Uma breve história de rebelião contra o mundo moderno, de como o tradicionalismo evoliano não se encaixou nos limites histórico-ontológicos do fascismo e do nazismo.
Karel Veliký
Quando Revolta contra o mundo moderno (Rivolta contro il mondo moderno) foi publicado pela primeira vez na Itália em 1934, o livro passou praticamente despercebido.
Não que não tenha encontrado seus leitores, pois seu autor, o barão Julius Evola (1898-1974), então com 35 anos, já era suficientemente célebre em certos círculos (artísticos, herméticos, filosóficos e políticos), mas foi rejeitado por autoridades locais. Seis anos antes, em 1928, no preciso momento da reaproximação entre o Estado italiano e a Igreja Católica, que bem depressa levará à conclusão do Tratado de Latrão, o barão teve de enfrentar ataques indiscriminados tanto do lado católico quanto do lado do regime – fascista -, após ter publicado uma coletânea de seus ensaios sob o título Imperialismo pagão (Imperialismo pagano). Isso, no entanto, apenas contribuiu para a notoriedade da obra e do autor. Desta feita, por isso, os adversários de Evola decidiram pôr sua obra em silêncio…
Na Alemanha, a situação era diferente. Lá, Imperialismo pagão (Heidnischer Imperialismus, Armanen, Leipzig, 1933) já havia recebido um acolhimento favorável da parte de vastos círculos, que hoje resumimos, por uma questão de concisão, sob o termo “revolução conservadora”. Para a edição alemã de “Revolta” (Erhebung broad die moderne Welt, Deutsche Verlags-Anstalt, Stuttgart 1935), o barão, então, reformulou o texto, acrescentando um novo dispositivo de orientação, embora aquele já estivesse muito abrangente, e pediu ao poeta Gottfried Benn, que ele podia contar entre seus leitores mais assíduos desde “Paganismo”, para zelar pela linguagem na tradução.
Benn, que, inclusive, partilhava uma editora com Evola, em seguida escreveu uma longa resenha entusiástica, em que podemos ler, entre outras coisas:
“Trata-se de um livro cuja ideia repensa quase todos os problemas dos europeus, incluindo a justificação dos seus horizontes, e os leva a alguma coisa desconhecida e inédita até agora; aqueles que leram o livro verão a Europa de outra maneira. É, ademais, a primeira exposição muito abrangente da força motriz espiritual fundamental em obra na Europa hoje, e essa “obra” significa: uma força que define as épocas, destruindo o mundo inteiro, invertendo e orientando, é a força motriz fundamental contra a história. Por essa única razão, este livro é eminentemente importante para a Alemanha, porque a história é um problema especificamente alemão, a história da filosofia explica o modo germânico de autorreflexão.”
O livro foi objeto de críticas entusiásticas em Die Literarische Welt, Deutsches Adelsblatt (o jornal da nobreza alemã), bem como em Völkische Kultur e Der Hammer de Fritsch. Uma série de outros críticos emitiu comentários positivos, embora com algumas reservas. Em particular, não obstante, como evidencia a correspondência privada que subsiste, vozes se elevam para lançar advertências e críticas. O nome que tem mais peso hoje é o de Hermann Hesse, que, em uma carta de abril de 1935 endereçada ao editor Peter Suhrkamp, descreveu Evola como um autor “deslumbrante, interessante, mas perigoso”:
“Partilho de grande parte de sua concepção esotérica básica: por quase vinte anos, vi a história mundial não como uma espécie de ‘progresso’, mas, precisamente, como os antigos chineses, enquanto o declínio gradual de uma antiga ordem divina. Mas a maneira com que Evola trata disso, aqui com a ‘verdadeira’ história, lá com o ocultismo fanfarrão, é simplesmente perigosa. Na Itália, quase ninguém se deixou levar, na Alemanha é diferente (ver G. Benn, etc.).”
O influente pensador que foi o conde Keyserling, autor de Das Reisetagebuch eines Philosophen (A viagem de um filósofo, 1919), esperava o sucesso de Revolta por causa da “glorificação por Evola do mundo sagrado do homem solar…”, e sua afirmação de que apenas o renascimento deste mundo pode salvar a humanidade da extinção representa o melhor, talvez o único ponto de partida possível para a tendência pagã dos nacional-socialistas de espiritualizar sua visão de mundo”.
No entanto, isso nunca aconteceu. A leitura de Revolta contra o mundo moderno permaneceu um assunto muito privado, mesmo no Reich, mesmo que os autores de Le matin des magiciens, em retrospecto, caracterizassem o regime pela síntese “Guénon + Panzerdivisionen“. Deve-se sublinhar também que o ano de 1935 ainda pertence ao “período de transição” pós-revolucionário. Enquanto o regime passa a orientar (Gleichschaltung) sua política cultural, visando atrair ou rejeitar todas as correntes centrífugas, não há lugar no leito do rio do pensamento nacional-socialista para os pilares da Tradição, despojada de camadas da história por Evola. Assim, as edições ulteriores do texto da conferência romana de Evola, A Doutrina Ariana de Luta e Vitória em Viena (1941) e a tradução do Grundriß der faschistischen Rassenlehre (Berlim, 1943) foram mais uma vez somente o resultado de uma iniciativa individual ou manifestação de intercâmbio cultural com a Itália.
Com efeito, no ambiente difuso desses primeiros anos, Evola se tornou próximo não só por sua posição, mas também por sua personalidade, de vários outros “párias” posteriores (voluntários e involuntários), tais como, além de Benn, Edgar Julius Jung (autor do ferozmente antidemocrático Die Herrschaft der Minderwertigen, 1930, voltado para a desintegração do mundo político de homens sem valor e sua substituição por um “novo Reich”), que foi abatido durante a Noite das Facas Longas; Raphael Spann, filho de Othmar Spann, o teórico do “Verdadeiro Estado” (Der wahre Staat), cuja doutrina é qualificada por Alfred Rosenberg em Mythos como “nova escolástica”; Walter Heinrich, um dos principais discípulos de Spann e organizador do sudeta “Kameradschaftbund”, desumanizado pelos partisans de Henlein: “ele gostaria de liderar o povo nacional desde a mesa verde, como os franco-maçons”; Karl Anton Rohan, fundador da influente Europäische Revue, depois batido por Goebbels; e Heinrich von Gleichen, figura de proa do Deutschen Herrenklub, de quem o visionário do “Terceiro Reich”, Arthur Moeller van den Bruck, foi inicialmente próximo. Quer dizer, exclusivamente com as personalidades classificadas por Armin Mohler na nebulosa da “revolução conservadora” (Die Konservative Revolution in Deutschland, 1918-1932, primeira edição, 1950), com personalidades que encarnavam precisamente essas forças centrífugas (de direita) alternativas, que desejavam e pretendiam desviar a dinâmica da Nova Alemanha em um sentido ou outro. Não obstante, como Giorgio Locchi afirma com justeza: “se suprimíssemos Hitler e o nacional-socialismo, o campo da revolução conservadora, conforme Armin Mohler nos apresenta, certamente teria asas, mas perderia um centro (Ver L’essence du fascisme, 2ª edição, p. 56).
O leitor atento, o mais influente de Erhebung Wider Die Modern Welt foi, indubitavelmente, Heinrich Himmler, cujos fundos privados permitiram ao autor continuar a operar ocasionalmente no Reich em um domínio estreitamente definido e estritamente controlado. Mais reveladores do que a própria biografia de Evola (em que ele menciona, entre outros, outros “revolucionários conservadores” como Hans Blüher, Ernst von Salomon e Ernst Jünger) e suas Notas sobre o Terceiro Reich são os documentos remanescentes reeditados por Hans Werner Neulen e Nicola Cospito em Julius Evola nei documenti segreti del Terzo Reich (1986; sobre este ponto, ver pelo menos E. Gugenberger, Hitler’s Visionaries, Gateway, 2002). Diz-se que o barão não hesitou em discutir ruidosamente com o Reichsführer da SS seus conhecimentos adquiridos não apenas pelo estudo, mas também pelo método da perspicácia interior (in-tu-eri). O fato de que Himmler lhe confia a redação de seu artigo, que Evola publicou no suplemento cultural (“Diorama”) do Il Regime fascista, de 15 de junho de 1939, talvez demonstre o respeito do segundo pelo primeiro. Ou numa época em que o não-conformista Hermann Wirth há muito havia sido substituído na direção do Ahnenerbe por Walter Wüst, decano da Faculdade de Filosofia de Munique. A relutância com a qual a “visão polar” de Wirth (ver Der Aufgang der Menschheit, 1928), embora projetada no contexto de vários “fatos prováveis” parciais, foi tratada por mais pesquisadores acadêmicos, já fora constatada por Evola, ele também um não-conformista, na qualidade de convidado no segundo Nordische Thing, organizado por L. Roselli em Bremen, em 1934. De fato, entre os convidados italianos, a resposta mais calorosa, para desgosto de Evola, foi dada a Giulio Cogni, que estabeleceu uma ligação entre o atualismo de Gentile, elevado à categoria de filosofia fascista oficial, e a doutrina racial científica popular de Günther, com a qual os cadetes NS cresceram nos anos de 1920…
Julius Evola permaneceu desconhecido na Tchecoslováquia e no Protetorado da Boêmia e Morávia. A primeira e, durante muito tempo, última menção a ele é no livro Fascism. Na página 346, apenas um excerto do artigo de Evola para a Critica Fascista de Bottai, de outubro de 1926, é citado em relação com o “fascismo aristocrático” ou “superfascismo”.
Quanto à recepção do livro no pós-guerra, voltarei para vocês “noutra ocasião”…
Fonte: Euro-Synergies