Nem cidadania ou território, nem sangue ou descendência definem isoladamente o que é ser parte de um povo. Pertencer é uma escolha existencial: compartilhar destino, vitórias e derrotas de uma comunidade histórica. Este vínculo se dissolve na modernidade, onde pessoas habitam nações apenas burocraticamente, sem compromisso com seu destino coletivo – um nomadismo espiritual que esvazia culturas e tradições.
Na discussão sobre “o que é pertencer a um povo” tanto os que atrelam essa qualidade ao “ter cidadania” ou “nascer no lugar” quanto os que a atrelam ao “ser descendente” ou “ter sangue” estão nadando na superficialidade.
Esses elementos, de fato, exercem influência sobre o pertencimento, mas não o determinam isoladamente. E para entender isso é necessário compreender que um povo não é um fato da natureza, tampouco um fato geográfico, mas um desabrochar histórico-ontológico e existencial da universalidade humana numa instância circunscrita.
Não há nada na natureza que demarque um povo de outro em exclusividade, tampouco o solo possui qualquer significado aí porque há povos que se mantêm unidos mesmo quando espalhados pelo planeta. A lei das transformações territoriais é independente, em alguma medida dos povos. Fronteiras mudam, e um povo pode se ver dividido entre dois países e seus membros podem passar a ter duas cidadanias diferentes.
Se reconhecermos que o povo é um fenômeno histórico e aceitarmos que essa historicização do povo (ou seja, seu desdobramento) é como uma marcha em direção a – então alcançaremos uma compreensão do povo exatamente como uma comunidade organizada composta por homens que tomaram a decisão de buscar um destino unificado no horizonte.
Pertencer a um povo, portanto, é escolher e aceitar para si a sorte e o azar desse povo em sua marcha, é partilhar suas vitórias e derrotas e, muito mais importante, estar disposto a sacrificar-se, a bater-se com a Morte, pelo povo ao longo desta marcha.
Nisso, os outros fatores retromencionados podem influenciar. Afinal, será mais imediatamente natural que os filhos de um povo abracem o fardo de seus pais, mas isso não é dado. Os descendentes que migram comumente abraçam o destino de um outro povo. Por sua vez, pode acontecer de um filho de estrangeiros na terra daquele povo abraçar integralmente o destino do povo que o acolheu…mas isso também não é dado, e também é raro (veremos isso quando os europeus voltarem a guerrear).
No que concerne o tema, porém, mais me preocupa o fato de que para além de documentos oficiais o fenômeno que vai se tornando dominante é o da apatridia.
Na maioria dos países das Américas e Europa, números crescentes de homens não nutrem qualquer senso de solidariedade e pertencimento com o destino de seu povo. Quanto aos imigrantes e seus descendentes, nem se integram realmente no destino nacional, nem seguem pertencendo ao seu povo original, ficam num limbo.
É um fenômeno de desenraizamento generalizado que aos poucos vai empurrando a humanidade para um estado de nomadismo planetário no qual os povos só existirão como formalidades burocráticas em passaportes e identidades, mas não existirá qualquer povo (e, portanto, qualquer cultura e qualquer tradição) imbuído de uma missão histórica sobre a face da terra.