afetar um maior controle do pensamento e percepção de massa, seria necessário induzir o estresse máximo para aumentar a sugestionabilidade. Só então o sujeito poderia aceitar que era sua própria escolha adotar quaisquer condições comportamentais que lhe fossem sugeridas.

E a maneira como Adorno expõe isso em sua Filosofia da Música Moderna é a que segue:

  1. Despersonalização, a perda da consciência com seu próprio corpo
  2. Hebfrenia, que ele define como “a indiferença do indivíduo doente com o que lhe é externo.”
  3. Catatonia, o que ele escreve como “um comportamento similar é encontrado em pacientes sobrecarregados pelo choque.”
  4. Necrofilia, para o que Adorno escreve “necrofilia universal é a última perversidade de estilo”

– Theodor Adorno em “A Filosofia da Música Moderna”

Foi a aplicação da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt onde nos foi dito que tudo o que viesse antes de nós dentro de qualquer campo de aprendizagem estabelecido agora tinha que ser jogado no lixo e tínhamos que enfrentar a tarefa de reprogramar como víamos nosso mundo, nossa realidade. Isso só poderia ocorrer invocando estados extremos de fragmentação, ou seja, traços esquizofrênicos, a fim de reconstruir as peças de uma maneira dita mais verdadeira, sem os antolhos culturais do passado, ou assim nos disseram.

Parte dessa libertação da cultura clássica, segundo a Escola de Frankfurt, consistia em nos libertarmos da compreensão clássica da Estética e, portanto, essencialmente, do nosso conceito de Beleza. Portanto, um princípio central do Movimento de Contracultura era agora considerar o feio como belo, o belo como feio e a insanidade como a nova sanidade.

Também deve ser notado que muito do trabalho da Escola de Frankfurt também seria promovido pelo Congresso para a Liberdade Cultural agora amplamente reconhecido como tendo sido financiado e a serviço da CIA. De fato, o trabalho da Escola de Frankfurt e seu interesse em criar efeitos de choque nas artes para aumentar os traços esquizofrênicos se encaixa perfeitamente com o que a CIA estava trabalhando em seu programa MK Ultra, que estava vinculado ao Movimento de Contracultura.

Arte Sem Propósito (também conhecida como ‘Arte Libertadora)
(para os propósitos de representação do totalitarismo
Amostras de pinturas de Pollock (esquerda) e Rothko (direita)

A Arte Sem Propósito tornou-se a nova Arte Libertadora, pois o propósito tornou-se agora uma “representação do totalitarismo.” A lógica da Guerra Fria cultural afirmava que, uma vez que o comunismo e o fascismo dependiam de uma iconografia rígida e realista para avançar, o “mundo livre” do outro lado da Cortina de Ferro dependeria da liberdade emocional abstrata. Enquanto o comunismo se baseava no sacrifício do indivíduo pelo bem do todo, essa “democracia” da Guerra Fria afirmava que as necessidades do todo eram separadas da liberdade arbitrária do indivíduo de fazer o que “sentisse bem”. O grau em que o novo modernismo ofendeu a ordem e a lógica foi proporcional ao grau em que defendeu a democracia e o capitalismo liberal.

O Belo havia se tornado uma piada de mau gosto, como disse Adorno, fazia parte de uma “barbárie”. Qualquer coisa que advogasse a Beleza nas artes agora era considerada barbárie em um mundo pós-Segunda Guerra Mundial, onde nos dizem que não há nada além de feiura e sofrimento; foi alegado que a feiura provou ser um retrato mais preciso da realidade e que qualquer coisa que retratasse a Beleza era uma mentira perigosa. No entanto, se ficarmos apenas com feiura e sem um propósito, não há Liberdade, não há possível Libertação em tal mundo.

Estes são alguns outros exemplos de Arte Moderna, o ‘novo belo’, por assim dizer.

“O Beijo da Morte” assim pensado por Jaume Barba ou Joan Fontbernat – 1930

O “Beijo da Morte” que muitas pessoas acham bonito e romântico, embora quando você olha para o crânio de frente, não parece tanto um beijo, senão a sucção da essência da vida dessa pessoa, mas nos tornamos seduzidos por esse tipo de Drácula, como o conceito de morte. A morte tornou-se uma espécie de conceito belamente mórbido.

Abaixo está outro exemplo de Arte Moderna, o que agora é considerado arte ‘libertadora’.

“Tiro no Canto”, Anish Kapoor, 2008-2009

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Cynthia Chung

Presidente e co-fundadora da Rising Tide Foundation, e escritora da Strategic Culture Foundation.

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