Paul Cockshott – Classe e Lobby LGBT

A esquerda contemporânea jura de pés juntos que a causa LGBT caminha ao lado da causa dos trabalhadores. Mesmo os que se dizem opostos à “esquerda pós-moderna” e à “lacração” se limitam a considerar a questão das classes mais importante, mas ainda consideram a causa LGBT como sendo parte importante de sua luta. Isso faz sentido desde uma perspectiva classista? Os LGBT, enquanto grupo, estão realmente mais próximos do proletariado do que da burguesia? Paul Cockshott, economista comunista, diz que não.

É hoje tomado quase de forma axiomática que a esquerda apoia a causa LGBT. Foi surpreendente, portanto, para mim descobrir um jornalista comunista, Gearoid O Colmain, afirmando que os homossexuais, longe de constituírem uma minoria perseguida, são, na verdade, um elemento propagandístico chave para a classe dominante e a ideologia burguesa.

Ele diz:

“Na União Soviética o homossexualismo era visto como uma entre muitas perversões promovidas pela burguesia e seus inimigos pequeno-burgueses – um fenômeno da classe dominante de origem social, e não biológica. A compreensão comunista da sexualidade foi, desde as contrarrevoluções europeias em 1989 e a dissolução da URSS, convenientemente esquecida”.

A minha impressão dos seus argumentos é que eles são misturados com algumas coisas que são plausíveis e algumas coisas que são problemáticas, negar que o HIV causa SIDA, por exemplo. Mas eu acho que um argumento econômico plausível pode ser apresentado para um de seus principais argumentos – que o movimento político gay expressa interesses da classe média e alta. Neste post, vou tentar construir um argumento para este efeito. Vou me concentrar na posição de classe dos homens homossexuais, e mostrar que ela os coloca no top 10% da população, e que essa posição econômica não é incidental, mas está intimamente ligada ao modo de vida gay masculino. Note-se a especificidade, ela não se aplica às lésbicas.

1 – Classe

Como você define posição da classe em termos marxistas? Na sua acepção mais básica, a distinção entre classes exploradas e exploradas assenta na questão de saber se uma pessoa recebe bens e serviços que envolvem mais trabalho do que contribuem para a sociedade. Esta é uma definição geral que se aplica a todas as sociedades de classes, escravagistas, feudais ou capitalistas. Se você recebe de volta mais do que você coloca em termos de trabalho, então você, pelo menos parcialmente, se beneficia da exploração.

É importante perceber que se alguém se beneficia da exploração isso não tem a ver com a forma jurídica do seu rendimento. Uma pessoa pode formalmente ser um empregado e ainda assim beneficiar da exploração. Obviamente, isto aplica-se a um gerente com rendimento de £250,000 por ano. Nem sempre é tão evidente onde vem o corte. Para resolver isto com precisão é preciso saber qual é o equivalente monetário de uma hora de trabalho. Não o fiz recentemente para o Reino Unido, mas, antes da recessão, eu calculei como sendo cerca de 20 libras por hora [Nota do Tradutor: a título de comparação isso equivale, hoje a 108 reais por hora]. Como primeira estimativa, qualquer pessoa que ganhasse mais do que isto em 2008 teria se beneficiado, pelo menos parcialmente, da exploração de outros.

Ter apenas em conta os rendimentos salariais é, obviamente, demasiado simples. As pessoas também podem ter rendimentos de propriedade e, do lado negativo, podem ser exploradas por bancos aos quais pagam juros, ou por senhorios a quem pagam alugueis. Mas a renda nos dá um primeiro corte.

Uma abordagem alternativa é olhar para a fatia dos salários no rendimento nacional, depois olhar para o salário médio. Alguém com o salário médio será explorado pelo montante médio. Em 2009, por exemplo, o peso dos salários no Reino Unido era de 53%[1] e o salário médio de 26.450[2] libras esterlinas, o que implica que o trabalhador médio gerou uma mais-valia de 23.450 libras esterlinas, o que dá um valor total criado por trabalhador de pouco menos de 50.000 libras esterlinas, pelo que todo mundo que ganhou acima deste valor não foi explorado.

Como a distribuição da renda é desigual, o salário médio em 2009 estava bem acima do rendimento mediano dos adultos, que era de apenas £16.400, e 67% dos adultos tinham um rendimento inferior ao salário médio. Por volta do top 10% dos britânicos, naquele ano, tinham uma renda acima do limiar de exploração de £50.000.

O que significa dizer que alguém é classe média?

Uma pessoa com um rendimento mediano de £16.000 estava no meio da faixa de rendimentos da classe média?

Em termos estritamente estatísticos, pode parecer que sim, mas socialmente isso não faz sentido. Um status de classe média costumava estar associado a profissões independentes ou pequenos empresários, que não eram explorados, nem eram empregadores de mão-de-obra. Nos termos da atual distribuição de renda isso seriam as pessoas que ganham em torno do limiar de exploração, digamos que entre £45.000 e £73.000, acima do que uma pessoa estaria recebendo o valor que cria, mais a mais-valia criada por um trabalhador médio. Acima desse nível, pode-se razoavelmente dizer que são da classe alta.

Isto incluiu aproximadamente a distribuição do percentil 88º ao 96º da distribuição do rendimento do Reino Unido, ou seja, 8% da população. Se você está no top 10% da população, então você é confortavelmente classe média ou classe alta.

2 – Economia e Lobby Gay

Você pode inicialmente pensar que a posição de classe econômica não tem nada a ver com a homossexualidade, mas não leva muito tempo após olhar para a literatura sociológica empírica para chegar à conclusão de que isso está errado. Há uma conexão, mas é que os interesses dos gays tendem a estar alinhados com os das classes proprietárias, ao invés de serem independentes dos interesses de classe conflitantes. Em primeiro lugar, a literatura sobre atitudes de classe em relação à homossexualidade mostra que as pessoas da classe trabalhadora são mais propensas a ser hostis a ela, e as pessoas de classes sociais mais elevadas mais propensas a serem favoráveis ou tolerantes para com ela. [Andersen e Fetner, 2008, Embrick et al., 2007]. Em segundo lugar, os dados publicados mostram que os casais gays estão, em média, em situação significativamente melhor do que os heterossexuais. Portanto, tanto em termos atitudinais e econômicos, o eixo de polarização gay/hétero, ao invés de ser independente do eixo de polarização classista parece estar inclinado em relação a ele.

Há uma grande quantidade de dados que estabelecem que a população gay é desproporcionalmente proveniente das classes média e média alta, sendo, como resultado, desproporcionalmente pequena a proporção da classe trabalhadora. No Reino Unido, um estudo mostrou que, enquanto apenas 16% dos homens tinham diplomas universitários, 36% dos gays tinham [Arabsheibani et al., 2005]. Onde apenas 5,5% de todos os homens tinham empregos profissionais ou gerenciais, a proporção entre os gays no Reino Unido era de 9%. Para os EUA, onde as oportunidades educacionais têm sido tradicionalmente melhores do que no Reino Unido, um estudo com casais mostrou que 43% dos gays e lésbicas tinham diplomas universitários, enquanto apenas 28% dos homens e 26% das mulheres heterossexuais tinham esses diplomas [Black et al., 2007]. Resultados semelhantes vêm de Berg e Lien 2002 e Billy et al. 1993. Dada esta diferença nos empregos e na educação, seria de esperar que houvesse uma disparidade econômica significativa entre a posição das famílias homossexuais e heterossexuais. Isto é, de fato, o que encontramos.

Uma grande pesquisa sueca de 1.029.420 casais heterossexuais e 940 casais gays e 968 casais lésbicos constatou que os casais gays tinham as maiores rendas [Ahmed et al., 2011]. Eles mostram que casais gays ganham mais do que casais heterossexuais que, por sua vez, ganham mais do que casais lésbicos. Isso não é surpreendente, uma vez que os ganhos masculinos são consistentemente mais altos do que os femininos, de modo que se espera que um lar completamente masculino ganhará mais e um completamente feminino ganhará menos. Nenhuma tentativa é feita nesta pesquisa de calcular a renda per capita de diferentes tipos de domicílios, ou seja, levar em conta dependentes não remunerados, principalmente filhos, mas também parentes potencialmente mais velhos. Para tal, seria necessário conhecer a dimensão média da família para os diferentes agregados familiares.

Black et al, 2000, apresentam dados sobre a proporção de casais heterossexuais e homossexuais com 1, 2 ou 3 ou mais filhos nos seus agregados familiares, ainda que isso seja o os EUA e não para a Suécia. No entanto, é possível utilizar os seus dados para calcular o tamanho médio dos agregados familiares para diferentes tipos de casais (Tabela 1).

Tabela 1: Tamanho das famílias americanas por categoria, calculado de Black et al., 2000, tabela 11.

casalcasal
filhoscasalheteroheterocasalhomensmulheres
gaycasadonão casadolésbicosolteirossolteiras
00.9480.4080.6380.7830.9520.77
10.030.2240.1810.1260.0290.101
20.0120.230.110.050.0140.076
30.0110.1380.0710.040.0050.045
total0.0871.0980.6140.3460.0720.388
tamanho
familiar
2.0873.0982.6142.3461.0721.388

Arabsheibani et al., 2005, produzem dados sobre as taxas horárias de remuneração para homens e mulheres no Reino Unido que estão em casais homossexuais ou em casais heterossexuais casados. Eles reproduzem amplamente os resultados de Ahmed, Andersson e Hammarstedt para a Suécia, na medida em que se mostra que o salário médio dos homens gays era superior ao dos homens casados heterossexuais, que por sua vez era ligeiramente superior ao das mulheres lésbicas, que por sua vez ganhavam mais do que as mulheres heterossexuais casadas (Tabela 2). Ele não estima a renda dos casais. Isto não pode ser feito apenas somando as taxas salariais horárias de homens e mulheres casados, em primeiro lugar devido à menor taxa de emprego das mulheres casadas, 71% contra 85% das mulheres em casais lésbicos e 87,5% dos homens em casais homossexuais e, em segundo lugar, porque as mulheres casadas têm horários de trabalho mais baixos. No entanto, se acrescentarmos simplesmente a remuneração horária média dos homens e mulheres casados em função das taxas de atividade e dividirmos por uma estimativa do tamanho da família, podemos obter uma estimativa da remuneração horária média por membro da família. A Tabela 3 apresenta essa estimativa para o Reino Unido e a Tabela 4 apresenta as estimativas correspondentes para a Suécia. Ambos os quadros dependem da utilização de estimativas do tamanho da família derivadas de Black et al. Podemos esperar que os tamanhos relativos das famílias de casais de gays, lésbicas e heterossexuais sejam semelhantes em todos os países em fases comparáveis de desenvolvimento. Embora os divisores exatos que devem ser usados variem de país para país, a ordem que obtemos de renda per capita como sendo casais gays > casais lésbicos > casais heterossexuais será robusta.

Tabela 2: Comparação dos salários horários médios de indivíduos gays e heterossexuais no Reino Unido, ano 2000. De Arabsheibani et al., 2005. Observe que os números nos dois casos são para casais em coabitação.

HomossexuaisHeterossexuais casados
Homens10.108.90
Mulheres8.706.20

Estimativa de renda per capital em casais gays e heterossexuais no Reino Unido. Taxas salariais médias e taxas de atividade retiradas deArabsheibani et al., 2005, estimativas de tamanho familiar derivadas de Black et al., 2000.

GaysLésbicasHomens casadosMulheres casadas
Taxa salarial
Média
11.7010.1010.707.60
Taxa de
Atividade
0.870.850.840.71
Produto10.188.588.995.40
Por casal20.3617.1714.3814.38
Renda/hora
Per capita
9.757.324.644.64

Tabela 3: Rendas de casais gays, lésbicos e heterossexuais na Suécia.

Tipo de casalGayLésbicoHetero
Renda média do casal SEK
[Ahmed et al., 2011]
584.000464.000532.000
Per capita ajustado para tamanho familiar
[Black et al., 2000]
280.000197.000190.000

Por exemplo, podemos obter valores para a renda per capita de casais gays, lésbicas e heterossexuais nos EUA a partir dos dados de Black et al., 2007, dada a mesma ordem. Mais uma vez, o rendimento per capita dos casais homossexuais do sexo masculino é mais elevado, seguido dos casais lésbicos, seguido dos casais heterossexuais (Tabela 5).

Os números relativos ao Reino Unido na Tabela 3 mostram uma vantagem de dois para um nos rendimentos per capita dos casais homossexuais em relação aos casais heterossexuais. Se combinarmos isto com os números de Arabshebani para a distribuição dos salários por decis, vemos que isto significa que o rendimento médio dos homossexuais é tão elevado quanto o decil superior dos rendimentos familiares heterossexuais. Apenas os 10% das famílias heterossexuais no topo são tão ricos quanto um casal homossexual de renda média. Isso equivale a uma diferença de classe socioeconômica considerável.

2.1 Trabalho social não-remunerado por casais

Mas a análise até agora só tratou da economia de mercado e dos ganhos lá obtidos. A família é também um lugar onde o trabalho é feito, a economia doméstica. Na verdade, este é o significado original da economia, a gestão do lar. Este trabalho não assume forma monetária, seja porque é inteiramente privado: uma pessoa cozinhando sua própria refeição, seja porque, embora seja social – cuidar de crianças – ocorre sob relações de produção não-capitalistas. Mesmo o trabalho “privado” de uma pessoa que se alimenta é, de certa forma, um trabalho socialmente necessário, uma vez que, na ausência disso, a população passaria fome. Mas fazer compras, cozinhar, limpar, lavar são atividades que se realizam quer o agregado familiar tenha filhos ou não e, por isso, não são relevantes na comparação dos diferentes tipos de agregados familiares. Por outro lado, o tempo de cuidados infantis varia consoante o agregado familiar tenha ou não filhos e depende também do número de filhos que tem. Uma vez que muitos dos nossos dados são provenientes da América do Norte, procuremos lá. A Statistics Canada dá números que mostram que na família média com filhos a mãe passa 2,55 horas por dia cuidando dos filhos e o pai 1,55 horas por dia, para dar um total por casal de 4,1 horas. Partindo do princípio de que os orçamentos de tempo do agregado familiar canadense e americano são semelhantes, calculamos o número esperado de horas de tempo cuidando de crianças em diferentes categorias de famílias, ponderando 4,1 horas por dia pela probabilidade de o agregado familiar ter filhos (Tabela 5).

Tabela 4: Estimativas das rendas e contribuições de trabalho não-remunerado para casais gays, lésbicos e heterossexuais nos EUA em 2007. Rendas derivadas da Tabela 5 em Black et al., 2007, e tamanho familiar derivado da Tabela 2 da mesma publicação. A valoração burguesa do trabalho não-remunerado segue a valoração de Colman e Atlantic, 1998 e está em dólares canadenses de 1998. Horas/ano de Tempo de Trabalho Socialmente Necessário (TTSN) não-remunerado derivado dos dados de casais em Canada, 2011, pesados pela probabilidade de um dado tipo familiar ter filhos (Tabela 1).

GayLésbicoHétero
Renda média do casal$82.000$66.500$65.700
Tamanho familiar médio2.1442.3563.173
Renda per capita$38.259$28.234$20.700
TTSN não-remunerado hrs/ano74329882
Valor burguês$567$2495$6.692
Valoração marxiana$2324$10.229$27.433

Derivação da valoração marxiana:

PIB per capital EUA 2007$46.000
Taxa de participação63%
PIB por participante$73.000
Semana de trabalho paga, horas47
Horas por ano2.350
Valor criado por hora de trabalho$31

A partir disso, vemos que os casais heterossexuais executam muito mais tempo de trabalho socialmente necessário não remunerado. Mas quanto vale este trabalho? Uma abordagem adoptada em Colman & Atlantic, 1998, foi a de valorizar o trabalho de cuidado com crianças à taxa de remuneração das amas nas empresas privadas de cuidado infantil. Do ponto de vista da economia marxista, isto é errado, uma vez que confunde o valor da força de trabalho com o valor criado pelo trabalho e, do ponto de vista da economia ortodoxa, também subestima o impacto da retirada deste tanto de trabalho da economia de mercado. Os trabalhadores recebem apenas uma fracção do valor que criam, pelo que a valoração do trabalho não remunerado à taxa salarial prevalecente é uma séria subestimação do valor que esse trabalho teria criado se tivesse sido aplicado no setor do mercado. Isto equivale à suposição de que não haveria rendimentos de propriedade adicionais se a força de trabalho efetiva aumentasse. Acrescentar o equivalente a milhões de trabalhadores em tempo integral adicionais à economia de mercado geraria fluxos de valor adicionais que se traduziriam em lucros, juros, receitas fiscais, etc.

Um melhor procedimento é estimar o equivalente monetário do tempo de trabalho social, como se faz no quadro subsidiário. Isto dá um valor de cerca de 31 dólares criado por hora pelo trabalho americano em 2007. Escalonar o trabalho não remunerado de cuidado com crianças em famílias com base neste valor dá a última linha da Tabela 5. Vemos que, enquanto o casal gay médio realizava trabalho social não remunerado com um valor de cerca de 2.300 dólares por ano, o casal heterossexual médio realizava trabalho social não remunerado com um valor de mais de 27.000 dólares por ano, mais de 10 vezes mais. Desse trabalho, cerca de 17.000 dólares é realizado pela mãe e 10.000 dólares pelo pai.

Pode-se argumentar que esta é uma comparação injusta; que ter filhos é uma decisão privada e não é da conta de ninguém se um casal gay não quiser ter filhos. Por que deveriam trabalhar para criar força de trabalho para o sistema capitalista?

A realidade é que ter filhos é, em parte, uma decisão privada, embora as expectativas sociais desempenhem um papel enorme na decisão. No entanto, as coisas podem ser simultaneamente privadas e sociais. A produção de mercadorias se assenta neste tipo de dualidade: as mercadorias são produzidas por pessoas e empresas privadas, mas são produzidas para satisfazer necessidades sociais. As crianças são produzidas como resultado de ações privadas, mas uma vez crescidas, elas constituem a sociedade do futuro e, através do seu trabalho, sustentam essa sociedade. Uma pessoa que, por escolha ou circunstâncias, não tem filhos, depende, para a sua existência quotidiana, da descendência de outros. Pode parecer que, ao poupar para a sua velhice, ela proveu para si mesma. Mas esta é uma ilusão monetária. Você não economiza para sua velhice colocando latas de feijão e sacos de farinha em um porão para se sustentar; ao invés disso, você depende de alimentos, roupas, etc., produzidos recentemente pelo trabalho da geração que o segue. Se dependerem de uma pensão do Estado, a próxima geração será tributada para vos sustentar. Se você tem uma pensão privada, ela será investida em títulos do governo para produzir juros. Esses juros virão novamente dos contribuintes de amanhã. Se for investida em ações, então a pensão virá do emprego dos trabalhadores de amanhã.

O trabalho não remunerado da educação dos filhos, trabalho predominantemente feito pelas mães, é socialmente essencial e toda a geração atual, quer tenham filhos ou não, se beneficia indiretamente dele. Os ativistas gays estão habituados a identificar as suas campanhas com campanhas contra a opressão das mulheres, mas a análise econômica até agora mostra que este conceito é falacioso. Não só os casais homossexuais estão financeiramente em melhor situação, como também, na sua maioria, optam frequentemente por não participar no trabalho não remunerado socialmente necessário que está na origem da posição de desvantagem das mulheres/esposas. O estabelecimento e a normalização do casamento gay tenderão a aumentar a desigualdade entre homens e mulheres a este respeito. Na medida em que uma parte da população masculina era outrora homossexual encoberta, que teria escondido as suas preferências, casado com mulheres e ajudado a criar filhos, eles agora podem passar diretamente para um casamento homossexual respeitável, onde é estatisticamente muito improvável que façam qualquer trabalho não remunerado de criação de filhos. O efeito líquido é, obviamente, acentuar a disparidade entre homens e mulheres, e transferir ainda mais a carga de gerar a próxima geração para as mulheres.

A base econômica do casamento não é o amor. Como a experiência e a tradição da literatura romântica nos dizem, você não precisa se casar para amar, e muitos casamentos continuam apesar da ausência de amor. A instituição legal do matrimônio regula, por um lado, os direitos e deveres com relação aos filhos e, por outro, a partilha de vários bens jurídicos. Estes incluem tanto a propriedade direta das habitações, os casos em que existem arrendamentos hereditários, e direitos pessoais a outros benefícios públicos e privados: pensões, seguros, cidadania. Nas fases iniciais após a legalização da homossexualidade, os gays eram relativamente desinteressados no casamento e, de modo geral, desprezavam-no como uma marca de respeitabilidade.

Dois processos operando nas últimas décadas podem ter tornado o aspecto jurídico do casamento mais atraente. O primeiro deles é apenas o resultado cumulativo da vantagem econômica de que os casais gays desfrutam. Ele lhes permite acumular bens mais rapidamente do que os outros casais, pelo que têm mais a partilhar quando da morte de um parceiro. Os gays são duas vezes mais propensos a possuir moradias na faixa mais elevada de propriedades do que os heterossexuais. Black et al. mostraram que mais de 34% dos gays de meia-idade possuíam casas na maior faixa de propriedades, contra menos de 16% de homens e mulheres casados da mesma idade. Não fomos capazes de encontrar estatísticas sobre a propriedade de ativos financeiros, mas seria de esperar, a partir da grande disparidade de renda, encontrar um viés semelhante lá. Ao mesmo tempo, o avanço das privatizações, do neoliberalismo e do enfraquecimento dos benefícios sociais e de saúde universais aumentam a importância dos direitos hereditários ou dos seguros privados compartilháveis.

“Os casais que procuram proteger a sua relação e família através de testamentos e outros mecanismos na ausência de um contrato de casamento precisam de recursos significativos, incluindo conhecimento e dinheiro. Este é igualmente o caso da dissolução de uma relação não reconhecida pelo Estado, em que apenas aqueles com os mesmos recursos podem prosseguir uma distribuição equitativa dos bens comuns”. Bhroin, [2009]

A conclusão da evidência até agora é que o movimento pelo casamento gay é fundamentalmente conservador, voltado para a garantia da propriedade relativamente privilegiada e torna a posição relativa das mulheres na sociedade um pouco pior[3]. Os efeitos econômicos são pequenos, já que o segmento populacional afetado é pequeno, mas o debate sobre o casamento gay assume uma proeminência muito além de qualquer efeito socioeconômico direto que ele possa ter.

Tabela 5: Tipos familiares em dois eixos

ReprodutivoSemi-reprodutivoNão-reprodutivo
Atomizadofamília nuclearcasal lésbicocasal gay
Semi-comunalfamília
estendida
Comunalfalanstério/
kibbutz
mosteiro/convento

Referências

[Ahmed et al. 2011]-Ali M Ahmed, Lina Andersson, and Mats Hammarstedt. Inter-and intra-household earnings differentials among homosexual and heterosexual couples. British Journal of Industrial Relations, 49 (s2): s258-s278, 2011.

[Andersen and Fetner 2008]-Robert Andersen and Tina Fetner. Economic inequality and intolerance: attitudes toward homosexuality in 35 democracies. American Journal of Political Science, 52 (4): 942-958, 2008.

[Arabsheibani et al. 2005]-G Reza Arabsheibani, Alan Marin, and Jonathan Wadsworth. Gay pay in the uk. Economica, 72 (286): 333-347, 2005.

[Berg and Lien 2002]-Nathan Berg and Donald Lien. Measuring the effect of sexual orientation on income: Evidence of discrimination? Contemporary economic policy, 20 (4): 394-414, 2002.

[Bhroin 2009]-Feargha Ní Bhroin. Feminism and the same-sex marriage debate. Electronic, Marriage Equality, April 2009. URL ww.marriagequality.ie/download/pdf/feminism_paper_final_01.05.pdf.

[Billy et al. 1993]-John OG Billy, Koray Tanfer, William R Grady, and Daniel H Klepinger. The sexual behavior of men in the united states. Family planning perspectives, pages 52-60, 1993.

[Black et al. 2000]-Dan Black, Gary Gates, Seth Sanders, and Lowell Taylor. Demographics of the gay and lesbian population in the united states: Evidence from available systematic data sources. Demography, 37 (2): 139-154, 2000.

[Black et al. 2007]-Dan A Black, Seth G Sanders, and Lowell J Taylor. The economics of lesbian and gay families. The Journal of Economic Perspectives, 21 (2): 53-70, 2007.

[Canada 2011]-Statistics Canada. General social survey – 2010 overview of the time use of canadians. July 2011.

[Colman and Atlantic 1998]-Ronald Colman and GPI Atlantic. The Economic Value of Unpaid Housework and Child Care in Nova Scotia. GPI Atlantic Halifax, 1998.

[Embrick et al. 2007]-David G Embrick, Carol S Walther, and Corrine M Wickens. Working class masculinity: Keeping gay men and lesbians out of the workplace. Sex roles, 56 (11-12): 757-766, 2007.

[Nair 2015]-Yasmin Nair. The secret history of gay marriage. 2015. URL http://yasminnair.net/content/secret-history-gay-marriage.

Notas de Rodapé

[1] – Das Extended Penn World Tables

[2] – Ver https://www.ons.gov.uk/employmentandlabourmarket/peopleinwork/earningsandworkinghours/datasets/agegroupashetable6

[3] – “Em resumo, a história secreta do casamento gay é que sua história real, como uma campanha rapacious, gananciosa e inteiramente egoísta realizada por homens e mulheres gays rapacious, gananciosos e inteiramente egoístas foi sistematicamente apagada por homens gays como Frank Bruni e seus aliados heterossexuais untuosos como Frank Rich e Linda Hirshman. A história secreta do casamento gay não é que ele possa impedir que nossas vidas sexuais sejam mais interessantes, mas que sua vitória permita o cimentar de uma sociedade neo-liberal onde somente as relações privadas podem garantir o acesso à segurança econômica e aos cuidados de saúde. A narrativa preferida é que o casamento gay será um sonho tornado realidade. A realidade é que o casamento gay não é nada mais que um pesadelo e a ferramenta mais útil do neoliberalismo”. [Nair, 2015]

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