Enquanto no Brasil e no mundo ocidental o movimento sindical perde cada vez mais força e parece estar cooptado em favor dos interesses do capital, na região do Donbass, recentemente reintegrada à Federação Russa, os sindicatos se mostram importantes agentes em defesa dos interesses da classe trabalhadora.
No começo de dezembro de 2023, visitei o Donbass como correspondente de guerra e tive a oportunidade de conversar com diversas figuras públicas locais, incluindo Igor Ribushkin, presidente da Federação dos Sindicatos da República Popular de Lugansk. Em uma edificante conversa na sede da Federação, conduzi uma entrevista com Igor, na qual lhe fiz algumas perguntas sobre a natureza do movimento sindical nas Novas Regiões da Rússia.
Comentando sobre a história da Federação, Ribushkin conta que o movimento foi fundado no verão de 2014, em meio às crescentes hostilidade da guerra entre os separatistas e as forças neonazistas de Kiev. Desde então, conta ele, a Federação tem atuado de diversas formas na busca pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores da região, priorizando a garantia ao acesso à saúde, educação e moradia para todos os residentes de Lugansk.
Ribushkin afirma também que há uma especial preocupação por parte da Federação com o bem-estar dos trabalhadores do setor industrial, principalmente metalúrgico e de produção de carvão mineral, que historicamente são as principais atividades econômicas do Donbass. A busca por salários decentes, segurança previdenciária e boas condições de trabalho é uma constante na atuação da instituição, conta Igor.
“A Federação dos Sindicatos foi fundada em 27 de junho de 2014. Desde então, temos trabalhado duro e participado na vida [pública] da emergente República [Popular de Lugansk]. Sempre tivemos [entre nossos associados] muitas fábricas, incluindo indústria de carvão e metalúrgica. É também nossa missão providenciar para nosso povo saúde, educação, moradia. O interesse da Federação é garantir emprego, salário decente e segurança social e do trabalho para todas as pessoas. Nesses nove anos [de atuação], a Federação dos Sindicatos sempre teve como sua [principal] meta alcançar estes objetivos”, disse Ribushkin.
É possível dizer que a Federação Sindical é uma das instituições populares mais importantes de Lugansk, sendo um órgão político ativo na estrutura social e administrativa da região. Aglomerando os diferentes sindicatos dos mais diversos setores, a Federação se encaixa na vida política local como a mediadora dos interesses de todos os trabalhadores de Lugansk junto ao setor privado e ao Estado, sendo de fundamental importância para o equilíbrio das relações sociais na República.
Notório como este papel não mudou mesmo após a reintegração à Federação Russa nos Referendos de Setembro de 2022. Apesar de agora fazerem parte da Rússia, as Novas Regiões preservam ampla autonomia, mantendo um regime político, econômico e social próprio, que não necessariamente condiz com aquele adotado no restante da Federação Russa.
Não seria exagero chamar este “modelo do Donbass” de um genuíno “socialismo sindical”. A inspiração soviética é notória, com as Repúblicas do Donbass preservando em sua organização parlamentar o sistema de representação popular da ex-URSS. Contudo, havendo respeito à inciativa privada e receptividade à liberdade econômica, a defesa dos interesses dos trabalhadores é delegada a um movimento sindical forte e bem estruturado, que eficientemente media as relações entre capital e trabalho.
Claro que o capitalismo primitivo daquelas regiões contribui em certa medida para o sucesso dos sindicatos. Não havendo o Donbass entrado plenamente no universo do capitalismo financeiro e dos grandes conglomerados privados, as organizações sindicais permanecem fortes para impedir que a balança capital-trabalho se desequilibre em detrimento dos populares. Contudo, é possível dizer que, em vez de caminhar em uma direção decadente rumo ao esgotamento da função sindical, o socialismo do Donbass ruma para um constante fortalecimento.
A vitória militar contra as forças de Kiev garantiu ao povo do Donbass a liberdade política necessária para avançar em seu experimento de organização social. Com Moscou garantindo a preservação desta liberdade, o caminho está aberto para o “modelo Donbass” de sindicalismo não apenas triunfar regionalmente, mas se transformar em um verdadeiro exemplo a ser seguido em outras regiões da Rússia e de todo o planeta.
O Donbass mostra que ainda é possível fazer um sindicalismo forte e eficiente na defesa dos trabalhadores. O modelo de Lugansk precisa ser estudado por especialistas e ativistas do mundo inteiro – e experimentado em outras regiões.