Por: Danay Galletti Hernández
Segundo uma pesquisa realizada no ano passado, cerca de 40 mil pessoas foram atendidas no sistema de saúde brasileiro de 2007 a 2017, após exposição a agrotóxicos.
O Brasil ocupa os primeiros lugares do ranking mundial de consumo de agrotóxicos. Nas duas últimas décadas, o país aumentou o uso, principalmente de glifosato, após a adoção de cultivos transgênicos em grande escala.
No gigante sul-americano, a utilização destes produtos se incrementou 190 por cento em dez anos. Somado ao anterior, o governo de Jair Bolsonaro, com pouco mais de cem dias no poder, confere ataques sistemáticos ao meio ambiente.
Em menos de quatro meses, a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina Correa, concedeu 152 licenças para o registro de novos agrotóxicos no território, alguns deles considerados danosos pela comunidade científica internacional e proibidos em mercados consumidores como o europeu e o norte-americano.
Os especialistas indicam que, sob o argumento de incrementar a produção, o executivo patrocina o envenenamento dos produtos dirigidos ao povo brasileiro. A longo prazo, isso também contribui para a perda de compradores estrangeiros, pois a tendência global é reduzir os produtos químicos.
“Aproximadamente 70 por cento dos alimentos estão contaminados. Lamentavelmente esse fenômeno também ocorre na agricultura familiar, pois nos últimos 30 ou 40 anos os agricultores não tiveram mais opção, assistência técnica ou alternativa ao uso de agroquímicos ou fertilizantes”, pondera Nino Tatto, Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo, em declarações exclusivas à Telesur.
Por isso, segundo o parlamentar, a maior parte dos alimentos em supermercados e feiras contém esses venenos. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, cada habitante consome em média 7,3 litros anuais dessas substâncias.
No Brasil, o processo de aprovação de um agrotóxico incluía sua avaliação pelo Ministério da Agricultura, Ministério da Saúde e Meio Ambiente, representado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
No entanto, desde o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, houve um desmonte dos dois últimos departamentos e o Ministério da Agricultura, tradicionalmente dedicado ao agronegócio e ao lucro, atende aos interesses de grandes corporações agroquímicas – Bayer, Basf, Syngenta e Monsanto – flexibilizam a legislação e liberam o uso de mais venenos.
“Precisamos de um trabalho profundo com a população, que deve tomar consciência dos males que os agrotóxicos causam ao meio ambiente, sendo o segundo fator de contaminação da água no Brasil. Um estudo recente afirma que um em cada quatro rios no país possui 27 tipos de agrotóxicos diferentes.”, adverte Nino Tatto.
Agrotóxicos: inimigos silenciosos
Segundo uma pesquisa divulgada no ano passado, cerca de 40 mil pessoas foram atendidas no sistema de saúde brasileiro de 2007 a 2017, após a exposição a agrotóxicos. A maioria dos afetados era homens.
Os médicos confirmaram que, desse número, 26 mil pacientes sofriam de intoxicação por sintomas clínicos como: náusea, diarreia e problemas respiratórios. Os testes também determinaram a presença de alterações bioquímicas no sangue e na urina. O número confirma que pelo menos sete pessoas são intoxicadas por dia.
“Na cidade de Teresina, no extremo nordeste do país, foi detectado leite materno contaminado com glifosato; com uma gravidade ainda maior porque essas mulheres investigadas não são trabalhadoras rurais, mas onde adquiriram o glifosato? Na água. Ou seja, a água que bebemos já está contaminada pelo veneno”, diz João Pedro Stédile, da Direção Nacional do Movimento dos Sem Terra, em entrevista exclusiva à Telesur.
João Daniel, deputado e coordenador do Centro Agrário do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, afirma que a pulverização aérea e o abate das abelhas causaram o fim da produção de mel em diversas regiões.
“Temos 8 mil pessoas com câncer. No entanto, a medicina brasileira raramente diz que esses problemas de saúde são causados por agrotóxicos. As empresas não permitem que o Ministério da Saúde, os municípios, estados ou cidadãos exijam que paguem pela cura da doença dos venenos que vendem “, explica o parlamentar à Telesur.
Para João Daniel é muito difícil lutar contra a força conservadora do agronegócio, as grandes transnacionais e o capital, fundamentalmente, porque também promovem a indústria farmacêutica. “Além de produzir venenos, eles fazem remédios, curam doenças e assim o capital se alimenta desse ciclo.”
Segundo Stédile, os únicos números que o Ministério da Saúde acompanha são os de trabalhadores do campo que, afetados por algum spray do veneno, desmaiam e morrem. “São cerca de 200 ou 300 trabalhadores por ano, um número menor que o real”, diz ele.
“Os mais graves são os efeitos que esses alimentos contaminados causam lentamente e a longo prazo nas pessoas. O glifosato, como principal matéria-prima de todos esses venenos, causa câncer. É comprovado por vários estudos na Europa, nos Estados Unidos e aqui no Brasil pelo Instituto Nacional do Câncer “, diz ele.
Agroecologia e Movimento Sem Terra
Uma lei sancionada em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva exige que os poluentes intencionais não sejam utilizados no processo produtivo; a conservação da diversidade biológica dos ecossistemas; o uso saudável do solo, da água e do ar; bem como a reciclagem de resíduos orgânicos e a minimização do uso de recursos não renováveis.
O Movimento dos Sem Terra do Brasil defende o produto agroecológico. Em sua concepção, resgata as técnicas pré-industriais utilizadas na agricultura familiar: menos agressivas ao ecossistema, relacionadas ao conhecimento científico moderno da análise da água e do solo, e aos hábitos e necessidades da fauna local.
“Nós discutimos com a sociedade sobre o consumo agroecológico como uma alternativa ao veneno. O povo precisa acordar sobre a urgência da reforma agrária e o combate às doenças causadas pelo modelo de agricultura capitalista “, lembra Alexandre Conceição, da Coordenação Nacional do Movimento dos Sem Terra, em declarações à Telesur.
Stédile explica que é necessário realizar uma campanha massiva de informação sobre esse fenômeno. “Conseguimos que no rótulo dos produtos conste se são transgênicos e aprovamos no governo de Lula, mas ainda não há identificação em mercadorias com o rótulo agrotóxico, para que a pessoa ao ir ao supermercado tenha a opção de recusá-lo”.
Outro benefício da agroecologia é que a rotação de culturas obedece à lógica de alimentar o produtor familiar e não ao planejamento financeiro dos proprietários, o que permite uma produção mais diversificada.
“Alguns artistas e personalidades conhecidas da sociedade brasileira se juntaram à nossa luta. Há uma preocupação nos formadores de opinião, mas ainda assim os trabalhadores são vítimas, não têm opção, têm que comprar o que oferecem, nesse caso, a mercadoria afetada pelos agrotóxicos “, conclui Stédile.
Tradução de Ana Siman
Temos um problema com a matéria e a realidade. O cotidiano, no caso
Como já tive proximidade com o agronegocio por ser uma fonte de renda de parte da minha família eu posso afirmar que apenas a liberação de novos agrotóxicos feito pelos últimos governos não é a causa maior desse problema
Muitos agrotoxicos permitidos a muito tempo e em vários países, necessitam de um tempo de espera desde a aplicação até a colheita
O q varia muito dependendo do produto. Um exemplo prático presenciado por mim revela o real problema aqui. Os agricultores nunca, ou quase nunca esperam esse tempo, e realizam a colheita com 3 ~ 4 dias após a aplicação de agrotóxicos, o q deveria ser feito em pelo menos 15 dias
Não existe fiscalização e controle nenhum sobre isso. Ngm espera o tempo necessário até mesmo por necessidades climaticas e financeiras dos agricultores.
Não adianta simplesmente proibir ou liberar qualquer agrotóxico uma vez que não há nenhuma fiscalização, além do “mercado negro “de agrotóxicos existir com facilidade a muitos anos