Ba’ath: ideologia e história

O único partido nacionalista árabe remanescente digno deste título é o Ba’ath – já que os diversos movimentos de matriz nasserista foram incapazes de alavancar à criação de uma força ideológica e política nos diversos países árabes. O Ba’ath deve ser estudado, portanto, como o único representante da ideologia unionista árabe, organizado em um Partido e não limitado a um movimento de opinião, ainda que, nestes termos, sua magnitude seja grande (ontem o nasserismo, hoje em dia, o gadaffismo).

A Ideologia do Ba’ath

O Ba’ath tem a peculiaridade de ser o único partido político pan-árabe (o único, se deixarmos de lado o caso original do Partido Social-Nacionalista Sírio) que tentou elaborar uma doutrina nacional-revolucionária razoavelmente coerente, graças às análises políticas e históricas de seu fundador e líder, Michel Aflaq (um sírio grego-ortodoxo), primeiramente em seus inúmeros artigos dispersos e, acima de tudo, em sua obra de síntese Fi sabîl al-Ba’ath (Na Via da Ressurreição), publicada em Damasco, em 1959, nos tempos da União Sírio-Egípcia, no seio da República Árabe Unida.

Aflaq analisa tanto o seu próprio nacionalismo, quanto sua oposição à filosofia marxista:

“A Nação Árabe tem uma história independente da história do Ocidente e da Europa: as teorias e as formas de organização que surgem da civilização ocidental nascem de condições próprias do Ocidente e não correspondem às necessidades dos países árabes, pelo que estas, aqui, não encontram um entorno favorável.

A Nação Árabe não é uma pequena nação de importância secundária, que pode adotar um baluarte distinto ao que lhe é próprio, nem marchar sobre os passos de outra nação e se alimentar de seus restos (…)

A doutrina marxista é uma ameaça para os países árabes porque periga fazer desaparecer sua personalidade nacional e porque impõe ao pensamento árabe moderno um ponto de vista partidário, tendencioso e artificial, destruindo a liberdade e a integralidade deste pensamento”.

Para Aflaq, um não-muçulmano, o nacionalismo árabe, embora “inspirado” pelo Islã, o é de uma forma bem distinta da advogada pela Irmandade Muçulmana ou pelo Coronel Gaddafi:

“Toda Nação (…) possui uma força motriz básica (…) essa força motriz foi a religião, paralelamente ao surgimento do Islã. Por conseguinte, somente a religião era capaz de revelar as forças latentes dos árabes, de realizar sua unidade (…) Hoje (…), a força motriz primária dos árabes (…) é o nacionalismo (…) Os árabes estão tão mutilados em sua liberdade, sua soberania e sua unidade que não podem compreender outra linguagem que a de seu próprio nacionalismo”.

O Ba’ath, no reconhecimento do papel positivo da religião islâmica na tomada de consciência da unidade árabe (nos termos da Umma, a comunidade dos crentes), se constitui como um partido nacionalista laico.

Convém frisar que o Ba’ath também se apresenta como um partido socialista:

“O socialismo Ba’ath está em total acordo com a vida da sociedade da Nação Árabe (…)

Ele se limita a organizar a economia em vistas a redistribuir a riqueza no mundo árabe, assentar as bases para uma economia que garanta a justiça e a igualdade dos cidadãos e promover uma revolução na produção e nos meios de produção (…)

Nosso socialismo está impregnado por uma filosofia que emana entre os árabes, de suas própria necessidades, suas condições históricas e suas particularidades. A filosofia do Ba’ath não aprova a concepção materialista da filosofia marxista (…) Nosso socialismo se fundamenta na pessoa e em sua livre personalidade. O socialismo Ba’ath considera que a força primordial de uma Nação reside nas inclinações pessoais que levam os homens a agir – o Partido se abstém, portanto, de abolir a propriedade privada, buscando todavia limitá-la (…), de maneira que se evite qualquer abuso (…)

Nosso socialismo não poderá prosperar fatidicamente senão no marco do Estado Árabe Unitário, ou seja, quando todo o povo árabe for liberado, quando desapareçam os grilhões, tais como o imperialismo, o feudalismo e as fronteiras geográficas impostas pela política, que se opõem ao êxito do socialismo”.

Em uma entrevista concedida a Benoist-Méchin (em Un printemps arabe), Michel Aflaq apresentou de forma particularmente potente sua definição de Nação e das relações que ligam a pessoa à comunidade histórica:

“(…) Nós somos os nacionalistas árabes – nós devemos elevar o homem a sua dignidade suprema. Mas semelhante objetivo não é realizável fora de um marco nacional. Um homem não é plenamente ele mesmo fora do seio de sua Nação. A Nação é o teatro em cujo interior o homem desempenha um papel na esteira da realização de seu destino pessoal. Ao suprimir o teatro, dito papel já não existirá – de repente o homem desaba, sem sentido (…)” (p. 340).

A tomada de posição soviética em favor da causa árabe e, em particular, na questão palestina, bem como os claros interesses da URSS no seio do mundo árabe, muitas vezes nos levam a pensar que o nacionalismo árabe chegou a um acordo com o comunismo internacional, ou se viu convertido em sua filial, tomando particularmente como exemplo as muito boas relações entre os dois regimes baathistas (do Iraque e da Síria) com Moscou. A realidade resulta bem diferente, no entanto, dada a hostilidade permanente do Islã contra o materialismo marxista. Além do mais, os árabes, por sua vez, descobriram no imperialismo soviético algo tão pungente quanto o que lhe havia precedido. Inclusive no momento da primeira reunião entre os nacionalistas árabes e a União Soviética, os primeiros foram rápidos ao demarcar uma clara distinção entre a URSS e os partidos comunistas árabes.

Assim, o Manifesto de criação do Ba’ath (escrito por Aflaq), de 1944, lê-se:

“Nós não nos posicionamos contra a União Soviética e fazemos uma distinção muito clara entre a URSS e o Partido Comunista Sírio local. Nós, árabes, não temos razão alguma para nos opormos a um grande Estado como a URSS que, depois de sua formação, demonstrou simpatia pelos países que lutam por sua independência. Nosso objetivo é estabelecer relações amigáveis com a URSS para ter relações normais de tratados oficiais e intergovernamentais, e mediadas pelo Partido Comunista local. Os triunfos do comunismo se dão, aqui, em razão da debilidade dos espíritos. Porém, um árabe bem informado não pode ser um comunista sem abandonar o arabismo: ambos são incompatíveis – o comunismo é estrangeiro a tudo que é árabe. Ele será um perigo maior para o nacionalismo árabe, já que será incapaz de fornecer uma definição sistemática de seus objetivos”.

Nesta época, o Ba’ath lucidamente julgava que o comunismo na terra árabe jogava a carta do chauvinismo e do anti-imperialismo e, nessa ótica, se o nacionalismo árabe não se convertesse em uma estrutura ideológica, seria literalmente absorvido pelo comunismo. Daí se dão os esforços de Aflaq para dotar seu Partido de um aparato ideológico coerente, capaz de disputar com o marxismo. Neste sentido, o movimento baathista em favor do “socialismo árabe” é planejado para desarmar os propagandistas marxistas. Porém, este “socialismo árabe” (comum também a todos os movimentos unionistas) não tem nenhum ponto em comum com o marxismo-leninismo. Ele é uma simples projeção do nacionalismo, um meio para tornar factível o nacionalismo, tal como Aflaq reconhece explicitamente:

“Os nacionalismos árabes compreendem que o socialismo é um meio mais seguro para conquistar o renascimento do nacionalismo e da Nação, porque sabem que o combate dos árabes na contemporaneidade repousa na união dos árabes, e que não é possível que eles sigam unidos neste combate se estiverem divididos entre senhores e escravos.

Portanto, nós pensamos que os árabes não poderão realizar seu renascimento se não estiverem convictos de que o nacionalismo implica em justiça, em igualdade e em uma vida digna em sociedade”.

Tal “socialismo árabe” só poderia atrair a clássica réplica marxista: “Populismo pequeno-burguês!” – “Demagogia social-fascista!”.

De todo modo, o socialismo baathista é idêntico ao de todos os movimentos de tipo terceiro-posicionista, e Aflaq se limita a demarcar os pensadores fascistas ocidentais (apesar de sua hostilidade principista aos “ideólogos estrangeiros ao mundo árabe” de que faz uso contínuo para repelir o comunismo): tudo contra as divisões marxistas da luta de classes.

Resenha História do Ba’ath

O Ba’ath se constituiu em 1944, na Síria, e depois se alastrou por vários países árabes. É necessário estudar país por país (ou melhor ainda – segundo a terminologia baathista – região por região).

a. Síria

O Ba’ath de 1944-45 foi implementado unicamente em Damasco e não constitui mais do que um pequeno movimento de intelectuais, girando em torno de Michel Aflaq e de outros de seus amigos. O papel limitado que desempenhou, porém, não impediu que fosse proibido pela ditadura do Coronel Chichakly, em abril de 1952, sendo novamente autorizado em setembro de 1953, levado a cabo um processo de unificação com um pequeno partido próximo, o Partido Socialista Árabe (al-Hizb al-Ifritayets al-Arabi), criado em 1950, por Akram Haurani. Os dois movimentos se fundiriam um pouco mais tarde sob o nome definitivo de Ifrikayets al Ba’as al-Arabi: Partido Socialista do Renascimento Árabe.

Nas eleições de 1949, o pequeno partido baathista só obteve quatro assentos, ao contrário do partido unificado, que se asseguraria uma posição muito sólida nas eleições de 1954 (depois da queda do ditador, ganharam dezessete assentos).

Sob a direção de Chukri al-Kouatly, Presidente da República depois de agosto de 1955, a Síria se move à esquerda e, nas eleições de maio de 1957, a Frente Nacional Progressista (formado pelo Partido Comunista, pelo Ba’ath, pelo Partido Cooperativo Socialista e pelo Partido Nacional, de al-Kouatly) prevalece sobre os partidos de direita (Partido do Povo, Movimento de Liberação Árabe, do ex-ditador Chichakly, e Fraternidade Muçulmana). Rapidamente, o Partido Comunista, que havia forjado uma grande influência e se infiltrado no Partido Nacional, se coloca contra os baathistas, hostis ao marxismo, e em novembro de 1957, para salvar a Síria do comunismo, a Assembléia Nacional vota, sob a direção do Partido Ba’ath e do Partido Nacional (controlado pela ala de direita), uma resolução em favor da união com o Egito: união que será realizada em 1 de fevereiro de 1958, sob o nome de República Árabe Unida. O Partido Comunista é declarado ilegal pelo novo regime unionista, e o Ba’ath é rapidamente “absorvido” pelos nasseristas (em particular, pelo onipotente Coronel Serraj, chefe dos serviços de segurança e posterior ministro do interior da “província síria” da RAU).

Em dezembro de 1959, os ministros baathistas caem e seu partido se torna clandestino, até o putsch militar de 28 de setembro de 1961, que eclode com a queda da RAU e com nascimento de um regime liberal, que reautoriza os partidos anteriormente proscritos (com exceção do Partido Comunista, que seguirá proibido até fevereiro de 1966, e o PPS, que se mantém como ilegal).

As eleições de dezembro de 1961, logo após colapso do regime unionista, resultam em um êxito muito limitado para o Ba’ath, e os partidos conservadores asseguram uma ampla maioria no Parlamento: Partido do Povo – trinta e dois assentos (grande ganhador das eleições); Partido Nacional (purgado de seus elementos de esquerda)  vinte e dois assentos; Fraternidade Muçulmana  seis assentos; Ba’ath  vinte e quatro assentos.

Os outros assentos são atribuídos aos independentes ou aos partidos minoritários: quanto ao Movimento de Liberação Árabe e ao Partido Cooperativo Socialista, que não sobrevivem à morte de seus fundadores.

No período seguinte, o governo moderado (quando o Ba’ath se encontra na oposição) se expõe às ações inconsequentes de oficiais ambiciosos, e os baathistas preparam um golpe de Estado com os oficiais pró-nasserianos: putsch que ocorre bruscamente em 8 de março de 1963. O êxito do golpe se dá rapidamente e se constitui um Conselho Nacional da Revolução, sob o comando do General Atassi, enquanto que o chefe da ala de direita do Ba’ath, Salah al-Din Bitar, forma o novo governo, com uma grande maioria baathista. As personalidades conservadores são levadas ao isolamento cívico, entre elas Akram Haurani, que havia rompido com seus antigos amigos do Ba’ath, recriando seu próprio movimento e se aliando às forças da direita.

Uma nova República Árabe Unida nasce em 17 de abril de 1963, porém, menos de quinze dias após criação da federação sírio-egípcia-iraquiana (o Ba’ath também toma o poder no Iraque), baathistas e nasserianos começam a se opor abertamente.

Em 13 de maio de 1963, Bitar constitui um novo ministério, puramente baathista, levando os nasseristas à oposição. Estes últimos tentam um golpe de Estado em 18 de julho de 1963, que fracassa lamentavelmente. Nasser rompe totalmente com o Ba’ath, enquanto que o General Amin al-Hafez se converte no Presidente do Conselho Nacional da Revolução. O CNR promulga uma Constituição provisória em 25 de abril de 1964, que insiste na vocação unitária da Síria baathista.

Hafez busca em seguida se aproximar dos unionistas nasserianos e libera os prisioneiros de julho de 1963. Convertendo-se no chefe de governo em 3 de outubro de 1964, ele proclama, em 22 de dezembro do mesmo ano, a nacionalização dos recursos energéticos e minerais do país – estas primeiras medidas são seguidas, no início de 1965, por toda uma série de novas nacionalizações.

Uma série de disputas violentas de poder se travam no seio do Ba’ath, debilitado pela queda de seu ramo iraquiano. A influência de Aflaq diminui progressivamente, que é nomeado a um posto puramente honorífico de Chefe de Partido, enquanto que o doutor al-Razza o sucede no posto vital de Secretário Geral do Ba’ath. Quanto aos “esquerdistas” baathistas, como Zouayyen e o General Salh Djedid, ganham terreno substancial no seio de um partido dividido.

Em setembro de 1965, Zouayyen forma o novo governo, enquanto que o Comando Nacional (quer dizer, inter-árabe: a Síria faz parte de uma nação árabe que existia para o Ba’ath), dirigido por Hafez e Aflaq se opõem ao Comando Regional da Síria, animado por Djedid.

O General Hafez, em dezembro de 1965, dissolve o Comando Regional e substitui o esquerdista Zouayyen pelo direitista Bitar. Porém, em 23 de fevereiro de 1966, Djedid, por um golpe de Estado, prende Hafez, enquanto que Aflaq foge para o Líbano (eterno berço de asilo para os políticos árabes que têm a infelicidade de ter que abandonar seu país).

Zouayyen volta ao governo e se aproxima às URSS, autorizando o líder comunista Khaled Baggdache a voltar à Síria.

A inícios de setembro de 1966, o Comando Nacional baathista monta um contragolpe de Estado, apoiado nas Forças Especiais do Coronel Salim Hatoum, porém o putsch é abortado.

Todas essas querelas tomam lugar no seio de um partido minúsculo: quatrocentos membros (!), segundo Flory & Mantran, em sua excelente obra Les régimes politiques des pays arabes, cifra que nos parece ainda assim muito baixa (por outro lado, temos a cifra de seis a sete mil militantes, dada na Síria por Simon Jargy, no início dos anos 70, que é provavelmente muito exagerada). Pode-se pensar razoavelmente que uma cifra de mil e quinhentos a dois mil baathistas (para uma população total de cinco milhões) é mais próxima à realidade.

As divergências religiosas desempenharam um papel importante nessas contendas: os sunitas são mais moderados, enquanto que a seita dissidente alauíta se encontra mais bem no meio favorável à extrema-esquerda.

O desastre militar de junho de 1967 golpeou terrivelmente os “esquerdistas” do Ba’ath, que haviam custodiado em sua reserva as duas melhores brigadas blindadas (números 10 e 50) para fazer frente a um possível putsch interno por parte da direita, e que, por razões políticas, prepararam mal a armada para este caso, apesar das declarações sensacionalistas: 

“Quase sete mil oficiais (80% dos corpos de oficiais) foram eliminados depois de 28 de setembro de 1961 e, acima de tudo, depois de 8 de março de 1963. Dois dos generais mais enérgicos da armada estavam na prisão: Amin al-Hafez (ex-chefe de governo) e Omrane (ex-ministro de defesa)” (François Duprat, L’agression israélienne, edição especial de Défense de l’Occident, jul-ago. 1967, p. 45).

Igualmente, o Coronel Hatoum, especialista em operações comando, regressa de seu exílio jordaniano para combater a armada israelense, sendo imediatamente preso e executado sob o pretexto de complôs.

Progressivamente, os elementos moderados do Ba’ath se reagrupam em torno ao General Assad, ministro da Defesa, que utiliza os defeitos da esquerda para tomar vantagem sobre ela. Assad vai chegar ao poder supremo utilizando o desastre de setembro de 1970, e enquanto as unidades sírias e da Saïka – ramo baathista da resistência palestina – são destruídas pela aviação jordaniana, a aviação síria (que se encontra sob a obediência de seu antigo chefe Assad) não lhes fornece apoio. Djedid e Zouayyen são dados como responsáveis pelo fracasso que lamentavelmente se sofreu e são destituídos do governo, de modo que Assad passa a controlar a situação desde então.

Em um esforço para democratizar o regime, Assad organiza eleições mais ou menos livres, logo de ter concluído um acordo com o Partido Comunista e com os elementos nasserianos. Os resultados não desafiam a supremacia do Ba’ath, que se assegura hegenônio no seio da Frente Nacional Progressista: Ba’ath – cento e onze cadeiras; União Socialista Árabe (nasserianos) – seis cadeiras; Socialistas Árabes – três cadeiras; independentes – trinta e três cadeiras. A oposição se limita a quatro Irmãos Muçulmanos disfarçados.

Paralelamente, Assad enfrenta uma agitação violenta, dirigida contra “o ateísmo” e “o socialismo” do Ba’ath, animada pelos Irmãos Muçulmanos clandestinos, que mantém seu poder na Síria.

A maior provação que o regime baathista enfrentará, por outro lado, é indiscutivelmente a Guerra de Outubro, quando as tropas sírias e egípcias tomam de surpresa os israelitas, para a estupefação geral. Os sírios, energicamente conduzidos, são os que obtém o resultados mais perigosos para a entidade sionista, tomando em três dias uma boa parte das Colinas de Golã. Se os poderosos contra-ataques israelitas terminam por destruir a armada síria, esta se redimiu gloriosamente de seu fracasso de 1967. Seu novo prestígio reforça a posição de Assad, que cumpriu a tarefa sempre aludida pela a extrema-esquerda (mas sem jamais tratar de concretizá-la).

Depois do fim das hostilidades, Assad pratica uma política dinâmica a fim de evitar se separar do Egito, porém deve fazer frente a uma renovada oposição de parte de seus inimigos de esquerda, que se esforçam para se beneficiar do Iraque, onde se organiza um movimento de resistência, encarregado de reagrupar os árabes hostis aos compromissos de paz com Israel.

O destino de Assad e de sua tendência estão ligados diretamente ao êxito ou fracasso do Plano Kissinger para o Oriente Médio.

b. Iraque

O Ba’ath, clandestino, só havia desempenhado um papel ínfimo sob a monarquia Hachemita, e não chegou a ser realmente notável senão quando o General Kassem toma o poder em 14 de julho de 1958. Desde o advento do novo regime, começou sua atuação contra os três partidos que representavam o apoio popular de Kassem: o Partido Nacional-Democrático (socialista de esquerda), o Partido Comunista Iraquiano e o Partido da Independência, fascista e ligado a Rachid Ali el-Gailani, chefe da revolta pró-alemã de 1941 dos oficiais do Palácio de Ouro.

Não obstante, rapidamente se cria uma nova divisão política no país, quando Kassem começa a se situar como um rival de Nasser. É quando os baathistas e, por sua vez, os unionistas terminam por fazer uma frente comum com o Coronel Aref (verdadeiro organizador do Levante de 14 de julho de 1958), o Partido da Independência e Ali el-Galiani. No entanto, Kassem dissolve o complô e esmaga violentamente o levante unionista do General Chawaf, em Mossul, em março de 1959.

As Milícias Populares e o Partido Comunista (que a essa altura tinha seu congresso situado na mesma cidade) desempenharam um importante papel na supressão do golpe unionista, fazendo crescer sua influência deste modo. Kassem, então, é forçado a manobrar e a aceitar, em 2 de janeiro de 1960, a autorização destes partidos, favorecendo o nascente Partido Comunista dissidente (enquanto que o Baath e o verdadeiro Partido Comunista são mantidos na ilegalidade).

O Zaïm (Chefe) Kassem, todavia, acumula fracassos: impossibilitado de se apoderar do Kuwait em junho de 1961, depois de ter feito frente à revolta de Mollah Barzani, no Curdistão, onde sua armada é paralisada sem lograr resultados.

Baathistas e nasseristas se beneficiam dos fracassos de Kassem e buscam conspirar contra o Zaïm e, em 8 de fevereiro, passam ao plano da ação. Dispõem de escasso apoio, porém: um batalhão blindado, algumas centenas de militantes baathistas, quatro aviões MIG 17. Em compensação, atuam com selvagem determinação e massacram Kassem (diante das câmeras de TV), formando uma Guarda Nacional dirigida pelo General Hassan al-Bakr. Tal Guarda Nacional, composta por jovens, massacra comunistas e progressistas que, em um momento de hesitação (que lhes será fatal), passam a ajudar o Zaïm. Trinta mil militantes de esquerda foram vítimas da repressão desencadeada pelos baathistas após a vitória do levante: o massacre é a obra de Ali Saad al-Saadi, chefe da ala direitista dos baathistas no Iraque.

O nasserista Aref forma o Conselho Nacional de Comando da Revolução, mas o Ba’ath parece a linha mestra do processo, o que se confirma com uma grande e pomposa recepção a Michel Aflaq, pouco depois da vitória baathista de Damasco, em 8 de março de 1963.

Porém, o baathistas encontravam-se divididos entre a Direção Regional Iraquiana, ultradireitista, de Saad al-Saadi e de Kazzar, e a Direção Nacional de Aflaq, que é cauteloso em suas ambições, objetivando evitar um conflito aberto com Aref.

Aref se beneficia das dissenções baathistas e, em 18 de novembro de 1963, dissolve a Direção Regional do Partido, bem como seu braço secular, a Guarda Nacional, cujos membros, jovens, apresentavam sinais de não querer continuar suas operações policiais, não cessando de enfrentar o exército regular. Por outra parte, a ruptura entre Nasser e os baathistas provoca a ira dos unionistas, cujos membros apoiaram Aref em sua luta contra o Ba’ath.

Em 18 de dezembro de 1963, Aref proíbe todos os partidos, depois de ter posto fim a uma mal-coordenada resistência da Guarda Nacional (que os baathistas moderados não apoiaram) e se afirma abertamente sobre o Egito.

Em 14 de julho de 1964, ele forma a União Socialista Árabe do Iraque, destinada a ser o Partido Único do país, aos moldes da União Socialista Árabe do Egito, e cria, em outubro de 1964, um Comando Político único com o Egito, que não terá resultados concretos. Por sua vez, Aref não logra resolver o problema curdo, vacilando entre guerra e negociações.

Aref morre em um misterioso acidente de helicóptero (muito provavelmente, uma sabotagem), em 13 de abril de 1966. Seu irmão o sucede, mas despido de todas as qualidades de seu antecessor, o regime rapidamente se torna incapaz de fazer frente aos crescentes descontentamentos.

Em julho de 1968, um golpe dos oficiais opositores, sem grande coloração política, permite ao Ba’ath se aproximar do poder. Rapidamente os baathistas buscam eliminar seus associados e aproveitam para tomar a totalidade do poder, enquanto que o antigo chefe da Guerda Nacional, o General al-Bakr, se converte em Chefe de Estado. Os baathistas do Iraque, membros da ala direitista do partido, em oposição aos dirigentes sírios, dão as boas vindas a Aflaq, que abandona Beirute para se instalar em Bagdá.

A polícia política dirigida por Nazem Kazzar (que liquida a esquerda iraquiana em 1963), junto com o ramo militar do Ba’ath (dirigido por Mohammed Fadel e pelo agrupamento dos oficiais membros do Partido), organizam um regime de terror, que elimina a família Takriti, particularmente influente no exército. É também pelo terror que se mantém no poder um partido minúsculo, de algumas centenas de membros (ainda menos que os da Síria), e podemos crer legitimamente que estavam absolutamente desconectados das massas. O regime, inicialmente contrário aos comunistas e às URSS, termina por liquidar a disputa com o tratado russo-iraquiano, e com a entrada de dois ministros comunistas no governo da coalizão de maio de 1972.

O golpe falido de Kazzar termina com trinta e cinco execuções, após a morte do Ministro de Defesa, o General Chahab, que havia sido tomado como refém após ser capturado pela polícia comandada por Saddam Hussein, durante sua fuga para o Irã. Isso se dá em 30 de junho de 1973, com o objetivo de deter essa evolução e encomendar o governo do Iraque à Direção Nacional do Ba’ath e, portanto, a Michel Aflaq, cada vez mais direitizado.

Apesar da conclusão do Pacto de Ação Nacional, em 17 de julho de 1973, selado entre o Ba’ath e o Partido Comunista (que buscava a constituição de uma Frente Nacional), a ala direitista do ba’ath não se mostra afetada pelo fracasso sangrento de Kazzar. Como dirá o escritor Eric Roulleau, em um artigo intitulado L’Irak à l’ombre des intrigues (Le Monde, 20 de julho de 1973):

“Paradoxalmente a eliminação de Nazem Kazzar contribuiu para reforçar a ala direitista do Partido, ainda quando o antigo chefe da segurança refletisse todavia a ideologia. Com efeito, os conservadores, incluídos os militares, colocam sobre a esquerda – particularmente sobre Saddam Hussein – a responsabilidade pelos últimos eventos. Argumentando que todos aqueles que estiveram vinculados ao complô são considerados, mais ou menos, como os homens de sua devoção (…) Foram utilizados para reforçar os poderes da facção civil e radical do Ba’ath em detrimento do exército. Este último (…) exigirá manter uma participação efetiva no exercício do poder, uma reorientação da política interior, no sentido de firmeza contra os comunistas e os autonomistas curdos, e na política exterior, considerada muito favorável à URSS”.

Um novo enfrentamento de forças parece provável no Iraque entre a tendência nacionalistas do Ba’ath e a esquerda à sombra de Hussein, Bakr e os centristas moderados, aparece como algo capaz de desempenhar um papel decisivo no conflito. Porém, a Guerra de Outubro provocou, de novo, mudanças profundas. O Iraque anima o movimento de resistência e aparece como o centro da resistência às negociações com Israel. Ademais, a ruptura se dá a ponto de conduzir a uma nova guerra, sob o plano das relações entre os curdos e o Ba’ath, tudo colaborando para que a ala direitista ba’athista reforce rapidamente sua posição. Aflaq e seus aliados claramente não deram o ultimato no Iraque.

c. Outros países árabes

Existem núcleos baathistas, muitas vezes clandestinos, em um certo número de outros países árabes. Um grupo baathista foi desmantelado pela polícia de Túnis em 1970. Os baathistas foram altamente ativos na Jordânia, inclusive no plano parlamentar, antes de sua proscrição pelo governo monárquico. Uma ação clandestina, não obstante, persiste ali. Existe, por sua vez, pequenos grupos clandestinos no Egito.

No Líbano, em 1958, durante a Guerra Civil, o Ba’ath desempenhou um papel importante sob a direção de Abdel Medjid Rafi, que buscou, em diversas ocasiões, constituir um governo revolucionário contra o governo legal. Não obstante, a importância do Partido se mantém limitada, apesar de que, pela primeira vez, ela se preparou para eleger um candidato nas últimas eleições. Estes últimos são favoráveis ao ramo iraquiano do Ba’ath libanês que, aliás, está divididos em duas facções rivais.

No que diz respeito à formação da Resistência Palestina a divisão não ocorre nos termos dessa rivalidade, mas se ramifica em pelo menos duas direções:

— A Saïka, segunda formação mais relevante da Organização de Liberação Palestina (depois do Fatah), está sob o controle total dos baathistas de Damasco. Até a tomada de poder por Assad, a Saïka fornecia apoio substancial, militar, a ala esquerdista do Ba’ath sírio.

— A Frente de Liberação Árabe foi criada por Bagdá para ser um contraponto à Saïka e para representar os interesses de Bagdá na luta palestina. Sua importância se encontra muito limitada, porém, pode-se pensar que rapidamente podem aumentar seus efetivos, em razão de sua posição oposicionista, determinada nos processos de negociação em curso. A Frente já obteve o apoio da Frente Popular para a Liberação da Palestina do Dr. Habbasch.

(Texto originalmente publicado La Revue d’histoire du fascisme, n. 1, 1973).
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François Duprat

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