Os clássicos vão morrer e a culpa é tanto da direita quanto da esquerda.
Eu sou um aficionado por literatura clássica greco-romana, tanto que estudei latim e grego clássico por conta própria durante alguns anos para poder apreciar os clássicos de melhor forma. Estudei por conta própria, pois os estudos clássicos não são muito acessíveis nas escolas e universidades, são poucos os lugares em que se pode aprender essas línguas com professores. Às vezes há iniciativas individuais de oferecer tal cultura a pessoas de origem mais humilde, mas são muito limitadas. E sendo um aficionado pelos clássicos, eu também acompanho muitas páginas online sobre o assunto e também tenho a minha, Latim Vivo.
Mas nessa última semana, algumas páginas e perfis espanhóis no Twitter vêm lamentando uma proposta de modificação da lei que rege o ensino na Espanha que tiraria a obrigatoriedade do latim e do grego do currículo de algumas instituições e cursos e que isso significaria a morte dos estudos clássicos.
Porém, dentro dos debates de preservação da cultura clássica, tanto em escolas quanto em universidades, não dá para deixar de notar uma tendência, especialmente em páginas do mundo anglo-saxão, de ter uma obsessão por causas da esquerda liberal, como o antirracismo progressista e a militância LGBT.
Com todo o movimento do “Black Lives Matter”, os debates sobre gêneros e o “Pride Month”, o debate sobre os clássicos fica ainda pior. Chega-se ao ponto de se distorcer toda a literatura clássica para insistir no mito, propagado por intelectuais gays principalmente, de que o mundo greco-romano era um mundo de ampla liberdade sexual, sem amarras de gêneros e de sexualidade, replicando a tendência da literatura clássica de buscar na história passada uma lição para o futuro, como faziam Tito Lívio, Salústio e Xenofonte. Ou seja, os clássicos precisam ser estudados porque a antiguidade clássica nos daria uma lição sobre a liberdade sexual. Está aí a utilidade do latim e do grego, afinal.
Quanto ao antirracismo progressista, há um esforço para mostrar que as letras clássicas não são racistas, até mesmo iniciativas para tentar trazer mais estudantes negros para esse meio, embora a herança greco-latina não seja o que os militantes negros estejam realmente buscando…
Mas esses esforços acabam mais sendo um tiro no pé dos classicistas de esquerda liberal que uma real ajuda na preservação do legado greco-latino, pois são justamente essas duas tendências de movimentos, o da militância LGBT e o antirracismo progressista, ambos geralmente patrocinado por bilionários suspeitos como George Soros, que impulsionam a destruição das letras clássicas em meios acadêmicos.
Por quê? Porque há uma crença, comum no meio esquerdista, de que estudar grego e latim seja “coisa de elitistas”, “coisa de branco”, até de supremacista branco, de pessoas que querem “resgatar o Ocidente” e que por isso o estudo dos clássicos deve ser abolido das escolas e universidades para dar espaço a literaturas “não ocidentais”, mormente literaturas indígenas e africanas.
No final das contas, as únicas obras que deveriam ser estudadas são poemas da Safo de Lesbos e uma ou outra referência à homossexualidade no mundo clássico (para projetar que todo o resto fosse gay também). O resto é ignorado ou criticado como retrógrado, conservador e machista. Não é difícil, aliás, encontrar em páginas de departamentos e revistas de letras clássicas edições especiais sobre “homoerotismo” e “representações de gênero” entre os clássicos. Ou seja, podemos resumir toda a literatura e arte greco-romana no “homoerotismo”, uma projeção moralista anacrônica sobre a sexualidade dos antigos. Fala-se pelos cotovelos da suposta relação gay entre Pátroclo e Aquiles. Quanto ao resto da Ilíada, deveríamos condená-la como exemplo da “masculinidade tóxica”.
Mas essa é só a justificativa esquerdista, um dos lados da moeda. Vejamos o outro: entre os neoliberais, há a crença de que latim e grego não servem para nada, não capacitam para o mercado, são fruto do mero “bacharelismo” típico da cultura brasileira que está muito atrás de culturas capitalistas pragmáticas como a norte-americana.
E temos ainda um outro tiro no pé: o dos direitistas olavetes neoconservadores. Estes últimos acreditam que estudar os clássicos, a “alta cultura”, seja uma forma de “salvar o Ocidente”, mas por outro lado estão apoiando todos os políticos, partidos e instituições neoliberais que gostariam de ver as humanidades varridas das escolas e universidades porque, além de não servirem para nada, são meios de “doutrinação esquerdista”, onde se fala de homoerotismo, ideologia de gêneros, feminismo e de destruição da família. Além do fato desses mesmos discípulos de Olavo de Carvalho quererem ver a destruição de todas as culturas tradicionais que não abraçaram o globalismo liberal, que eles fantasiam como o “Ocidente cristão”. Ou seja, querem destruir todas as culturas que ainda possuem chaves para entender o mundo clássico, que era, sim, um mundo tradicional, para dar lugar ao “Ocidente cristão” que, ironicamente, é liderado pelo mesmo país de onde brotam movimentos como o “Black Lives Matter”, o “ Pride Month” e as diversas feministas que propagam a chamada ideologia de gênero…
Em suma: os clássicos vão morrer e a culpa é tanto da direita quanto da esquerda. Mas deixemos na lápide das letras clássicas o seguinte epitáfio como mensagem aos seus carrascos:
Quod tu es, ego fui, quod sum, tu eris.
Tempos difíceis, esses que estamos vivendo. Queima-se museus, catedrais centenárias, obras de arte clássica. Querem fazer tábua rasa. O que ainda resta da cultura clássica? Mas ao longo da história, de vez em quando o universo surpreende os “donos do mundo”.