Por Tom Hall
Aproximam-se as eleições americanas, e os brasileiros já começaram o seu vira-latismo costumeiro de acreditar nas mentiras dos principais candidatos do Partido Democrata, entre eles Bernie Sanders, o “socialista democrático”. Uma análise fria de seu histórico político, porém, mostra que longe de ser um anti-imperialista, Bernie Sanders sempre votou a favor do fortalecimento do complexo industrial-militar.
Desde que o assassinato de um alto general iraniano trouxe os EUA à beira da guerra, o senador Bernie Sanders tem denunciado, em declarações e aparições, a imprudência da administração de Donald Trump, e se opõe a uma nova guerra com o Irã.
Além de forte atividade em mídias sociais sobre sua campanha presidencial, Sanders tem participado de “talk shows”, incluindo o “Late Show” da CBS, o “Today Show” na NBC, e uma entrevista à rádio pública americana.
Isso tem sido acompanhado por uma promoção sistemática de Sanders, pelas pseudo-esquerda e esquerda liberal, como o único candidato “antiguerra” da eleição presidencial. Manchetes típicas surgiram no Jacobin, como “Trump quer nos arrastar para a guerra com o Irã. Bernie é o candidato que pode pará-lo”, e no Nation, “Bernie Sanders é o candidato antiguerra”.
Muitas pessoas naturalmente presumiram que o “socialismo democrático” que Sanders professa também significa que o senador de 78 anos de idade é um oponente do imperialismo bélico. Na realidade, desde sua primeira entrada no congresso em 1991, Sanders acumula um longo registro de apoio à guerra e defesa dos interesses predatórios do imperialismo americano.
Em um depoimento politicamente revelador realizado em 8 de Janeiro, em entrevista à Rádio Pública Nacional (NPR), Sanders declarou:
“Nós devemos dispor de nossa riqueza e recursos, com recompensas e punições, para unir as nações, encerrar os terríveis conflitos que observamos pelo mundo, fortalecer organizações internacionais onde pessoas podem se sentar e debater em vez de apontar armas ou jogar bombas uns nos outros.
Em linguagem clara, isso quer dizer que Sanders apoia o uso de poder militar combinado com pressão diplomática para defender a ordem geopolítica internacional dominada pelos Estados Unidos.
“Agora, eu não sou um pacifista,” ele apressadamente salientou. “Há momentos em que a guerra pode ser necessária. Mas eu acredito, como um jovem que se opôs a guerra do Vietnã, que foi um desastre para a minha geração, como alguém que ajudou a liderar os esforços contra a guerra no Iraque, um desastre para nossos jovens, que eu farei todo o possível para resolver conflitos internacionais através da diplomacia, negociações, e não através de guerras sem fim. Basta.
Quando Sanders faz referência a “guerras necessárias”, ele não se refere a revoluções populares contra ordens sociais falidas ou revoltas coloniais contra seus mestres. Ele fala sobre as guerras “necessárias” para o avanço do imperialismo americano.
Os registros de Sanders demonstram o que ele considera como guerras “necessárias”. Eles incluem a intervenção americana na guerra civil da Somália de 1993, em que os Estados Unidos implantou o uso de esquadrões da morte do exército, Força Delta e outras unidades especiais na empobrecida, mas estrategicamente importante nação africana, para decapitar facções opostas ao estabelecimento de um regime fantoche. Também inclui a guerra da OTAN contra a Sérvia em 1999, lançada sob o pretexto de impedir a limpeza étnica do Kosovo.
Em 2001, Sanders juntou-se ao voto quase unânime em favor da invasão ao Afeganistão. Hoje – agora que a guerra de quase 20 anos é amplamente impopular – Sanders convenientemente declara que seu voto foi um “erro”. Mas ele continua a apoiar guerras americanas no Oriente Médio, incluindo a guerra por procuração na Síria.
Sanders também tem apoiado os repetidos ataques israelenses em Gaza, crimes de guerra imperialistas possíveis apenas com o apoio americano. Em uma reunião de prefeitura, em 2014, Sanders bradou contra um manifestante antiguerra que desafiou seu apoio à Israel mesmo com todos os crimes notórios cometidos contra a população palestina.
Ademais, Sanders apoiou publicamente o uso de assassinatos e execuções extraordinárias na chamada “guerra ao terror”. Em 2015, quando questionado se as políticas antiterroristas de uma administração Sanders incluiriam drones e forças especiais, Sanders afirmou que apoiava “isto e muito mais”. Em entrevista para a NPR, Sanders esquivou-se quando perguntado se deixaria forças especiais no Iraque após remover as tropas de chão.
Quando Sanders votou contra conflitos militares, como em seu voto contra a guerra no Iraque de 2002, o fez com a maioria dos democratas no Congresso. Mas isso não o impediu de votar repetidamente à favor de contas maciças sobre gastos militares nos anos após a invasão. Sanders repetidamente descreve a guerra no Iraque como um “desastre” ou fiasco de política externa – mas nunca como um crime, cujos arquitetos devem ser condenados.
O apoio de Sanders à guerra tem forte conexão com seu longo apoio à guerra comercial com a China – uma posição que levanta o perigo de uma guerra direta com uma potência nuclear e país mais populoso da Terra. De fato, sua primeira ação legislativa no congresso foi uma lei copatrocinada com Nancy Pelosi, se opondo à relações favoráveis de mercado com a China. Desde a eleição de Trump, Sanders tem alternado entre apoio aberto às medidas de guerra comercial do presidente contra a China e ataques a Trump e colegas democratas por não apoiarem suficientemente um conflito maior com os chineses.
Esses registros são desconhecidos pela maioria dos apoiadores de Sanders, em grande parte porque, excetuando-se demonstrações verbais de oposição, dedicadas a esconder suas reais intenções e enganar a oposição popular à guerra, Sanders tem mantido um silêncio público e metódico sobre política externa em sua carreira.
Mas o apoio de Sanders ao imperialismo americano expõe seu “socialismo democrático” como uma fraude, já que é impossível se opor a políticas de oligarquia financeira interna enquanto apoia guerras de apoio a essas políticas no exterior. Seu apoio a uma guerra que dura mais de 25 anos empreendida pela classe capitalista americana num esforço para manter seu domínio mundial é a indicação mais clara de que, sob sua retórica de esquerda, Sanders é um político pró-capital.
Desde as primárias em 2016, enquanto Sanders é elevado das margens do partido democrata para se tornar uma de suas principais figuras, ele tem sido compelido a fazer declarações públicas mais frequentes e longas sobre política externa, começando com um grande discurso em 2017.
Naquele discurso, no mesmo local do famoso discurso de Winston Churchill sobre a “Cortina de Ferro” em 1946, Sanders declarou seu apoio às guerras pela democracia e “intervenção humanitária”, e jurou seu apoio ao incentivo do partido democrata a guerras contra Rússia e Síria. Dadas suas escolhas de local e os elogios aos presidentes Truman e Johnson, os arquitetos das guerras no Vietnã e Coreia, Sanders mascarou-se com o manto do anticomunismo da Guerra Fria, sinalizando à classe dominante que ele pode ser um confiável defensor de seus interesses.
Em suas críticas ao impulso de Trump em guerrear com o Irã, ele não articula um ódio profundo da população à guerra, mas as preocupações táticas do partido democrata. Isso caracteriza essencialmente uma oposição pró-guerra, preocupada primeiramente com o fato que Trump, ao assassinar o general Qassem Suleimani, agiu precipitadamente sem fazer as preparações adequadas para uma guerra, tanto do ponto de vista do envio de tropas ao Oriente Médio, como do condicionamento do público americano ao enorme custo material e humano para tal empreendimento.
Ademais, o partido democrata teme que uma guerra com o Irã aloque centenas de milhares de tropas que poderiam ser utilizadas contra a Rússia, que os democratas percebem como um adversário mais imediato e premente ao imperialismo americano. A demanda para que Trump continue o desenvolvimento militar de Obama contra a Rússia está no centro da campanha para o impeachment de Trump e os esforços para caracterizá-lo como um “capacho” de Putin, uma campanha que Sanders apoia.
Apenas um mês atrás, em meio a votação para derrubar Trump, os congressistas democratas votaram por um orçamento militar de $ 738 bilhões, um dos maiores da história. No Congresso, membros do “esquadrão”, congressistas mulheres alinhadas com os Socialistas Democráticos da América, procuraram posar como oponentes da guerra ao votar contra o orçamento cuja aprovação estava assegurada. No Senado, Sanders não votou sequer para mostrar oposição, decidindo se abster.
Ao tentar se promover como uma figura antiguerra, Sanders prepara uma armadilha política muito cuidadosa para as dezenas de milhões de trabalhadores e jovens que se opõe à guerra, e suas preocupações com as consequências devastadoras, tanto internas quanto externas, de uma nova guerra macica no Oriente Médio.
Isso é uma repetição do papel que Sanders assumiu nas primárias em 2016. Ele correu para capturar a oposição à pobreza, desigualdade e guerra entre trabalhadores e jovens, o que desencadeou um rápido e crescente interesse pelo socialismo, buscando aproximá-lo do partido democrata, onde poderiam aprisionar e desorientá-lo.
O apoio de Sanders à eleição de Hilary Clinton, amplamente criticada como belicosa e fantoche de Wall Street, permitiu que Trump capturasse parte dessa oposição através de seu populismo de Direita, sob condições em que trabalhadores ficaram sem escolha senão registrar sua oposição ao sistema político como um todo.
Um genuíno movimento antiguerra precisa se basear na classe trabalhadora, em completa oposição a qualquer partido capitalista e seus aliados, sob um socialismo genuíno, que busca encerrar guerras ao abolir sua fonte, o próprio sistema capitalista.
Fonte: World Socialist Web Site