Politicamente Correto: “A Mídia é o Principal Vetor da Ideologia Dominante”

A cultura do cancelamento é a nova caça às bruxas. A ditadura do pensamento único politicamente correto é a nova Inquisição. Em seus primórdios, o jornalismo, a mídia, pode ter servido como uma espécie de contra-poder, hoje ela é o principal vetor do pensamento hegemônico liberal pós-moderno. Alain de Benoist aborda o hiper-moralismo da sociedade pós-moderna, e o papel dos jornalistas na perseguição a todos que cometem crime de pensamento hoje em dia.

“Depois que a polícia jornalística pretendeu substituir os intelectuais comprometidos, a perseguição ao herege, baseada no consenso midiático absoluto, substituiu a discussão crítica e a argumentação polêmica. A difamação suave e diluída, o denuncismo virtuoso, a delação mimética e bem pensante, dão à caça às bruxas um estilo francês. O gosto pela delação se espalha nos conselhos editoriais: eles preparam uma lista de suspeitos, fazem um inventário do que é “ambíguo” e do que é “equívoco” (o que “não está claro”), trabalham para vigiar quase todas as deficiências de “correção” ideológica […] O caçador de hereges não pergunta, não discute, ele denuncia, rastreia, assinala aqueles que ele designa como criminosos e inimigos, até mesmo como inimigos absolutos”.

Pierre-André Taguieff escreveu isso em setembro de 1998, no Le Figaro. As coisas mudaram desde então? Você não fica realmente com essa impressão se julgar pelas palavras ou expressões que são repetidas infinitamente na mídia como refrãos: polícia do pensamento, cordão sanitário, pensamento higiênico, demonização, estalinismo intelectual, antifascismo anacrônico, maniqueísmo, denuncismo, caça às bruxas, estigmatização histérica, manipulação da suspeita, ditadura do bom pensamento, execução sumária, marginalização, deslizes, pensamentos perigosos, confusões, reductio ad hitlerum, descontextualização, leitura militante, linha vermelha que não pode ser cruzada, anátemas, cortina de chumbo, hiper-moralismo, purificação ética, lexicofobia, opiniões sem valor de opinião, párias do pensamento, etc. Nos anos 70, falávamos frequentemente em “terrorismo intelectual”, nos anos 80 em “polícia do pensamento”, desde os anos 2000 em “pensamento único”. Mas ainda é o mesmo fenômeno: a proibição de fato das idéias inconformistas, a marginalização daqueles que estão fora do círculo virtuoso da doxa dominante.

Sejamos claros: sempre houve censura, alguns discursos eram mais facilmente aceitos que outros, e outros que se queria ver desaparecer. Nenhum setor de opinião, ideologia ou corrente de pensamento escapou disso no decorrer da história, e muitas vezes aqueles que mais se queixam da censura apenas sonham em poder implementá-la por sua vez. O fato, porém, é que a censura e as inquisições assumiram novas formas nas últimas décadas.

Há três fatores radicalmente novos a levar em conta.

Ordem Moral e Império do Bem

A primeira é que os censores de hoje querem ter uma boa consciência, o que não era necessariamente o caso no passado. Aqueles que são empregados para marginalizar, ostracizar, reduzir ao silêncio, querem ter a sensação de estar situados do lado do Bem. A nova ordem moral de hoje é combinada com o que Philippe Muray chamou de Império do Bem (1), uma evolução inseparável do surgimento de uma nova forma de moralidade que acaba por invadir tudo.

A antiga moralidade prescrevia regras de comportamento individuais: a sociedade funcionaria melhor se as pessoas que a compunham agissem bem. A nova moralidade quer moralizar a própria sociedade, sem impor regras às pessoas. A velha moralidade dizia às pessoas o que elas deveriam fazer; a nova moralidade descreve o que a sociedade deve se tornar. Não são mais as pessoas que devem se comportar melhor, mas a sociedade que deve ser mais “justa”. A velha moralidade era ordenada para o bem, enquanto a nova é ordenada para o justo. O bem afirma a ética das virtudes, o justo é a própria concepção de “justiça” tingida de uma forte impregnação moral. Baseada nos direitos subjetivos que os indivíduos extrairiam do estado de natureza, a ideologia dos direitos humanos, que se tornou a religião civil de nosso tempo, é, antes de tudo, também uma doutrina moral. As sociedades modernas são ultra-permissivas e hiper-moralistas.

Conhecemos o velho debate sobre lei e moral: é a lei que faz a moral evoluir, ou é a moral que faz a lei evoluir? Para responder à pergunta, basta observar a evolução do status atribuído à homossexualidade no espaço público. Se há cinqüenta anos a lei punia “a apologia da homossexualidade”, hoje é a “homofobia” que está sujeita a sanções criminais, a tal ponto que, nas escolas, agora se organizam campanhas destinadas a “sensibilizar as crianças para a homofobia”. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre a homossexualidade, a comparação destes dois fatos é um tanto surpreendente. Em meio século, a homossexualidade foi apresentada de forma um tanto chocante como “vergonhosa” ou “anormal”, hoje se tornou tão admirável que é proibido dizer que não se gosta dela.

A fúria do Bem claramente não perdoa a história. Quer elas criem novos delitos penais ou não, quer elas seja repressivas ou puramente declaratórias, as “leis memoriais” dão a entender que a lei está apta a decidir sobre a verdade história, o que é uma aberração. Eles encorajam os “arrependimentos” públicos que, ao encorajar a lembrar o passado apenas como crime, também funcionam como advertências retroativas e mitos incapacitantes. No Império do Bem, não se busca mais refutar pensamentos inconvenientes, mas sim deslegitimá-los, não como falsos, mas como malignos.

Ideologia dos Direitos e Politicamente Correto

O segundo fator-chave: o surgimento do “politicamente correto”. Este tsunami, proveniente do outro lado do Atlântico, não é anedótico, muito pelo contrário. É indiretamente um ramo da ideologia dos direitos, começando pelo direito de ter direitos. Desde o início, há reivindicações que afetam o vocabulário ou as formulações: aqueles que se sentem chocados, humilhados, denegridos pelo uso de certos termos, apresentados regularmente como estereótipos, afirmam ser justificados ao exigir que os suprimamos. Os movimentos neofeministas e os defensores da “teoria do gênero” estão na vanguarda desta reivindicação, que poderia ser legítima se não fosse empurrada até o absurdo.

A causa raiz do politicamente correto está realmente no que poderia ser chamado de metafísica da subjetividade, que é uma das pedras angulares da modernidade. Descartes é seu grande ancestral: “Eu penso, logo eu existo”. Eu, eu. Em termos mais contemporâneos: meu, meu. A verdade não é mais externa a mim, ela se confunde comigo. A sociedade deve me respeitar, deve proibir qualquer coisa que possa me ofender, me humilhar, chocar ou ferir meu ego. Outros não devem decidir por mim o que eu sou, caso contrário estarão me vitimando. Aparentemente, sou um homem branco com uma barba grossa, mas se eu decidir que sou uma lésbica trans negra, é assim que todos deveriam me considerar. Eu nasci há sessenta anos, mas se atribuo a mim mesmo as características de um homem de 40 anos, é assim que meu estado civil deve me registrar. Basicamente, eu sou o único que tenho o direito de falar sobre mim. Assim, se alimenta o narcisismo do ressentimento.

A censura em nossos dias é assim justificada pelo “direito das minorias de não se ofenderem”. Essas minorias não são comunidades ou organismos constituídos no sentido tradicional do termo, mas grupos desarticulados de indivíduos que, em nome de uma suposta origem ou orientação sexual do momento, procuram desarmar qualquer crítica baseada apenas em sua alergia à “estigmatização”. Sua estratégia pode ser resumida em três palavras: espantar, culpabilizar, se impôr. E para fazer isso, eles se fazem passar por vítimas. No clima de compaixão entretido pelo Império do Bem, todos querem ser vítimas: a era das vítimas substituiu a dos heróis. O estatuto de vítima autoriza tudo, assim que se pode instrumentalizar o politicamente correto e a ideologia dos direitos “humanos”. O racismo estrutural, o sexismo inconsciente, a homofobia, é a trinca vitoriosa. Não é mais a essência, mas a dolência que precede a existência. O muro das lamentações foi estendido à sociedade como um todo em nome do direito de erradicar a “discriminação”.

Podemos também nos deter neste termo “discriminação”, por causa do mau uso semântico a que é constantemente submetido. Originalmente, ele não era de fato pejorativo por natureza: apenas designava o ato de distinguir ou discernir. Na linguagem contemporânea, passou a designar uma diferenciação injusta e arbitrária, o que acaba levando ao “incitamento ao ódio”, na medida em que a “luta contra a discriminação” se tornou uma das prioridades da ação pública.

O problema é que esta exigência, que se estende passo a passo, culmina em situações que, não sendo cômicas, são aterrorizantes. Uma escola secundária americana decidiu remover um grande mural datado de 1936 denunciando a escravidão, pela dupla razão de que seu criador era branco (uma pessoa branca não pode ser anti-racista, o racismo está em seus genes) e que sua visão era “humilhante” para os estudantes afro-americanos. Ele será substituído por um afresco que celebra “o heroísmo das minorias raciais na América”. Na França, uma apresentação de As Suplicantes de Ésquilo na Sorbonne causou “escândalo” porque certos atores usavam máscaras negras, provas evidentes de “racismo”. Na Espanha, um coletivo exigiu a regulamentação urgente da “cultura do estupro” que reina nos currais: as galinhas são vítimas da luxúria dos galos.

Outros estão indignados que as pessoas queiram homenagear uma mulher famosa (deveriam “femenageá-la”), ou que um ministro acusado em um caso recente tenha sido inocentado e tudo ficado “esclarecido”, o que demonstraria falta de respeito com as pessoas de cor. Centenas de outros exemplos poderiam ser citados.

De passagem, notamos que a “racialização” das relações sociais a que estamos assistindo atualmente não deixou de agravar as coisas, sob a influência de movimentos “indigenistas” e pós-coloniais. Isso testemunha uma certa ironia: depois que declaramos oficialmente que “as raças não existem”, não paramos mais de falar sobre isso!

Censura Midiática mais que Estatal

O terceiro fato novo é que a censura não é mais realizada principalmente pelas autoridades públicas, mas pelos grandes meios de comunicação. No passado, as exigências de censura vinham principalmente do Estado; a imprensa se sentia lisonjeada por desempenhar o papel de contra-poder. Tudo isso mudou. A mídia não apenas abandonou quase toda a tendência de resistir à ideologia dominante, mas é seu principal vetor.

Jornais, canais de televisão, partidos políticos: durante trinta anos, todos eles tem dito mais ou menos a mesma coisa porque todos eles raciocinam dentro do mesmo círculo de pensamento. O pensamento único é ainda mais onipresente na mídia, pois é exercido dentro de um pequeno círculo onde todos têm as mesmas referências (valores econômicos e “direitos humanos”), onde todos estão familiarizados e se tratam uns aos outros pelo primeiro nome, onde as mesmas relações incestuosas unem jornalistas, políticos e empresários. A prova disso é que, em um certo número de questões-chave, 80% deles pensam exatamente o oposto do que 80% dos franceses pensam. O resultado é que o sistema midiático está cada vez mais desacreditado. E a maioria dos debates que testemunhamos não merecem mais este nome. Philippe Muray já o disse: “O campo do que não é mais discutível nunca deixa de se expandir”. Frédéric Taddeï confirmou isso na France Inter em setembro de 2018, “o problema é que você não tem mais um verdadeiro debate na televisão francesa e isso não parece incomodar nenhum jornalista”. Da mesma forma, segundo a feliz expressão de Jean-Pierre Garnier e Louis Janover, o intelectual comprometido deu seu lugar ao intelectual por contrato: “Os ‘três C’s’ que definiram sua missão no passado – criticar, contestar, combater – foram substituídos pelos ‘três As’ que resumem sua resignação hoje: aceitar, aprovar, aplaudir”(2).

Estamos no ponto em que até voltamos a perseguir nossos colegas. Os jornalistas exigem o silêncio de outros jornalistas, os escritores exigem a censura de outros escritores. Vimos isso no caso de Richard Millet, e mais recentemente de Eric Zemmour. Este é explicitamente o programa de dois pequenos inquisidores, entre outros, Geoffroy de Lagasnerie e Édouard Louis: “Se recusar a tratar certos ideólogos como interlocutores, certos assuntos como discutíveis, certos temas como relevantes” (sic) (3). O diálogo com o “inimigo” reconheceria efetivamente seu estatuto existencial. Isso seria se expôr à impureza, à poluição. Não se dialoga com o Diabo. Então é necessário demonizar. O politicamente correto é o herdeiro direto da Inquisição, que procurou combater a heresia detectando pensamentos malignos. No 1984, de George Orwell, Syme explica muito bem que o objetivo da novilíngua é “restringir os limites do pensamento”. “Eventualmente, tornaremos o crime de pensamento impossível, porque não haverá mais palavras para expressá-lo”. Esse é o objetivo final das novas Inquisições.

Notas

[1]Philippe Murray, l’Empire du Bien, les Belles Lettres, 2010.
[2]Jean-Pierre Garnier et Louis Janover, la Pensée aveugle. Quand les intellectuels ont des visions, Spengler, 1993.
[3]« Intellectuels de gauche, réengagez-vous ! », le Monde, 25 septembre 2015.

Fonte: Cairn

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Alain de Benoist

Escritor, jornalista, ensaísta e filósofo, um dos autores chave da Quarta Teoria Política, é autor de numerosas obras sobre uma vasta gama de temas, incluindo arqueologia, tradições populares e história da religião.

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