Durante os seus mais de 40 anos no poder, Kaddafi transformou a Líbia de um dos países mais pobres do mundo, na nação mais rica, próspera e com os melhores índices sociais da África. 10 anos após a ação da OTAN que resultou na queda e morte de Kaddafi, a Líbia hoje é uma espiral de caos onde a presença do terrorismo jihadista e até a escravidão se tornaram uma constante.
Por Richard Medhurst
Muammar Kaddafi liderou a sua nação para se tornar a mais rica da África. Uma decada após a sua morte, o país está destroçado pelo tribalismo, terrorismo e escravidão, tudo devido ao Ocidente não ter permitido um líder árabe conseguir êxito. Nunca houve realmente uma ‘Primavera Árabe ’ na Líbia do jeito que houve no Egito e na Tunísia. Os protestos foram muito menores, e, como o tempo demonstrou, os maiores atores revelaram ser grupos extremistas e agentes externos, cada um tentando conseguir a sua fatia do país.
Os bombardeiros da Otan sobre a Líbia e o apoio a rebeldes que buscavam derrubar Kaddafi pouco tinham a ver com o desejo de prosperidade ao país. Sob o disfarce dos direitos humanos e democracia, a aliança militar Ocidental ajudou a assassinar um dos mais proeminentes líderes do Mundo Árabe para conseguir roubar os recursos líbios e garantir a hegemonia Ocidental. Tempos depois, como parte da Operação Timber Sycamore, a CIA acharia outra utilidade na derrubada de Kaddafi: pegar os estoques de armas e munições da Líbia e repassá-los até a Síria para armar a Al Qaeda e outros grupos jihadistas(1).
Raramente discutida nos noticiários desde então, a Líbia se tornou uma sombra de si mesma, devastada por 10 anos de caos e guerra. Hillary Clinton, Barack Obama e outros criminosos de guerra que orquestraram a destruição desse país não querem que você saiba o quão grave estão indo as consequências desse feito.
De Nação Próspera a Estado Falido
Conhecido por sua extravagância, Kaddafi impulsionou a sua segurança pessoal com guarda-costas mulheres, roupas suntuosas e longos e dramáticos discursos. Ele também transformou a Líbia de um dos países mais pobres da Terra em um Estado rico e auto suficiente, tudo isso enquanto geria uma sociedade tribal num país que é o lugar das maiores reservas de petróleo da África.
Durante os seus 42 anos no poder, ele aumentou a taxa de alfabetização do país de 25% para 88%. Os líbios desfrutaram de saúde e educação gratuitas, bem como um alto padrão de vida. Serviços básicos como eletricidade e gás eram baratos, e o país garantia uma forte rede de seguridade social e programas de bem estar social.
90% da Líbia é um deserto. Kaddafi procurou fornecer água limpa para todos os Líbios usarem para consumo e agricultura – uma iniciativa que obteve êxito. Ele construiu o maior projeto de irrigação do mundo, o “Grande Rio Feito pelo Homem”, na década de 80. Impulsionando a maior rede de aquedutos do mundo, o sistema fornece 70% de toda água limpa na Líbia. Kaddafi chamou o sistema de a “Oitava Maravilha do Mundo”. Custando cerca de 25 bilhões de dólares, o projeto foi inteiramente auto financiado, sem qualquer empréstimo ou créditos de bancos estrangeiros. A Líbia cresceu para se tornar um país bastante próspero e que não tinha nenhuma dívida externa.
A OTAN bombardeou o Grande Rio Feito pelo Homem em julho de 2011, destruindo uma infra estrutura social fundamental: um crime de guerra.
O Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas fornece um resumo que mede saúde, educação e renda. Em 2010, a Líbia estava em 1º do rank na África, e 53º de 189 países e territórios no mundo(2). Hoje, a sua classificação afundou de 53º para 105º mundialmente(3).
Após a “revolução” apoiada pela Otan, a Líbia não tem mais nenhum desses pontos positivos. As quedas de energia são constantes. O sistema de saúde colapsou. Não existe mais infraestrutura. O padrão de vida foi ladeira abaixo, e após 10 anos, a Líbia não tem sequer um governo central funcional.
Após um cessar-fogo que ocorreu em Outubro de 2020, um governo de unidade nacional foi formado em Março deste ano. Enquanto ele se manteve razoavelmente inteiro até agora, eleições foram marcadas para Dezembro, apesar dos impasses persistente(4), e o que vai vir desse processo é algo a se saber.
Ao invés de água, ouro e petróleo abundantes em um país próspero e com uma infraestrutura excelente, a Líbia agora é um mercado de escravos a céu aberto(5). Contrabandistas e traficantes de seres humanos tiraram vantagem de migrantes e refugiados indo em direção a Europa, e os venderam para a escravidão. Tribos rivais e facções políticas se enfrentam pelo petróleo e outros recursos preciosos, determinados a tomarem o poder para si mesmos. Enquanto isso, bolsões do Estado Islâmico, Al-Qaeda e outros guerrilheiros jidhadistas se espreitam pelas sombras(6), atormentando o país devastado pela guerra e seus vizinhos(7) – grupos esses que nunca ousariam se estabelecer na presença de Kaddafi.
Outrora uma nação próspera, a Líbia, desde a queda de Kaddafi, foi tomada por terroristas, oportunistas e ladrões, e afundou no caos. Isso é o que a Líbia se tornou nestes últimos 10 anos. Isso foi o que a OTAN criou.
Um dos mais memoráveis discursos de Kaddafi ocorreu em Damasco no ano de 2008, no encontro da Liga Árabe. Rechaçando a violenta invasão do Iraque, ele ofereceu aos líderes árabes um forte lembrete do trágico fim de Saddam Hussein, alguém que os EUA já consideraram como aliado contra o Irã.
“Uma liderança árabe inteira foi executada por enforcamento, e ainda assim, ficamos em cima do muro. Por quê? Qualquer um de vocês pode ser o próximo”.
Rindo de suas palavras, outros líderes árabes teriam feito melhor se tivessem levado a sério o aviso de Kaddafi para verem que os EUA realmente fariam da Líbia e Síria seus próximos alvos. E apenas 3 anos depois, o próprio Kaddafi seria brutalmente assassinado nas mãos de rebeldes apoiados pela OTAN.
Anti-Imperialista, Pan-Arabista e Pan-Africanista: a razão da queda de Kaddafi
O falecido líder líbio apoiou a independência e movimentos de libertação de países pelo mundo, incluindo grupos como o da Organização para a Libertação da Palestina, o Exército Republicano Irlandês (IRA), o Partido dos Panteras Negras e muitos outros. Nos anos 70, ele tentou unir a Líbia com a Síria e Egito para formar um Estado árabe unificado. Em 2009, ele propôs que as nações africanas adotassem uma única moeda: o Dinar Dourado. O Banco Central Líbio, que era 100% estatal, tinha reservas de 144 toneladas de ouro para serem usadas para esse propósito. Kaddafi propôs que países africanos comprassem e vendessem seus recursos exclusivamente nessa nova moeda pan-africana. Isso iria permitir que eles fizessem transações longe do Dólar Americano e do Franco Central Africano (CFA) – uma moeda colonial usada em 14 países e controlada totalmente pela França.
Isso foi o maior pecado de Kaddafi. No desejo de ver as nações africanas adotarem uma moeda única, controlarem seus próprios recursos e terem uma independência real, ele posou como uma ameaça a hegemonia monetária ocidental, então ele tinha que ser derrubado.
Os governos ocidentais estavam bastante cientes de seu plano. Uma olhada nos emails(8) da então Secretária de Estado, Hillary Clinton, mostra discussões acerca das reservas de ouro de Kaddafi e seus planos para uma moeda única. Ficou claro para o Ocidente que se os países africanos abandonassem o dólar ou o Franco CFA, e controlassem a sua própria moeda e política monetária, isso minaria a influência americana e francesa sobre a África. Isso enfraqueceria o monopólio ocidental sobre os recursos africanos, e o sistema bancário internacional se deu conta que instituições neocoloniais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) perderiam eficiência em manipular as nações em desenvolvimento.
Não que precisássemos de mais provas; mas escrito claramente nesses emails estava a evidência de que o plano para fornecer uma alternativa ao Franco CFA “foi um dos fatores que influenciou a decisão do presidente Nicolas Sarkozy em fazer a França se comprometer a atacar a Líbia.”
Sarkozy decidiu bombardear a Líbia porque ele sabia muito bem que se os países da África Ocidental e Central abandonassem o Franco CFA, isso minaria a esfera de influência da França sobre suas “ex” colônias africanas e a realização do seu “desejo de ganhar uma parcela maior do complexo petrolífero Líbio” – isto é, saquear as riquezas líbias.
Kaddafi previu isso em 2011, quando disse que: “Existe uma conspiração para controlar o petróleo e o solo líbio, e assim colonizarem a Líbia novamente.”
Nada poderia ser mais emblemático para mostrar o quão maligno é esse assunto, do que Hillary Clinton pulando de alegria ao ouvir sobre o falecimento de Kaddafi, após ele ter sido brutalmente sodomizado, linchado e executado por rebeldes apoiados pela OTAN(9). “Nós viemos, nós vimos, ele morreu”, disse ela(10).
Morto pelo seu êxito
Kaddafi sempre foi um espinho para os interesses coloniais ocidentais. O seu grande ‘crime’ foi querer uma real independência, ameaçando hegemonia monetária americana e francesa, bem como o sistema bancário internacional.
Agora as pessoas olham para Líbia e a classificam como ‘Estado falido’, mas a Líbia de Kaddafi não era um Estado falido. Ela era a mais rica e próspera nação africana – um Estado que crescia e florescia vigorosamente até deliberadamente destruído pelo Ocidente em 2011.
Os apologistas do imperialismo ocidental amam desmerecer as conquistas de outros países e colocar a pecha de ditadores em seus líderes, mas a verdade é que a Líbia era muito melhor sob Kaddafi. Ela tinha petróleo, ouro, água e independência de recursos.
A História está cheia de líderes africanos, árabes e latinos mortos pelos Estados Unidos por terem ousado a fazer de seus países um lugar melhor, e por buscarem enfrentar a hegemonia ocidental. Kaddafi não é uma exceção.
Não há nada que o Ocidente odeie mais do que um líder árabe que se oponha ao imperialismo, sionismo, e que queira que o seu país e outras nações árabes e africanas sejam autossuficientes. Foi por isso que a OTAN assassinou Kaddafi.
Notas
(1) Behind the Sudden Death of a $1 Billion Secret C.I.A. War in Syria
(2) Human Development Report 2010
(3) Human Development Report 2020
(4) Libya’s parliament passes no-confidence vote in unity government
(5) The Libyan Slave Trade Has Shocked the World. Here’s What You Should Know
(6) Blast kills two at southern Libya checkpoint
(7) Libya crisis ‘threatens to destabilize’ entire region, spillover to Sahel
(8) Hillary Clinton Email Archive
(9) Gaddafi’s last moments: ‘I saw the hand holding the gun and I saw it fire’
(10) Clinton on Qaddafi: We came, we saw, he died
Fonte: RT