Breve consideração sobre as reminiscências da literatura oral na arte brasileira.
Numa reunião em um grupo de estudos, recomendei a um jovem mineiro que revelara dificuldade para ler e recitar poemas que se voltasse para os violeiros, o repente, o cururu e a pajada. A partir daí, conversei com meus botões sobre obras como “Literatura Oral no Brasil”, de Luís da Câmara Cascudo, e “Os parceiros do Rio Bonito”, de Antônio Cândido, que mostram as contribuições fundamentais da literatura oral para a formação espiritual e social do país.
“A fé é pelo ouvir, ensinava São Paulo.” (Cascudo) O próprio cururu, fusão entre as culturas indígenas e a jesuítica, era um dos passatempos das festas do Divino Espírito Santo, conhecidas na região do Médio Tietê por Pousos do Divino. A obra de Hesíodo é umas das fontes para entender a religiosidade dos gregos. E assim por diante.
Essa relação é tão umbilical e indelével em nossa cultura, que se manifesta inclusive de forma menos óbvia. Por exemplo, há uma música armorial, se não me falha a memória, da banda Madureira Armorial, completamente instrumental, cujo tema principal é baseado nas quadras heptassílabas ou decassílabas dos cantadores, que hoje preferem a sextilha.
Esse ciclo de retroalimentação não se limita à poesia e à música. A estilística do som na prosa de Guimarães Rosa talvez seja a mais engenhosa da literatura brasileira, embora nem sempre constitua inovação do escritor, pois ele recolheu formas arcaicas ouvidas das gentes da roça, verdadeiro deleite fonético que aproxima sua prosa das formas acima citadas, da poesia, da música e da epopeia clássica. Só para citar alguns exemplos, para sugerir o canto da cigarra, Rosa repete a primeira sílaba do verbo “sibilar” (“Uma cigarra sissibila.”); combina palatais com as vibrantes para sugerir o rugido do rio. Também são frequentes os casos de supressão de sons. Uma dessas supressões talvez tenha teor filosófico: “sobrestive um momento, fechados os olhos, sufruía aquilo com outras minhas forças” (G. Sertão).
“Usufruir”, perdendo a vogal inicial, se aproxima do seu antônimo “sofrer”.
Acréscimos de caráter onomatopeico, acréscimo de fonemas no interior de vocábulo (mais recorrentes nos falares das gentes da roça, como sublinhado), combinações pleonásticas (“cobra bibra”), supressão de sons etc. Esse processo é diferente do do compositor que organiza a cadência das palavras para encaixá-las na melodia de uma música?
Bom, melhor terminar por aqui, acho que entrei numa espiral de digressão. Ah, e leia poesia com os ouvidos!