Do tennis ao heroísmo, a conquista da glória ou dos Céus requer uma disposição contra o conforto. Aquele que vence é antes aquele que supera a sua dor, sua mente e seu corpo. É o espírito na direção do seu destino.
Em transmissão de Roland Garros, um dos quatro torneios de tennis mais importantes no ano, o ex-tenista brasileiro Fernando Meligeni recebeu uma curiosa pergunta de uma telespectadora, sobre “o que motiva” um atleta a se ‘destruir’ em quadra para subir no ranking ou ganhar um título.
Com um certo riso na voz, Meligeni explicou que é uma decisão particular de realizar um objetivo que necessariamente transcende os limites costumeiros do ser humano. Para o atleta, que nunca chegou a ganhar um Grand Slam, mas que foi um dos maiores tenistas do nosso país, o mais alto nível só pode ser adquirido sob a dor, porque sem esta, isto é, conformando-se com os sinais do corpo, nunca conhecemos sequer nossos limites, quiçá nossa capacidade de superá-los.
No mesmo jogo, ele explicaria ainda como a tenista chinesa Qinwen Zheng estava justamente descobrindo novas potencialidades do seu jogo por ter de arriscar mais diante da dor. A atleta sentiu uma das pernas durante o segundo set e precisou de atendimento, eventualmente perdendo no terceiro set para a número 1 do mundo, Iga Swiatek.
Mas o que quero enfatizar é que a pergunta feita à Meligeni reflete, sutilmente, uma disposição do espírito inautêntico. Há ali uma certa sinalização crítica quanto à validade da conquista, da honra e da glória diante do sofrimento. O aumento do conforto é um dos grandes responsáveis por essa mentalidade.
Ao contrário do pensamento cartesiano, a mente não exerce permanentemente um domínio e proeminência sobre o corpo, que é também fonte de percepção e modelador da consciência. Conforme o corpo é colocado numa situação de conforto e repouso, ele exerce uma pressão sobre a intencionalidade do ser, o instando a permanecer nessa condição. Essa é a maneira mais direta de alcançar um estado dissociado, alienado de si.
A conquista sobre o corpo é também uma conquista sobre a mente, é uma intencionalidade pura que transborda sobre as dimensões limitantes do ser-no-mundo particular. Não é a mente cartesiana que impõe a vontade do atleta em romper com os grilhões da dor, mas o espírito que, soprado no corpo e movendo-se como alma, inspira a transcendência.
Não a toa, todo atleta que se submete ao corpo, que teme pelo futuro após a aposentadoria e contenta-se com a longevidade, acaba vitimado pela mediocridade.
Psicologicamente, o mundo contemporâneo nos convida a encontrar conforto no que somos, como somos, nossas limitações, fraquezas (que já nem podem mais ser tratadas como o que são), etc.
O reino da mediocridade exige, portanto, um verticalismo contra essa mentalidade. É preciso encontrar a disposição para ser mais do que aquilo que o corpo, a mente e a imposição liberal te convidam a ser. É preciso fugir do “mas tu é suficiente do jeito que é”, “não se importe, seja você mesmo”, “não force demais, faça o que dá pra fazer” e revitalizar um espírito de revolta contra a voz interior do limite, rompendo as fronteiras da imanência.
A conquista exige uma espécie de violência contra os limites, e ao contrário do que o espírito do conforto nos diz, a violência não é, em essência, uma força anti-humana ou sequer anti-vida. É a força dos que almejam os Céus.