Nessa época do ano em que somos bombardeados com comerciais de televisão que vendem a ilusão de famílias felizes, reunidas em torno de uma mesa farta de alimentos, com árvores de natal cheias de presentes e gente bem vestida, cabe um balanço da atual situação da classe trabalhadora mostrando que a realidade da grande maioria dos brasileiros é o exato oposto do que a grande mídia divulga. Deivid Jorge e Arthur Pavezzi comentam o assunto.
Desde a grande crise de 2014-2016 a economia brasileira vem passando por um processo de estagnação econômica sem capacidade de retomada do nível do produto anterior à crise. Tal tentativa de recuperação do nível do PIB pré-crise pode ser caracterizada como atípica para os antecedentes do país, dado que, como mostra Borça et al (2019), a média das recessões brasileiras costumam ser rápidas e pouco profundas, colocando a atual conjuntura econômica como excepcional no histórico brasileiro (ver Tabela 1).
Tabela 1 – Recessões no Brasil desde 1980 – Duração e Amplitude das quedas do PIB
Em particular, a referência das crises mais longevas e de grande profundidade para o país, conforme a mensuração do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), eram até então as crises do início dos anos 80 (1T/1981 e 1T/1983) e da virada para os anos 90 (3T/1989 e 1T/1992), com queda acumulada de 8,5% e duração de 11 trimestres, respectivamente. A crise que atinge o segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de 2016 pode ser colocada em paralelo com estas duas, exibindo uma queda acumulada de 8,2% e duração de 11 trimestre, no entanto, acaba por desbancar todas anteriores no que diz respeito ao ritmo de recuperação (ainda não identificado), tendo transcorrido mais de 35 trimestres desde o início da contração do PIB.
Um dos sintomas dessa crise se reflete no mercado de trabalho, com atuais taxas de desocupação em torno de 9% (gráfico abaixo), isto é, compreendendo aquela faixa de pessoas da força de trabalho que estavam disponíveis para trabalhar, procuraram emprego e não encontraram.
Gráfico 1 – Taxa de desocupação no Brasil – Média móvel trimestral.
A agenda econômica desde a grande crise focou seus esforços em aplicar uma política econômica ortodoxa para o país, atraindo-se pelo mito da “contração fiscal expansionista”, estabelecendo um ajuste fiscal em 2015, a implementação de um “teto de gastos” na constituição em 2016 e reformas da previdência e no mundo do trabalho nos anos posteriores.
Sobre a reforma trabalhista, as promessas que rondavam a grande mídia, subsidiada por economistas do mainstream, era a possibilidade desta retomar os empregos anteriormente perdidos. Contudo, o que se tem observado na economia brasileira é ainda uma persistente alta taxa de desocupação, sem contar as modalidades de emprego que foram intensificadas com a reforma, como trabalhadores subutilizados (aqueles cuja jornada de trabalho é inferior a 40 horas semanais) e aqueles inseridos na categoria de pessoas jurídicas (PJ) – gráfico 2 -, isto é, trabalhadores que são contratados como se empresa fossem, gerando uma prática recorrente cujo objetivo é maquiar as relações de trabalho e driblar encargos trabalhistas, fazendo o empregado perder seus direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Gráfico 2 – Número de pessoas ocupadas no Brasil
Do ponto de vista da economia de um país, a informalidade – tanto do ponto de vista de uma empresa operando de modo informal (margem extensiva) quanto de um trabalhador atuando de modo informal (margem intensiva), é um aspecto negativo, pois além de diminuir a arrecadação dos impostos associados aos encargos trabalhistas, do ponto de vista da margem extensiva, provoca má alocação e queda do nível de produtividade da economia (PTF), conforme Hsien e Klenow (2009). Ademais, como mostra o gráfico 3, trabalhadores informais têm um rendimento real médio menor que trabalhadores com carteira assinada, desse ponto de vista, como a informalidade é mais presente nas camadas mais pobres da população, intuitivamente, maior informalidade implica em maior desigualdade de renda.
Gráfico 3 – Rendimento médio real do trabalho – Trabalhadores com e sem carteira assinada
Outro dado importante a se destacar e enfatizando o que já foi apresentado, é o baixo nível do Índice de Qualidade do Emprego (𝐸𝑄𝐼) – gráfico 4 – no mercado de trabalho (indicador que mede o nível de intensidade tecnológica presente na estrutura de trabalho brasileira), em partes, como mostra Oreiro et al (2022), devido às reformas promovidas nos anos recentes que foram incapazes de impulsionar o crescimento econômico e, em particular o teto fiscal, que deprimiu o investimento público, prejudicando a taxa de lucro do investimento privado.
Gráfico 4 – Índice de Qualidade de Emprego no Brasil (1990 – 2018)
Por conseguinte, diferente do que é transmitido nos comerciais de televisão dessa época do ano, construídos sempre com base na experiência particular de uma minoria da população, a passagem do corrente ano para o próximo ainda está imersa num ambiente de fome e insegurança do ponto de vista da classe trabalhadora, estando esta sujeita ou ao desemprego ou inserida em ocupações precárias de baixa remuneração e alta jornada de trabalho.
★★★
Referências:
Borça Jr., Gilberto, Barboza, Ricardo e Furtado, Marcelo (2019). “A recuperação do PIB
brasileiro em recessões: uma visão comparativa”. Blog do Ibre.
Hsieh, C.-T. & Klenow, P. J. (2009). Misallocation and manufacturing tfp in china
and india. The Quarterly Journal of Economics, 124(4):1403–1448.
Oreiro et al (2022). Labour Market Reforms In Brazil (2017-2021): An Analysis Of The Effects Of Recent Flexibilization On Labor Market Legislation. Conference: 34 th European Association for Evolutionary Political Economy Conference. At: Naples, Italy.