Um número específico de nossa população nutre uma nostalgia fundamental pelo período soviético. Aqueles que não vivenciaram esse período, projetam a imagem patriótica e positiva de um Estado social e justo, de progresso tecnológico, de novos horizontes, de relações morais entre as pessoas e de disciplina, de modo que pode se dizer um certo afeto neo-soviético permanece vivo em nossa sociedade – nos idosos, como algo natural, e em pessoas jovens e de meia-idade, como algo polêmico (inserido dentro do viés dos liberais modernos da oposição a Stálin).
O Estado, ao verificar que, na nostalgia soviética, há algo de patriotismo, bem como um certo continuum com o modelo totalitário, cultiva-a em parte, da maneira que lhe é conveniente (se antes havia o totalitarismo ideológico, agora há o administrativo).
A segunda atitude em relação à União Soviética é a observada entre os conservadores e muitas vezes entre os monarquistas ortodoxos. Eles lutam contra este neo-sovietismo com um discurso focado no totalitarismo, na destruição da religião e nas diversas atrocidades.
Existe também liberais, que geralmente odeiam a todos – soviéticos ou apenas russos. Nos anos 90, eles denominavam a Rússia como um todo de “marrom avermelhada”, de onde deriva a frase de Shvydsky: “O fascismo russo é mais terrível que o alemão”. Essa é a essência dos liberais.
Mas se, por um lado, os liberais possuem um sistema autorreferencial, não sendo relevantes enquanto grupo de opinião, por outro lado, as perspectivas neo-soviético e (neo)brancas são legítimas. Eles fornecem dados factuais e podem ser facilmente encontradas difusas na Internet e nas redes sociais – embora, terrivelmente, não sendo hegemônicas, ambas não se deem ao luxo de ouvir uma à outra.
Os comunistas, via de regra, pesam a mão sobre religião, a monarquia, e caracterizam esse período da história russa como sendo dominado por “exploradores”, ao passo que os brancos focam no ateísmo, na perseguição ao clero, na etnia majoritária dos articuladores da revolução e em teorias da conspiração.
Em meio a essa peleja, existe um movimento patriótico. E não é de se estranhar que ele seja, hoje, absolutamente deprimente, já que lhe falta diálogo construtivo e projetos comuns. E todos parecem felizes com as coisas do jeito que estão: sem a perspectiva de projetos sólidos, todos ficam livres para lançar insultos e obstruir o caminho de qualquer um dos movimentos dessas vertentes.
No passado, precisamente em 1991, no jornal Day, que depois se tornaria o Zavtra (juntamente com Alexander Prokhanov e outros pensadores), nós definimos um objetivo: não nos dar ao luxo de separar essas duas linhas, nem de tomá-las como antagônicas politicamente. Sim, tratam-se de dois pontos de vista diferentes sobre a história da Rússia. Sim, são dois sistemas de valores diferentes, irredutíveis entre si. No entanto, ambos têm um denominador comum: o patriotismo. Brancos e vermelhos eram russos que entendiam nossa missão de forma diferente e acalentavam suas próprias versões da imagem da Rússia. Aqueles que nos governam hoje, no entanto, não têm a imagem da Rússia. Eles não são da Rússia: são globalistas. Eles acreditam que o Ocidente é o modelo, e que nós somos um país não-ocidental que deve ser levado a esse denominador comum e, então, integrado ao mundo ocidental.
Mas ao contrário dos liberais-globalistas, os patriotas neo-soviéticos e brancos amam sua pátria. Querem, todos, um Estado forte, independente, social e justo.
É interessante constatar que, se você perguntar a um branco o que ele projeta para a Rússia, ele aceitará prontamente a ideia da justiça social (só que despida do ateísmo, do materialismo, etc.). Do mesmo modo, se perguntamos a um neo-soviético, ele reconhecerá a Grande Nação Russa (só que apenas sob a forma da União Soviética). Ou seja, em pelo menos dois pontos – justiça social e identidade russa – brancos e vermelhos convergem. Isso os distingue fundamentalmente dos liberais.
Agora vamos pensar: a quem interessa o escárnio mútuo deprimente entre ambos? Paradoxalmente, não só aos liberais, mas também aos (neo)vermelhos e os (neo)brancos que não querem fazer nada. Os liberais querem governar e fazer brancos e o vermelhos sangrarem – e eles não querem mudar nada.
Em algum momento, Putin tornou-se o denominador comum de todos. Ele foi reconhecido por liberais e patriotas e se tornou uma figura atada ao ideal do compromisso, que resolveu metade dos nossos problemas (deixando sem solução a outra metade). Nosso povo deposita nele um tipo de responsabilidade ideológica, que ele não pode e não quer levar adiante. Antes, o que ele quer é ser o presidente de todos os três grupos: da elite oligárquica e dos patriotas brancos e vermelhos. Ele simpatiza com todos e manterá esse compromisso até o fim. No entanto, gradualmente, as contradições se acumularão e chegarão a um estágio crítico. E agora estamos em um momento de transição, após um atraso de 20 anos em processos que amadureceram nos anos 80 e foram deixados sem abordagem pelos patriotas nos anos 90.
É confortável ser branco ou vermelho, mas sejamos prospectivos, vitais e eticamente estruturados em relação a esses ideais – não marginais degradados, mas pessoas completas, coletivas e eticamente íntegras em ambas as frentes. A caricatura de ambos os tipos indica que as duas visões de mundo são superficiais para nós, russos: nossa verdadeira cosmovisão encontra-se em algum lugar no centro da identidade russa, onde há religião e justiça social, um Estado forte e tradições. Isso nos une. O impulso geral é em direção ao que é genuinamente russo – algo que pode ser entendido, compreendido e vertido em conceito, teoria, projeto e em estratégia.
Quando Dugin conseguir unir os russos, devemos imediatamente sondá-lo, afinal o que há de diferente em relação ao nosso país? Vermelhos ensadecidos com pós-modernidade e conservadores encantados com a flauta do velho da Virginia. Não haveria de no meio disso, dentre os trabalhistas, conservadores, militares e intelectuais um espaço para a síntese dessa nossa colônia estupidificada?