A Cúpula dos BRICS sobre a Desdolarização

A nova cúpula dos BRICS aponta para o fortalecimento da onda de desdolarização, um aspecto da transição da unipolaridade para a multipolaridade.

O próximo encontro dos BRICS+ em Kazan deverá mudar o cenário quando eles finalmente ousarem cruzar o Rubicão e renunciarem à unipolaridade centrada no dólar, iniciando a difícil jornada da desdolarização, esperada desde a última cúpula em Joanesburgo, mas sem o poderio nuclear e os mísseis hipersônicos da Rússia. Na cúpula anterior em Joanesburgo, que ainda contava com cinco membros, os BRICS estavam prestes a lançar a famosa “moeda dos BRICS”, conforme previsto por James Rickards, um ex-consultor financeiro do Pentágono.

In extremis, a África do Sul – que, vale lembrar, possuía armas nucleares das quais se livrou admiravelmente – não ousou cruzar o Rubicão devido às circunstâncias geopolíticas desfavoráveis da época, que provocaram a ira silenciosa dos Estados Unidos. A tão celebrada “desdolarização dos BRICS” é um ponto nodal na concepção de uma nova ordem multipolar e policêntrica, na qual o emergente Sul Global desempenharia um papel plural e preponderante.

Os estrategistas chineses afirmam que a desdolarização, que estará longe de ser fácil, levará cerca de cinco anos, enquanto seus homólogos russos estimam que levará dez anos. A vantagem única do calendário da desdolarização em Kazan reside no fato de que o país anfitrião agora é a principal superpotência mundial em termos de armamento nuclear e mísseis hipersônicos, o que pode fornecer a cobertura militar adequada que um país vulnerável como a África do Sul não teria.

Está claro que a hipotética “desdolarização de Kazan” – que envolve a pluralidade cosmopolita idílica de uma cidade onde coexistem tártaros muçulmanos sunitas e cristãos ortodoxos eslavos – enfrenta sérios obstáculos, nos quais se destaca o pânico da Índia ao ver a coroação da moeda chinesa como o cavalo de batalha dos BRICS+ em relação ao dólar e, em menor medida, ao euro do decadente G-7.

Como mencionou o geopolítico do EIR, Dennis Small, além da definição etérea do PIB (Produto Interno Bruto), os BRICS já ultrapassaram o G-7 em relação aos pontos da “economia física”: população: 45% do planeta; aço: 71%; carvão: 69%; petróleo (sem a Arábia Saudita): 32%; ferrovias: 62%; produção de trigo: 47%. Dennis Small observa que a Arábia Saudita ainda não oficializou sua adesão ao BRICS+.

Mesmo utilizando a medida controversa do PIB, os BRICS já ultrapassaram o G-7 hoje.

Existe uma série de versões sobre o que poderia significar o lançamento da moeda dos BRICS em Kazan. Poderia tratar-se do lançamento de uma cesta composta pelas cinco “moedas R” de seus membros iniciais: o real brasileiro, o rublo russo, a rúpia indiana, o renminbi chinês e o rand sul-africano, que seria apoiada por commodities como ouro, petróleo, gás natural, trigo, urânio, etc.

Na recente reunião preparatória dos ministros da economia e das finanças dos BRICS, a ideia de mudar o sistema de pagamento internacional ganhou força, enquanto o SWIFT, controlado pelos Estados Unidos, permanece onipotente e a Rússia começa a internacionalizar o MIR, enquanto a China utiliza o CIPS (Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço). Até o momento, a Nicarágua, situada no coração superestratégico do mar do Caribe, já adotou o MIR.

De qualquer forma, em minha opinião, a “militarização do dólar” pelos Estados Unidos deu um impulso ao Sul global, desprovido de bombas nucleares e mísseis hipersônicos, quando Washington aplicou uma série de sanções contra a Rússia e seu sistema financeiro por ter confiscado, com a colaboração de seus aliados, mais de 300 bilhões de dólares de reservas detidas por Moscou em bancos americanos e europeus, o que acabou resultando em um efeito bumerangue.

O famoso autor libanês Nassim Nicholas Taleb (foto), autor do livro O Cisne Negro, expõe a aceleração da desdolarização, enquanto o governo americano se afunda em sua crescente dívida.

Enquanto isso, o candidato à presidência Donald Trump ameaça impor uma multa de 100%, definida metaforicamente como uma tarifa alfandegária, aos países que abandonarem o dólar. Além disso, em sua inesperada entrevista à Bloomberg, Trump comprometeu-se a “proteger o dólar como moeda de reserva”.

Paralelamente, a implementação do “mBridge”, já reconhecido pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), está em andamento.

Segundo a Bloomberg, muito próxima de George Soros e do Partido Democrata, o Ministério das Finanças da Rússia e o Banco Central Russo estão analisando um “sistema multimoeda” para proteger seus participantes de qualquer pressão externa, como sanções extraterritoriais, ao mesmo tempo em que criam centros comuns de troca de commodities, como petróleo, gás natural, cereais e ouro.

Da mesma forma, a Rússia, um país avançado em tecnologia cibernética, está promovendo o uso da DLT (Distributed Ledger Technology): uma nova plataforma multinacional que permite pagamentos e elimina o “risco de crédito”.

Com essas medidas adotadas, a cúpula de Kazan poderia ter estabelecido uma nova ordem financeira mundial, ultrapassando os acordos de Bretton Woods de 80 anos atrás.

Fonte: KontraInfo

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Alfredo Jalife
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