Por David Berger
A transferência do embate político para o campo da linguagem (uma herança da filosofia analítica moderna e contemporânea) esvazia o campo de diálogo com categorias engessadas e o fim da dialética que constrói a civilização, ao mesmo tempo em que o político enquanto prática, é transposto de sua qualidade para uma limitada evocação moral.
Quem hoje fala ou escreve publicamente deve pensar muito sobre quais palavras são apropriadas. Mesmo um pequeno erro pode levar a comunicação a um dano colateral da hipersensível correção de discurso. Uma contribuição de Aljoscha Harmsen.
Consequentemente, desenvolveu-se um medo de conceitos, que culmina em críticos serem acusados de espalhar o ódio ou de serem conspiracionistas, enquanto estes acusam seus oponentes de Politicamente Corretos. Dessa forma, eles falham em lidar uns com os outros e substituem a discussão objetiva por questões de atitude.
Se, por exemplo, um lado defende uma relativa homogeneidade da população, ele usa um vocabulário tóxico. O outro lado desqualifica o conceito como medo do estrangeiro e, assim, patologiza essa posição de discurso. Não é mais sobre o problema, mas sobre o vocabulário. Às vezes, o adversário vai tão longe ao ponto de achar racista ter tal pensamento. Como resultado, essa preocupação concreta não é mais discursiva. O tema da discussão torna-se inviolável e seu crítico, um impuro, intocável.
Com essa abordagem, o adversário discursivo confere ao público uma atitude a ser partilhada, em vez de discutir o verdadeiro problema. O crítico é tachado como um criminoso do pensamento. Ele agora é retoricamente punido e perde o direito de aplicar conceitos com significado diverso do que seu adversário admite.
Politização linguística extrema
A situação é semelhante para refugiados. Um lado declara ser a admissão deles um dever humano inviolável e uma causa justa. Quem se abstém estaria agindo contra a dignidade humana. Mas e se um Estado aponta para seus próprios interesses e estabelece limites para a admissão? Isso o torna desumano? Essa tensão mostra que a moralidade não deve ser o único critério de tomada de decisão em uma ação governamental. A redução compulsiva a um problema moral em vez de se pesar os interesses do Estado contra obrigações humanitárias mostra o dano que a linguagem em blocos causa. A escolha das palavras já sobrepõe o nível factual: quem fala “Geflüchteten” irrita seus críticos, que preferem ouvir “Flüchtlinge” ou “Imigrantes”. Em vez de ignorar isso e ir direto ao assunto, o indignado evoca o Politicamente Correto, chama o outro de “Floco de Neve” e as posições são cimentadas.
Os adversários julgam uns aos outros em termos de linguagem moral e não em vista da qualidade da objeção. Isso é reforçado pela extrema politização linguística. Acusações como “racista” e “floco de neve” não deixam espaço para concessões, são uma expressão de uma formação de opinião já fechada.
A língua é feita refém e, com sua ajuda, o oponente é feito inimigo. Como resultado, nenhum termo pode ser dito sem que o locutor responda como pertencente a um dos campos inimigos. Pode-se falar com adversários, mas os inimigos devem ser combatidos.
Mudamos o significado de “democrático”
As categorias mudaram do factual “correto” e “errado” para o moral “bom” e “mal” e isso desenvolve uma própria dinâmica. O espaço vital para o pensamento insuspeito é cada vez menor. Agora, os fundamentalistas determinam a qual contexto pertencem os termos, quem pode usá-los e como usá-los adequadamente. E aqui entra Orwell. Em sua distopia “1984”, ele criou a “Novilíngua”, uma linguagem política modelada de maneira a alterar o pensamento. Um meio de fazer isso é a prefixação. A Novilíngua não possui mais contra-conceitos genuínos. O antônimo de “bom” é “não-bom”, o aumentativo de “bom” não é “melhor”, mas “mais bom”.
Este procedimento é particularmente claro no caso dos termos “democrático” e “anti-democrático” como atualmente usados no parlamentarismo alemão. Primeiro, retiramos todos os antônimos do termo “democrático”. Há os que pertencem ao campo democrático e há os inimigos da democracia. Agora, mudamos o significado de “democrático”. A palavra não descreve mais o processo de tomada de decisão pela maioria, mas alguém que defenda a dignidade e os direitos humanos, lute pela paz, e seja nobre, prestativo e bom, ou seja, a melhor de todas as pessoas. Estes termos agora pertencem ao bloco “democrático”. Como não conhecemos mais os antônimos graduais, há apenas o contra-conceito prefixado “anti-democrático”, significando exatamente o oposto da melhor pessoa possível. Ninguém pode querer ser essa pessoa. “Anti-democrático” foi transformado de uma descrição de processo em uma de atitude.
Agrupa-se política e ideologicamente em blocos conceitos que em uma sociedade liberal devem estar disponíveis livremente. Tais grupos de conceitos petrificados lançam uma sombra orwelliana, que se torna maior quanto menor o Sol da cultura. Para que ele se levante novamente, os inimigos devem se tornar adversários novamente. Feito isto, eles, acima de tudo, ajudam a causa, pois quem protege seu adversário de ser tachado como inimigo também protege o debate.