Recentemente, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) lançou mísseis balísticos em resposta ao aumento da atividade militar dos EUA, da Coreia do Sul e do Japão na região. O anúncio foi feito pelo Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Norte. Segundo o órgão, tratam-se de “justas medidas tomadas pelo Exército Popular da Coreia para combater os exercícios conjuntos da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, exercícios que aumentam a tensão militar na Península Coreana”.
Tensão no Pacífico
Em 7 de setembro, a 14ª Assembleia Popular Suprema da Coreia do Norte declarou o país um Estado Nuclear. O Decreto intitulado “Política de Armas Nucleares” foi adotado como a doutrina nuclear da RPDC. O documento enfatiza o direito da Coreia de possuir armas nucleares. Os princípios que fundamentam o uso de tais armamentos são proclamados: (I) em resposta a um ataque nuclear ou ao uso de qualquer outro tipo de arma de destruição em massa (ADM), bem como (II) em caso de ameaça iminente de ataque ao país usando ADMs.
Após este movimento soberano, o exército norte-coreano lançou mísseis balísticos. Em resposta, a Coreia do Sul, os Estados Unidos e o Japão anunciaram mais exercícios militares, e Washington anunciou uma remanejamento do porta-aviões Ronald Reagan para a costa da Coreia.
Os americanos e seus aliados realizaram seus lançamentos de mísseis, mas não tiveram sucesso. Em 5 de outubro, um míssil balístico Hyunmoo-2 do Exército sul-coreano caiu em uma base militar própria.
Os Estados Unidos levaram a questão do lançamento de mísseis balísticos desde o território da RPDC ao Conselho de Segurança da ONU no mesmo dia. No entanto, a Rússia e a China apoiaram Pyongyang, ressaltando o movimento coreano como uma modalidade de reação às ameaças dos Estados Unidos.
Em 6 de outubro, a Coreia do Norte realizou novos lançamentos de mísseis em direção ao Mar do Japão. Os EUA e o Japão, ao seu turno, continuam suas operações. A Rússia, representada pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, comentou o ocorrido, afirmando que considera tais exercícios uma ameaça à segurança da própria Rússia.
Os EUA estão aumentando a pressão sobre seus adversários no Pacífico. Não se trata apenas da China e da Coreia do Norte. No Alasca, a recém-criada 11ª Divisão Aerotransportada está equipada com 320 veículos blindados M1126 Stryker. Recursos humanos e equipamentos estão sendo direcionados para uma aparente guerra convencional em condições severas de inverno. Rússia e China, por sua vez, enviam navios de guerra para patrulhar as águas próximas às Ilhas Aleutas.
Coreia do Norte se aproxima da Rússia
A RPDC esteve entre as poucas potências que reconheceram a reunificação das regiões de Kherson e Zaporozhye, bem como as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk, à Rússia.
“Manifestamos respeito pela vontade dos residentes das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk e das regiões de Kherson e Zaporozhye, que buscavam se tornar parte da Rússia, e apoiamos a posição do governo russo em aceitar as regiões acima em sua composição”, diz um pronunciamento do chefe do departamento do Ministério das Relações Exteriores para Assuntos de Organização Internacional da RPDC, Cho Chul-soo (via Interfax). Vale lembrar que em fevereiro de 2022, a RPDC reconheceu o as repúblicas populares.
Em agosto, o vice-primeiro-ministro da Rússia, Marat Khusnullin, anunciou a possibilidade de abrir as portas para trabalhadores da RPDC na restauração da economia do Donbass. No entanto, o uso de trabalhadores norte-coreanos fora do país vai de encontro às sanções do Conselho de Segurança da ONU. Assim, a Rússia deve decidir se está pronta para ignorar essas sanções. Moscou pode obter uma força de trabalho disciplinada e eficiente. A Coreia do Norte, por sua vez, ganha ao receber fluxos de dinheiro e bens: energia e alimentos. Em 6 de setembro, Georgy Zinoviev, diretor do Primeiro Departamento Asiático do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, disse que a Rússia poderia em breve começar a fornecer petróleo e derivados para a Coreia do Norte.
Comentários de figuras públicas russas indicam que Moscou está inclinada a, pelo menos, não expandir as sanções contra a Coreia do Norte. Tal questão pode aparecer na agenda da ONU se Pyongyang decidir realizar novos testes nucleares em um futuro próximo.
“Dissemos repetidamente e repetiremos novamente: a imposição de novas sanções contra a RPDC é um beco sem saída. Uma medida que, como já dissemos, não traz nenhum resultado no caso da RPDC ”, disse recentemente Anna Evstigneeva, vice-representante russa na ONU.
Declarações muito mais radicais são ouvidas no ambiente da mídia russa. O famoso empresário Yevgeny Prigozhin, que está associado ao Grupo Wagner que luta na Novorússia, disse recentemente que observou “com a mais profunda vergonha” que “a Federação Russa ratificou sanções contra a Coreia do Norte e não vetou a ONU muitas vezes”. Segundo Prigozhin, o apoio de Moscou às medidas restritivas se deveu ao fato da Rússia estar, naquele momento, seguindo o exemplo do Ocidente.
Perspectivas de cooperação com a RPDC
Sob sanções e em uma guerra abrangente declarada pelo Ocidente, a Rússia não pode deixar de cooperar com países que enfrentam pressão do mesmo adversário. A RPDC é interessante, antes de tudo, por sua experiência de sobrevivência sob sanções, que pode servir de exemplo à Rússia. Igualmente importante é o seu potencial militar. O Exército Popular Coreano de até 1,2 milhão de pessoas é comparável ao russo em termos de números. Disciplina e um espírito guerreiro austero distinguem os norte-coreanos. A Coreia do Norte pode ser um importante aliado da Rússia para garantir a segurança e confrontar os Estados Unidos no Leste Asiático. Isso é especialmente importante em uma situação em que a atenção principal da Rússia está voltada para o conflito nos territórios da antiga Ucrânia.
A decisão da Coréia do Norte de fortalecer o componente de mísseis nucleares de sua própria segurança e reaproximação com a Rússia é causado pela decepção com o Ocidente e pela reviravolta de Washington na sua política de normalização das relações com este país. Já nos últimos anos do governo de Donald Trump, ficou claro que, apesar das reuniões de cúpula, nenhuma reaproximação real havia ocorrido. Os Estados Unidos recusaram e continuam a recusar respeitar a soberania da RPDC e levantar as sanções, mesmo em troca do máximo de concessões possíveis. Mas a Coreia do Norte não pode abrir mão das armas nucleares como garantia de sua soberania.
A Rússia deveria rever o regime de sanções existente contra a RPDC, que está se tornando um grande aliado no Extremo Oriente. Pode valer a pena considerar medidas para contornar as sanções para não violar as sanções formais do Conselho de Segurança da ONU. No entanto, se necessário, deve-se guiar pelos interesses nacionais, e não por normas internacionais obsoletas adotadas em uma situação geopolítica diferente.
Fonte: Geopolitika.ru