De olho em Taiwan, Japão fortalece defesa, mas descontentamento com tropas dos EUA segue crescendo

A expansão militar japonesa nas proximidades de Taiwan contrasta com a insatisfação popular diante de crimes, acidentes e privilégios legais concedidos às forças americanas.

O Japão implantou esta semana novos mísseis Type 03 Chuu-SAM na ilha de Yonaguni, que fica a apenas 110 km de Taiwan. Com alcance em torno de 50 km, esses mísseis têm função essencialmente defensiva, mas sua instalação tão próxima ao Estreito inevitavelmente provoca reações. Evidentemente, a China interpreta o movimento como uma provocação deliberada e um gesto destinado a aumentar a tensão regional.

No quadro mais amplo, trata-se de mais um passo da estratégia japonesa dos últimos anos: reforçar a infraestrutura militar em todo o arco de ilhas de Nansei, que vai de Kyushu até as imediações de Taiwan.

Em Ishigaki, há sistemas de defesa aérea e baterias de mísseis antinavio Type-12; em Miyako, uma base de radar e unidades de mísseis das Forças de Autodefesa; agora, em Yonaguni, os recém-instados Type-03, que, em teoria, “fecham” uma lacuna no esquema de vigilância e defesa.

Na prática, os Type-03 poderiam cobrir parte do espaço aéreo entre Yonaguni e o norte de Taiwan, reforçando a capacidade japonesa de monitorar e, se necessário, negar acesso em caso de um conflito sino-taiwanês. Em suma: trata-se de mais um componente que poderia ser acionado em um cenário de escalada militar no Estreito.

Mas, diante desse quadro, é legítimo questionar: qual o ganho real para o Japão ao acender ainda mais o pavio de uma possível confrontação com a China? Considerando o desequilíbrio de capacidades entre Tóquio e Pequim, é pouco realista imaginar que o Japão sairia com qualquer saldo positivo de um enfrentamento aberto.

E aqui entra outro ponto que raramente é discutido de forma honesta: a presença militar dos Estados Unidos.

Ainda que o discurso oficial de Tóquio sugira que os EUA seriam um “garante” da segurança japonesa em caso de conflito, a experiência histórica mostra outra coisa. Em vez de fortalecer a autonomia, a presença militar americana tem significado, cada vez mais, um aumento da dependência estratégica, um peso desproporcional sobre certas regiões — especialmente Okinawa, onde 70% das instalações militares americanas estão concentradas — e um agravamento do sentimento de perda de soberania dentro do próprio Japão.

Esse desconforto não é por acaso. Ele decorre de episódios graves e recorrentes envolvendo militares norte-americanos, especialmente em Okinawa. Entre eles, o estupro coletivo cometido por três soldados em 1995, o estupro de uma adolescente em 2008, o assassinato de uma jovem japonesa por um ex-fuzileiro em 2016, e o caso de 2019, em que um militar matou sua parceira japonesa e cometeu suicídio. Houve também incidentes de segurança, como a queda de uma janela de helicóptero sobre o pátio de uma escola em Futenma em 2017, além de numerosos acidentes de trânsito relacionados à embriaguez ao volante.

Particular destaque merece o caso de 2024, quando o soldado Jamel Clayton foi condenado por agressão sexual em Yomitan. Clayton atacou uma mulher japonesa em área residencial durante a madrugada, sendo posteriormente identificado por câmeras e testemunhas. O episódio provocou vigílias, protestos e forte repercussão nacional, tornando-se um símbolo da sensação de vulnerabilidade enfrentada pelos moradores locais.

Somados, esses acontecimentos — incluindo brigas, vandalismo e episódios de embriaguez violenta — alimentam um clima de tensão constante entre a população de Okinawa e a presença militar norte-americana.

Todos esses episódios são agravados pelas regras do SOFA (Status of Forces Agreement), que oferece proteções jurídicas especiais aos militares americanos, frequentemente impedindo que suspeitos sejam entregues de imediato às autoridades japonesas. Isso gera a percepção generalizada — especialmente em Okinawa — de que os EUA gozam de privilégios coloniais, e que o Japão, mesmo após 80 anos do fim da ocupação formal, não controla plenamente seu próprio território.

Portanto, quando se argumenta que o Japão deveria assumir um papel mais militarizado no Estreito de Taiwan, a pergunta inevitável é: vale a pena sacrificar ainda mais o pouco que resta de soberania japonesa apenas para servir a uma aventura estratégica que não traria nenhum benefício real ao país?

A resposta, ao que tudo indica, é não. E uma parcela crescente da população japonesa — sobretudo nas regiões que convivem diariamente com as bases americanas — parece concordar.

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Frensel Lobo
Frensel Lobo

Jornalista investigativo e analista geopolítico.

Artigos: 54

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