Alberto Buela: “O Peronismo deixou de existir há muito tempo”

Entrevistador: Jorge Fontevecchia
Entrevistado: Alberto Buela
Quem não gosta do presidente argentino Alberto Fernández o “acusa” de peronista, e os que o admiram também atribuem a ele o rótulo de peronista. Mas Fernández é peronista? Existe peronismo na Argentina hoje? Em que consiste, de fato, o peronismo? O filósofo argentino Alberto Buela aborda esses e muitos outros temas.

Como você explicaria a um leigo o que é a metapolítica?

Em 1994, começamos a publicar uma revista chamada Dissenso em papel. Naquela época, não havia Internet ou, pelo menos, não tínhamos uma. Eu me conectei com muitas pessoas na Europa e nos Estados Unidos por causa do tema da revista. Em algum momento, um autor ítalo-chileno, Primo Siena, me enviou uma carta e disse: “Alberto, o que você está fazendo é metapolítica. Por que você não lê Silvano Panunzio?” Um autor italiano que não é conhecido aqui. Pedi a um amigo em Roma, Aldo La Fata, que me enviasse um de seus textos. Don Silvano estava prestes a morrer. Achei interessante, embora tivesse uma visão um pouco esotérica. Em filosofia, estamos acostumados a refletir com a razão. Sabemos que o homem, como disse José Ortega y Gasset, é uma ilha racional cercada por um mar de irracionalidades, mas devemos salvar a racionalidade do ser humano. Se eu fico com as irracionalidades, faço horóscopos, me dedico às ciências ocultas; algo diferente da filosofia estrita. Estudo isto, leio e vejo outros autores, Primo Siena me escreve novamente. Pergunto a algumas pessoas que fazem ciência política, pesquisadores do Conicet… Nada. E me escreve um filósofo muito importante na Espanha no final do século XX, cujo nome era Gustavo Bueno. Bueno foi um filósofo materialista do Partido Comunista. Deixou o PC, embora tenha continuado a ser materialista até a sua morte. Foi ele quem me disse que eu tinha “as condições ideais para desenvolver a metapolítica, porque a metapolítica não é nada mais que a metafísica da política”. Eu respondi que não gostava disso, porque podemos vincular a política à metafísica. A metafísica fala sobre o necessário e a metapolítica fala sobre o contingente porque a política é contingente, pode ser de uma forma ou de outra. O necessário pode ser de uma só maneira. Prefiro definir a metapolítica como as grandes categorias que condicionam a ação política. Foi assim que eu encontrei um texto de Max Scheler. É preciso ir sempre aos grandes, os clássicos não são outra coisa que autores antigos que têm respostas contemporâneas. É difícil estar errado se nos voltarmos para Max Scheler. Encontrei uma palestra dele na Escola Superior Alemã de Guerra no ano 1927, um ano antes de sua morte, sobre a etapa da nivelação. Lá ele disse: “Esperemos que este curso que estou dando possa, a seu tempo, substituir culturalmente a classe dominante alemã ultrapassada”, havia toda a decadência da República de Weimar, “… e que possamos construir uma alta política”. Ali descobri a fundação.

A metapolítica é um avanço em relação à teoria política?

Ela a coloca em crise, em crítica. Se alguém o faz bem, a metapolítica mostra quais são os pressupostos políticos dos atores, a ideologia. Nossos atores políticos, desde nosso presidente até qualquer um dos 88 secretários de Estado, basicamente fazem ideologia. A idéia de estudar a metapolítica é confrontar as grandes categorias, tais como homogeneização, pensamento único, teoria do gênero, entre outras.

As categorias não são os partidos, mas a política dada. A metapolítica é uma mera atividade cultural ou precede necessariamente uma ação política posterior?

Existem duas versões. Uma versão é a francesa, que diz que a metapolítica deve ser feita sem política. Nós, por outro lado, defendemos que a metapolítica deve ser feita, mas buscando uma ancoragem na política. Temos uma necessidade urgente e manifesta de estudá-la, especialmente na Argentina. Nos deparamos com o fato de que temos um governo progressista, de esquerda, liberal, social-democrata, no qual Bob Dylan tem mais influência do que Perón. Temos de esclarecer de alguma forma essa mistura.

Como você esclareceria isso?

Em vez de falar em direitos humanos, eu falaria em direitos dos povos. Em vez de falar em privilegiar as minorias, eu privilegiaria as maiorias. Como nenhum governo as tem hoje, eles privilegiam as minorias sobre as maiorias, embora se chamem peronistas. Ao contrário do que o peronismo sempre fez.

Alberto Fernández não é peronista?

Não, ele não é. O homem não é um peronista.

A metapolítica parte da idéia de que “por meio de tornar algo consciente pode-se descobrir os erros da consciência e modificar o futuro”?

Exatamente.

E, neste contexto, a metapolítica aplicada às categorias que existem na Argentina seria diferente da metapolítica aplicada às categorias européias ou norte-americanas?

Sim, é diferente. Na Europa, o nacionalismo é o oposto do patriotismo. Na Europa, o nacionalismo é mal visto. Por outro lado, para nós o nacionalismo é uma atitude patriótica.

Nosso nacionalismo é de pátria grande?

Claro. Não pode haver nacionalismo europeu. Por estarem tão em disputa, eles têm 5 mil anos de história de luta. Como eles vão formular esse nacionalismo? Nós ainda temos tempo.

Cornelius Castoriadis diz que “os gregos não inventaram o político como o tema do poder, mas a política, que é a organização desse poder”. Qual seria a diferença entre o político e a política?

O político é o que está ligado ao poder. A política está relacionada com a estrutura da execução desse poder. Os gregos não inventaram o poder; eles inventaram os mecanismos pelos quais o poder é executado democraticamente.

Outra definição diz que “o político é o que se refere a ser a continuidade do que é. Seu escopo está circunscrito à representação, gestão e manutenção dos laços da sociedade para os quais encontra sua referência substancial no aparato estatal, designado ontologicamente como o estado de situação. Por outro lado, a política, longe de tentar legitimar ou estabelecer o vínculo social, é caracterizada por seu caráter disruptivo e pela dissociação, ou seja, pelo evento. A política é aquilo que interrompe as ficções do político, apontando as inconsistências da representação e desconectando todas as relações sociais existentes” (N de R: estas são idéias de Alain Badiou).

É muito obscura e tediosa essa definição. Não estou brigando com ninguém, mas vou esclarecer meu ponto de vista. Quando se diz que a política está ancorada no ser, ela está ancorada no que existe. O político está ligado ao ser e está ligado ao Estado, de acordo com este autor. Eu não a ligaria ao Estado, porque o Estado não tem um ser em si mesmo, como diz Georg Hegel. Isso é uma criação do idealismo alemão. O Estado são seus aparatos. Ele não tem um ser em si mesmo.

Então a que você ligaria a política?

À comunidade. Ao trabalho na comunidade, na sociedade. O político, à natureza desse poder. É por isso que eu acho a definição obscura.

O político não é o Estado, sem o poder?

Não é apenas o Estado que o tem, que pode flutuar na comunidade ou na sociedade. Dependendo de se prevalecem ou não os valores. Na comunidade, os valores têm precedência e na sociedade, os contratos têm precedência. Os negócios são o coração da sociedade civil; é algo que Karl Marx diz nos manuscritos de 1844. Ele fala de negócios, porque lida com contratos. É para isso que temos sociedade; mas também podemos ter comunidade. De fato, nós a temos. Em pequena escala, mas temos comunidade. Se você limita o político ao Estado, de alguma forma você endeusa o poder, e não é assim. O poder nasce da vontade dos povos.

O político acabou se tornando a justificação do status quo prevalecente e a política seria aquilo que procura transcendê-lo.

Quando se faz uma revolução, de alguma forma se quer romper com o status quo. Isso seria a política.

E o político seria o status quo.

Sim. Os fenômenos políticos são múltiplos e, ademais, contingentes.

A metapolítica tem a tarefa de desmistificar a cultura dominante e sua consequência natural é tirar o sustento do poder político e eventualmente substituí-lo por algo melhor, que em última instância seria a política?

É por isso que me vinculam a Antonio Gramsci. Muitas pessoas me disseram que o que estou propondo é semelhante ao que Gramsci está propondo em termos de desarmamento do aparato estatal. Nesse sentido, há uma semelhança.

O tema da metapolítica é também aquilo que está além da política e que, de alguma forma, a condiciona. É um mundo categórico que não só e unicamente se percebe por seus efeitos, mas nunca de forma imediata.

Não se vê. Neste sentido, a metapolítica tem uma grande ancoragem com a filosofia. Os juízos de filosofia nunca são vistos imediatamente. Nós sempre os vemos quase cem anos depois. Tenta-se falar sobre o necessário do mundo da contingência política, mas com base em elementos que duram. É por isso que não vemos os efeitos imediatos.

Existe uma relação entre metapolítica e hermenêutica?

Existe uma relação especialmente na escolha categorial feita pelo praticante de metapolítica. Uma coisa é que eu escolha falar sobre o direito dos povos para fazer contraposição aos direitos humanos e outra bem diferente é que eu escolha falar sobre homogeneização cultural para falar sobre globalização. São universos diferentes. Se eu escrevo sobre homogeneização cultural, não incomodo quase ninguém, especialmente quando falo de globalização, que parece ser o diabo do momento. Fico bem. Mas se eu começar a trabalhar no direito dos povos contra os direitos humanos, para desmistificar a idéia de humanidade, estou em outro âmbito. Isto é o que Miguel de Unamuno disse: “A humanidade não tem mãos nem pés. O que existe é o homem concreto”. Fui entrevistado pela Universidade do Chaco. Eles me perguntaram o que eu achava da encíclica Fratelli Tutti. Eu lhes disse que a maçonaria inglesa disse que estava feliz, porque finalmente o papado coincidiu com a irmandade universal. E isso não está certo. A visão católica parte do relacionamento com o outro através da caridade. A caridade é ajudar o outro em função de Deus. Ela deve ser concreta e tem que tocar o outro. Em vez disso, os filantropos americanos passam um cheque para a África, os políticos corruptos o descontam, compram as armas e matam os próprios negros que querem salvar.

Se houvesse uma possibilidade de absolutização, a metapolítica se tornaria uma espécie de ciência sagrada e não profana?

Há todo um pensamento chamado pensamento esotérico, com Julius Evola, Rene Guénon, Frithjof Schuon, Fritz Capra. Eles são vários autores esotéricos que sacralizam a política. Se a tornamos sagrada, aqueles que a fazem são deuses.

A política é uma paixão ou uma ciência?

A política é uma arte toda de execução, como diz Juan Perón. Ele está certo. É uma arte. Como arte, não tem regras fixas, porque trabalha sobre o plausível. É uma arte sobre uma matéria contingente, mas que deseja atingir objetivos necessários, como a grandeza da nação; o bem comum; a solidariedade entre os habitantes: a subsidiariedade; a solidariedade.

Os eventos históricos dependem dos esforços individuais de uma pessoa ou existem forças superiores ou de um grupo de pessoas?

Não sei. Você convidou para uma reportagem um filósofo que disse “não sei”.

O modo como os povos organizam a política as torna responsáveis pelos governos que têm?

Como organizamos a política, estamos estabelecendo um destino para nós mesmos.

Você subscreve à idéia de que os povos têm os governos que merecem?

Não é mentira. É um reducionismo. Mas, no final das contas, os outros países não têm a culpa se estivermos indo mal. Estamos assim porque estamos indo pelo caminho errado para fazer melhor. A questão da responsabilidade é como a galinha e o ovo. Vimos muitas eleições manipuladas. Vemos todos os dias a manipulação da mídia, dos grupos de poder, dos grupos financeiros internacionais. Há pessoas agindo sobre nós.

O que transforma precisamente o poder em poder?

O poder é feito pela obediência. Aquele que alcança a obediência tem poder.

O que torna a obediência possível?

A obediência é alcançada de duas maneiras: por persuasão ou por medo.

Aquilo de saber é poder.

Há uma frase famosa de Sören Kierkegaard: “Quando se sabe algo, pode-se dizê-lo de muitas maneiras”. É impossível o que dizem alguns estudantes, de que sabem algo mas não conseguem expressar. Em primeiro e segundo lugar, o poder é alcançado quando o saber é entregue de forma persuasiva. Surge aí a autoridade. Como o pai com seus filhos. Por que ele tem autoridade? Porque explica. Se o pai simplesmente bate em seu filho, ele não o educa, o filho se rebela.

Qual seria o fundamento último da política? O fundamento não-político da política.

Subscrevo ao que diz Aristóteles. O fundamento último da política é a amizade recíproca, a anti-philia que não significa que seja contra os amigos, pelo contrário. A amizade pode ser de utilidade, pode ser de prazer e pode ser recíproca. Buscar o bem do outro.

Vou ler uma frase de Augusto Del Noce: “As sociedades contemporâneas possuem um número infinito de meios, mas seus fins são confusos”.

É extraordinária. Eu o parabenizo por sua escolha. Temos uma infinidade de meios, em comparação com as gerações anteriores. Eu posso escrever, cometer erros e corrigir. Eu posso acrescentar e posso encher linguiça. Quando escrevi minha tese na Sorbonne, em 1980, tive que acrescentar colando papel, porque me faltava uma frase na época. O resultado foi uma enorme confusão que nunca terminou. Com um computador, o resultado teria sido diferente.

Existe uma metáfora para a Argentina em tudo isso? Com uma enorme quantidade de recursos, ela não alcança sua realização porque não tem propósitos claros.

Não somos claros a respeito deles. Outras gerações foram claras a respeito de seus propósitos, por exemplo, no século XIX. Mas isto vem do século XX. Há um homem excepcional na política, Roque Sáenz Peña. Ele é o único presidente ferido em combate. É extraordinário, ele quase foi fuzilado quando era um oficial para os peruanos na Guerra do Pacífico. Saenz Peña disse: “Rapazes, temos que ter um código civil comum. Não podemos ter 11 códigos civis”. Temos que começar a partir daí. Compartilhar a dor e os méritos.

Vou ler um parágrafo de Alain Badiou: “É o não pensamento da situação que impede o risco. Ou seja, o exame das possibilidades. Não resistir é não pensar. Não pensar é não se arriscar a arriscar. Você tem que declarar a situação pelo que é em cada caso e depois arriscar que existam riscos, que sempre existem, grandes ou pequenos, mas é o pensamento que abre as possibilidades”. Qual é a relação entre metapolítica e vontade?

Eu nunca pensei sobre isso. Em filosofia, quando ouvimos falar em vontade, lembramos de Arthur Schopenhauer. Eu nunca pensei nisso em termos de relacionar…

E Friedrich Nietzsche.

Mas eu nunca pensei esse vínculo com a vontade.

Leornardo Da Vinci dizia que era o coração que enviava o impulso à mente ou ao cérebro sobre o que pensar. O que é que impulsiona esta resistência para que haja uma política melhor?

É a própria realidade. Aquele que faz metapolítica pensa que o status quo é errado, arbitrário ou alienado.

Há mal-estar.

Como diz Max Scheler, no impulso de resistência eu sei que existo. Ele diz: “Se eu tocar nesta mesa e empurrá-la, eu sei que tenho um corpo; então, eu sei que existo”. É pelo impulso da resistência. É isso que é metapolítica. Resisto a esta realidade que acho que não é boa; é aí que começo a filosofar.

E depois a agir.

E depois a agir, obviamente.

O que você acha do uso da metapolítica pela Nova Direita?

Eu acho que a A Nova Direita se engana em sua caracterização da política. Ela quer fazer metapolítica sem política. É Gramsci, mas a partir da direita. Não faz sentido para mim pensar em como modificar as categorias que condicionam a ação política dos agentes políticos e não fazer nada para modificar ela.

Existe alguma conexão entre isso e os libertários atuais tão na moda na Argentina?

Os libertários e os terraplanistas são minorias que saíram como cogumelos por toda parte.

A nova direita não realiza nenhuma ação política partidária porque considera que os partidos políticos foram superados em poder de iniciativa pelos mega-dispositivos mais midiáticos e é aí que está a corrente de pensamento e onde a disputa deve ser levada a cabo?

É uma meta-política sem fins. É uma metapolítica ilustrada. A direita faz uma metapolítica ilustrada. É filosofar como Descartes de seu escritório: ele vê passar um homem com um guarda-chuva e filosofa a partir do sino de vidro. Isso também não é filosofia. A pessoa age como pensa ou acaba pensando como age.

Existem verdades, além de corpos e linguagens?

Existem verdades. Verdades indubitáveis. Por exemplo, as analíticas: que o todo é maior que a parte; ou o princípio de identidade, tudo é idêntico a si mesmo: de não-contradição, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.

A tarefa da metapolítica é, em parte, a de criar verdades políticas?

É criar versões diferentes; não verdades. Versões diferentes daquelas que existem.

Mais verdadeiras?

Não sei se mais verdadeiras. Isso tem que ser visto em ação, porque a verdade é o que é mais o que pode ser.

A prática é o que confirmaria a utilidade e o verdadeiro?

Ou seu fracasso. Não há receita. É por isso que é interessante o dissenso quando passamos.

Como sua teoria do dissenso difere da teoria do conflito de Karl Marx?

A teoria do conflito de Marx é um conflito de classes entre burgueses e proletários. É aí que repousa toda a sua teoria. Em nosso caso não, a teoria do dissenso se baseia na possibilidade que o homem tem de dar outra versão. Dissenso em grego, dis que vem depois de bis, significa outro ou dois. Outra versão. Não é um pensamento negativo, mas outro pensamento. Não é como Groucho Marx: “Eu tenho estas verdades; e se você não gosta, eu tenho estas outras”. Não. Alguém tem certas verdades, outro propõe opções, com uma ressalva: que nos movamos no campo da opinião, não no campo da metafísica. O terreno da opinião é afirmar ou negar algo com medo de estar errado. Esta é a opinião. O dissenso abre a possibilidade de outra alternativa.

Na introdução a sua teoria do dissenso você diz que “busca responder à Escola de Frankfurt porque, como se sabe, há uns trinta anos se impôs às democracias ocidentais a teoria do consenso, que tem sua origem ideológica na escola neomarxista de Jürgen Habermas principalmente. O resultado foi que o consenso ou acordo dos grandes partidos políticos se tornou o fundamento moral de nossas democracias decadentes, substituindo assim a representação democrática genuína, transformando o sufrágio universal e secreto em uma verdadeira farsa, porque justifica decisões já tomadas antecipadamente pelo acordo dos grandes partidos. Nossa proposta de dissenso como verdadeira causa agente da teoria crítica pós-moderna tenta abrir espaços, dobras, para o verdadeiro pluralismo social dentro de um sistema democrático, processual e, portanto, vazio de conteúdo. Ao consenso dos grandes partidos devemos acrescentar as múltiplas e variadas tabelas de consenso social, patrocinadas pelos grandes lobbies e instituições da sociedade civil para que mudem algo e nada mude”.

Ocorreu-me. Tudo isso sobre dissenso nasceu quando José María Díaz Bancalari, que era o chefe do parlamento, me convidou para as mesas de consenso que a Igreja chamou na época de Eduardo Duhalde. Eu me perguntava o que estava fazendo ali. Eles acharam importante a vinda de um filósofo. Eu lhes disse: “Estão me chamando, mas já tomaram a decisão antes da deliberação”. Mas os lobbies, os grupos de poder, operam assim: eles tomam a decisão e depois chamam para deliberar. Isso é consenso. Consenso é basicamente o consenso dos poderosos. O dissenso é deixado para aqueles que se sentem prejudicados por esta realidade. Eu não podia consensuar, porque as decisões já haviam sido tomadas. Um monsenhor me disse que eu estava estava tirando a possibilidade de diálogo. Minha resposta é que o diálogo filosófico tem um propósito. E se não, como diz Ludwig Wittgenstein: “Daquilo que não se pode falar, é preferível silenciar”.

Agora se fala muito sobre a necessidade de encontrar consensos.

Sempre que estamos em maus lençóis, falamos de consenso. Eu me pergunto por que temos que chegar ao fundo do poço para falar de consenso. Porque agora que estamos em maus lençóis, há muitos grupos que têm suas próprias receitas. Há muitos grupos que estão pensando em se aproximar de Alberto Fernández para dizer-lhe o que fazer com o dólar, o que fazer com os kirchneristas. O que fazer com os abortistas, o que fazer com os índios, com os ocupantes das terras. Isso acontece porque há interesses. Eles abordam a política com interesses concretos. É um fenômeno que acontece em muitos países, que eu estudei bem, depois dessa experiência. Na Alemanha fracassou, foi um fracasso terrível e muitos culparam Habermas. Vários políticos alemães o culparam, porque têm uma visão idealista da sociedade. A sociedade tem vida. Como vou administrá-la por consenso? As sociedades se manifestam através de conflitos pessoais, privados, institucionais. Vai ser sempre assim.

Podemos concordar terminologicamente que você não se refere a ser errado ter um grande consenso, mas que o que é errado é reivindicar um consenso absoluto?

Exatamente.

É isso? Um consenso que termina com o fim da história de Francis Fukuyama?

Claro. E pode-se vê-lo.

Toda virtude em excesso se converte em defeito. Este seria o caso.

São Francisco de Sales diz que você não é um santo porque quer ser um santo. “Me esforço com o cilício, me castigo, não fumo, não bebo, não fornico, ajudo as pessoas porque quero ser um santo”. E ele acrescenta: “A pessoa se torna uma santa quando obedece à vontade de Deus”. Talvez o consenso não seja tão virtuoso.

Em seu prólogo, você se referiu à hipocrisia política como tirania sem rosto, uma lepra do espírito e uma forma de democracia totalitária. Esta busca de consenso absoluto é tão grave assim?

Um consenso absoluto nos arruinaria. Isso nos conduziria a uma humanidade sem arestas. Somos um país dependente, um país com muitas pessoas que querem partir, um país que faz da obtenção de uma dupla cidadania uma glória pessoal. Perdemos a idéia de pátria. Desapareceu. Ela fugiu. A idéia de soberania desapareceu. Você se lembra quando o chanceler de Raúl Alfonsín, Dante Caputo, disse: “Senhores, devemos abandonar a idéia de soberania, que ela é um obstáculo político”? Se não temos a idéia de soberania, por que fazemos política?

O consenso seria uma forma de varrer os problemas a serem resolvidos debaixo do tapete? Você o marcou como um defeito ligado ao progressismo.

Há um filósofo italiano que é extraordinário. Seu nome é Massimo Cacciari, que foi duas vezes prefeito de Veneza. Ele era do Partido Comunista, depois deixou o PC. Depois ele ficou noivo da esposa de Berlusconi. Ele é um filósofo da estética. Mas ele lida com política. Ele fala em um livro sobre a “pax appearence”, a paz aparente. Ele diz que esses governos dos consensos são caracterizados pelo fato de gerenciarem conflitos, mas não os resolverem. Essa é uma grande observação.

“Denuncio o caráter ideológico do consenso como simulacro que mascara a vontade de poder de um grupo político ou de uma classe social”. Essa é uma de suas frases.

No fundo, o consenso é uma ideologia. Quando definimos a ideologia como um conjunto de idéias que um grupo, classe ou setor utiliza para seu próprio benefício, isso também se aplica à idéia de consenso.

Você disse também que somente através da diversidade se consegue a união.

É uma idéia mais antiga do que andar a pé. O homem é uma unidade na diversidade. Somos uma unidade, temos uma unidade através de certos mecanismos que nos dizem que somos o mesmo. Por exemplo, a memória, as experiências, os valores. Eles nos dizem que somos os mesmos de quando éramos pequenos. Continuamos os mesmos. Você e eu somos os mesmos de quando éramos pequenos. Mas, ao mesmo tempo, somos diversos, porque temos muitas coisas contraditórias em nós mesmos. Nós gostamos de uma coisa, mas não gostamos da outra. Nós fazemos isso, mas não gostamos daquilo. Essa é a diversidade que nos constitui. Levada à sociedade, temos sociedades diversas, especialmente na Argentina. Nossa sociedade é muito diversificada.

O que você acha da fenda? (NdT: Termo usado para indicar a divisão maniqueísta entre kirchneristas e antikirchneristas)

Falar sobre a fenda é lançar mão de mais uma narrativa. Não vale a pena gastar pólvora em ximangos.

Não há uma exacerbação do dissenso que começa a ser patológica?

Não.

Você acha que é a expressão do dissenso que é patológica?

Isso é o que é patológico. Muito bem. Isso é o que é patológico. As pessoas não. O povo quer viver bem. O povo quer fazer o peso tenha valor. O povo quer ter saúde, ter férias. A função da política é fazer uma sociedade onde prevaleça o bem viver. Para que quero esta sociedade? Para viver bem. Se for para viver como um macaco, eu vou para outra.

Gonzalo Fernández de la Mora diz que “o Estado não se justifica pela graça do jeito luterano, mas pelas obras do jeito romano. O bom Estado é sempre um estado de obras”.

O Estado não tem um ser em si mesmo, como acontece com os projetos totalitários. É disto que estamos falando com Hegel ou Vladimir Lênin, que disse: “O Estado é uma máquina de dominação de uma classe sobre outra”. O Estado é um instrumento de governo e, como instrumento de governo, é uma máquina de fazer, e tem que fazer as coisas bem. Se ele os faz como um macaco, estamos como estamos. Mas o Estado não tem um ser em si mesmo. Ele é seus aparatos, que tem que ser úteis. Eles têm que estar em sintonia, têm que ser adequados à realidade. Caso contrário, é impossível seguir em frente. A obrigação do governo é fixar os secretários de Estado, os 88 secretários de Estado, os 23 ministros que vão e trabalham. Se eles não trabalham, eles têm que fazer o mesmo que você faz com seus funcionários em um caso como este: cortá-los. No caso do Estado, a responsabilidade recai sobre o governo. É aquele que aponta para uma direção. E o Estado é, por sua vez, aquele que as faz. É por isso que o peronismo tem uma verdade que é muito importante. Diz: temos que constituir um Estado descentralizado para a execução, um governo descentralizado que é o que planeja, e um povo livremente organizado, que é o que condiciona o governo.

Você havia dito que Alberto Fernández não seria um presidente peronista.

Em suas próprias declarações, ele se define como um liberal de esquerda, um social-democrata. É algo que ele disse a vida toda. Eu o abordei muitas vezes e ele sempre dizia a mesma coisa. Não é de agora. Ele sempre disse que Bob Dylan tinha mais influência do que Perón. Quando se tornou presidente, ele disse: “Eu nunca estive na CGT antes”. É um nome agradável. Mas, em termos de idéias, é frívolo. Não é sério. Um presidente não pode dizer uma coisa dessas se ele chega em nome do peronismo. Em nenhum momento ele propôs restaurar ou sanar a questão da comunidade, em uma comunidade tão rica quanto a Argentina. Temos milhares e milhares e milhares de organizações livres do povo, corpos intermediários, organizações profissionais. Somos a sociedade na América Latina com o maior número de organizações populares.

E Cristina Kirchner é peronista?

Não a conheço. Eu nunca li nada dela. Ela foi presidente durante oito anos. Existem problemas de corrupção muito sérios. Eu era muito próximo de Aldo Pignanelli, presidente do Banco Central, de Lanús, um homem trabalhador. Um dia, tivemos uma reunião e ele me disse que eles levaram metade do orçamento em dez anos. Mas ninguém poderia prová-lo. É muito dinheiro, metade de um orçamento. Mas quem pode provar isso?

Sua primeira tese na UBA em 1972 foi “O Ente e os Transcendentais”. Depois escreveu “Aristóteles, Protréptico (Exortação à Filosofia) (1992). “Sobre as Virtudes e Vícios do Pseudo-Aristóteles” (2000), “Virtudes contra Deveres” (2016). “Teoria do Dissenso” (2020). “O Grylos: Primeiro Escrito de Aristóteles” (2020). Aristóteles é seu principal tema de estudo.

Dizem que quando se faz filosofia, é sempre preciso fazer ricochete em alguém.

Para Aristóteles, a entelequia era a realização de um ser que estava em potência, o exemplo clássico da árvore com a semente. Qual seria a entelequia do peronismo? É o kirchnerismo uma evolução do peronismo? É a realização potencial desse peronismo de 1945 ou ainda é uma potência que não foi realizada e não encontrou sua entelequia?

Pensando rigorosamente, o kirchnerismo é outra coisa em relação ao peronismo. É uma variante contemporânea e juvenil do peronismo também, que não pode ser descartada sem mais nem menos. Não se pode dizer que os kirchneristas são todos ladrões. Isso é impossível. Deve-se dizer que é uma variante do peronismo, mas nada mais. A questão ideológica do peronismo não é colocada pelo kirchnerismo. O kirchnerismo não representa nenhuma questão ideológica. Não consigo encontrar ninguém em quem depositar minha esperança. Eu gostava muito de Aldo Pignanelli. Mas ele morreu.

Sergio Massa não representa isso?

Sou um homem que passou dos 70 anos de idade. O Massa é muito mais jovem.

Existe o peronismo?

Não, o peronismo deixou de existir há muitos anos. Perón morreu e o que há são peronistas. Há peronistas, mas o peronismo não existe. E isso porque não há critérios. Não há critérios a serem sancionados, por exemplo. Não existe um tribunal de disciplina. O peronismo é como um laranjal. Eu não sei se você já entrou em laranjal como os de San Pedro. Lá estão as laranjas e todos levam o que quiserem. Sem punição, sem diretrizes. O peronismo tem uma doutrina, mas não há diretrizes para impor essa doutrina. É o que está acontecendo com o peronismo. Acontece com ela o que aconteceu com a Igreja Católica: não tem diretrizes. Todos são católicos. Um amigo meu tinha uma namorada. Ele se casou e veio para a cidade com a namorada. O tipo foi e comungou tranquilamente. Perguntei-lhe por que ele estava fazendo isso, se estava com a mina. Sua resposta foi: “Mas eu já tenho minhas coisas resolvidas com Deus”, é o “café católico”, como dizem os norteamericanos. É o catolicismo à la carte. Tornou-se isso. É o mesmo com o peronismo: é à la carte.

Aristóteles dizia que também houve acidentes: uma forma de ser que ocorre em uma substância sem ser um dos caracteres distintivos de sua essência. O kirchnerismo é um acidente da essência do peronismo?

É um acidente. Não é substancialmente peronista. É um acidente que se produz sobre a substância do peronismo. O acidente é aquilo que pode ser ou não ser. O sujeito é o hipokeimenon. Essa é a substância. O acidente é o que se aplica à substância, o contingente. A substância é o que é necessário. Naquele mundo categórico de Aristóteles, o kirchnerismo é um acidente. Tem que ser tomado como tal. Não é algo substantivo.

É o acidente que produziu a crise de 2001/2002?

O peronismo estava em crise. Fernando de la Rúa veio, mas nós vínhamos dos últimos meses de Carlos Menem, de um para um…

O Carlos Menem dos anos 90 foi um acidente do peronismo?

Desde a restauração da democracia até aqui, todos aqueles que representavam o peronismo foram realmente acidentes, não algo substancial. Não perduram.

E tem futuro algo que está constituído como meros acidentes do ser?

Não. Pelo menos aqueles que se apresentam como porta-vozes do peronismo, aqueles que se apresentam, não têm futuro. O peronismo vai passar lentamente como uma corrente que foi. Uma corrente que é filosoficamente forte, que tem elementos muito interessantes a estudar. Alguém me perguntou se ela era inspirada pela doutrina social da Igreja. Sua carta fundamental é a de 1949, no Congresso de Filosofia em Mendoza. Não há nenhuma menção à doutrina social da Igreja. Naquela época havia duas encíclicas, a Rerum Novarum de 1891 e a Quadragesimo Anno de 1931, que é uma encíclica fascistoide. Depois houve a mensagem de rádio de 43, Pio XI com a Quadragesimo Anno, Pio XII com a mensagem de rádio. Em 43, Perón não cita nenhum deles. Aqueles que estavam lá, aqueles que eram católicos ou pensadores cristãos, Padre Hernán Benítez, nenhum acrescentou nada. Então começou todo um movimento, para ligar o peronismo à doutrina social da Igreja. Mas começou nos anos 60, nos anos 70, quando foi publicada a encíclica Mater en Magistra, Populorum Progressio, e foi somente com João Paulo II que a doutrina social da Igreja foi estabelecida. É um corpo de opinião, porque ninguém pode falar metafisicamente sobre política. É por isso que eu sou contra a metapolítica como metafísica. Em 1981, o Papa João Paulo II emitiu a encíclica Laborem Exercens. Ali ele diz, até aquele momento era proibido aos sindicatos fazer política, ele diz: “Os sindicatos também devem representar os trabalhadores existencialmente e politicamente”. Ali a Igreja deu um passo na direção do peronismo original. Mas o peronismo original desapareceu. Essa é a história.

Como foi sua representação da CGT na OIT em 1981?

Fui diretor do Departamento de Filosofia da Universidade Nacional de Mar del Plata. Eu tinha ganho o concurso, eu estava lá com minha esposa e uma filhinha. Quando o golpe chegou, eles me expulsaram. Como sou de Magdalena, de Samborombón, tinha um Citroën 2 CV, levei minha filha, fui buscar alguns pesos para a gasolina e depois dirigi até a costa. Agora está pavimentada. Cheguei até a General Conesa. Eu tinha um primo em um campo. Nós ficamos lá.

E por que a CGT enviou você para a Europa?

Porque eu queria fazer um curso. Eu era um grande amigo de Osvaldo Borda, secretário geral da borracha e um grande amigo meu. Jogávamos cartas juntos. Naquela época, eu estava envolvido com ferraduras de cavalos. Eu começaria às cinco da manhã, mas à uma da tarde eu iria comer no sindicato da borracha na Avenida Congresso. Em certo momento, a CGT tinha quatro secretários gerais, Ramón Baldassini, Jorge Triaca (pai), Saúl Ubaldini e Osvaldo Borda. Ele me disse para ir, para ver se podíamos fazer algo. Foi uma confusão absoluta. Em algum momento, alguém perguntou se eu sabia francês. E era o meu caso. Eu falava francês sem ter estado na França. Eu tinha sido ensinado por uma senhora que nasceu em minha casa, uma francesa. Graças a ela, eu falo francês.

Não tinham ninguém para enviar para a OIT?

Foi assim que eles me disseram que eu tinha que ir. Eles me pediram para ir, para participar, mas que não nos filiássemos. Era uma coisa contraditória. Quando eu estava lá, eu havia escrito a este professor, o grande professor Pierre Aubenque. Ele teve dois livros publicados e mais alguns estudos porque a vantagem para mim foi que aprendi grego quando fui preso por Juan Carlos Onganía. Estive na prisão por um ano e oito meses e um irmão meu me deu uma gramática grega, um dicionário. Eu estava no meio do campo em Mazaruca, em Entre Rios. Lá aprendi por conta própria.

Por que você foi preso por Onganía?

Por desobediência. Eu fui preso porque chamei Onganía de maçom publicamente. Eles me fizeram dar muitos saltos. Agradeço a Onganía por não me terem matado. Naquela época não se matava ninguém. Quando eu tinha 17 anos, eu havia me juntado a um grupo chamado Nueva Argentina. Era um bando de malucos. Não sei se você se lembra dessa viagem. Havia um cara que era o mais louco de todos, cujo nome era Emilio Abras, que era o assessor de imprensa de Perón. Era muito louco. Ele sempre dizia: “Este Onganía é a maçonaria branca”. Cheguei lá, um menino de 20 anos, com uma cabeça fresca, um bom menino, um crioulo, e ele passa e eu grito para ele: “maçom!”.

Você escreveu sobre um dos primeiros textos de Aristóteles, “Grylos”.

É o primeiro escrito.

Você tem uma preferência pelos primeiros escritos de Aristóteles.

Sim, porque há pessoas que sabem muito sobre os outros e trabalharam neles.

O mesmo com o “Protréptico”. No caso de “Grylos”, a essência da abordagem de Aristóteles é que a idéia de causar prazer, de agradar que é típica dos retóricos, dos sofistas, é oposta à do orador de Platão, que fala pelo bem maior daqueles que escutam. Mais velho, ele escreveu a “Retórica”. A retórica é uma ferramenta para a demagogia, para o populismo?

Ela pode ser usada como demagogia, pode ser usado para o populismo. São artes que podem ser usadas bem ou mal. Todas as artes podem ser usadas dessa forma.

Tratar de produzir prazer e não solucionar o problema é o defeito dos políticos?

É o que os sofistas têm feito. Platão os chama de sofistas, de sophos. Platão é o primeiro a dizer: “Devemos ser filo-sofos: sábio é apenas Deus”. Nós somos filo-sofos.

Amantes do saber, mas não sábios.

Não somos sábios; e eles são sofistas: usam o conhecimento para uso pessoal ou para cobrar pelas aulas.

Existe alguma analogia possível entre aqueles que se dedicam à política e os sofistas?

Em geral, aqueles que se dedicam ao político são menos do que aqueles que estão engajados na política. A política está cheia de agentes, mas os que se dedicam ao político estão em menor número. Eles são os intelectuais, que fazem parte dos think-tanks.

Você acha que existe uma certa patologia no uso da retórica, no uso do agrado, da lisonja, do elogio, nos políticos?

Existe a linguagem da política. O discurso da política não é outra coisa. Promete, mas não envolve as pessoas. O discurso do político é sempre um discurso sobre o futuro. Portanto, isso não o compromete. Ele está sempre acima de qualquer censura.

Que sentimento você tem sobre o que a Argentina está vivendo hoje e que conselho ou mensagem você poderia dar aos leitores?

Primeiro, um sentimento de tristeza. Eu nasci em um país onde estávamos contidos pela comunidade. Tenho 72 anos de idade, sou criado metade na cidade, metade no campo. Nasci no Parque Patricios, mas dois dias depois eu estava morrendo e meu pai fez uma caixinha e me levou para Magdalena, onde estava toda a minha família, então eu nasci lá de fato. Eu cresci, tínhamos a escola, o clube Huracán, havia a paróquia de San Bartolomé em Chiclana e Boedo. Tínhamos muitas organizações que nos continham; éramos uma família humilde. Eu ìa à piscina na Rua Pepirí, me expressava como nadador. No clube Huracán eu jogava bola ou tênis, que também me agradava. Na paróquia, costumávamos fazer acampamentos. Na escola, nós estudávamos. Na poliomielite, todos os vizinhos saíram para pintar as árvores com cal. Eu nasci em uma comunidade. Eu nasci em uma pólis. E produzimos algo extraordinário: assim como os gregos passaram das tribos para a pólis, Platão diz isso no último livro das leis: “A diferença com os bárbaros é que nós temos pólis e eles não. E temos um sistema de leis pelo qual Sócrates diz, diante da opção de fugir da cicuta: ‘A lei é minha mãe e minha parteira'”. A Argentina conseguiu um milagre extraordinário, além de ter Lionel Messi e Diego Maradona. Eu nasci em uma pólis e vou morrer em uma tribo. Temos as tribos dos abortistas, dos antiabortistas, dos terraplanistas, dos subsidiados, das mães, das crianças, dos primos, dos índios. A idéia do povo como maioria foi quebrada. Fizemos o oposto dos gregos.

Fonte: Perfil

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Nova Resistência
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