Putin, hoje, deu um discurso que ficará para a história e será estudado e recordado mesmo séculos no futuro. Não foi um discurso “pragmático” como os apolíticos gostariam, mas verdadeira declaração de “guerra espiritual” contra o Ocidente.
É um discurso que demarca a morte do legalismo internacionalista ocidentalista e dá um impulso ainda mais forte para a multipolaridade. A ordem internacional construída no pós-SGM e reformatada no pós-URSS não existe mais.
Foram recordados os heróis que regaram as estepes como seu sangue, como Motorola, Mozgovoy e outros. Foi um discurso que levou Kadyrov às lágrimas. É o tipo de discurso que muitos esperavam, há anos, vindo de Putin.
Após 8 anos de massacre, extermínio e perseguição. Após 8 anos de tentativas infindáveis de negociação, acordo e leniência. Posto contra a parede, diante da ameaça de extermínio físico, as pessoas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhie decidiram se reintegrar à Rússia. Segundo Putin, essas pessoas serão cidadãs russas para sempre e sempre.
É a reparação dos crimes de Gorbachev e Iéltsin que implodiram a URSS e dos erros de Lênin, Stálin e Khrushchev, que montaram artificialmente a Ucrânia moderna. A Ucrânia está, finalmente, sendo “descomunizada”.
Nesse sentido, inclusive, Putin insiste que a Rússia não pretende restaurar a URSS. A URSS está morta. O comunismo está morto. O povo russo se uniu para reconstruir sua unidade, seu Império, sobre uma outra base: Tradição.
O discurso de Putin não pode ser senão lido como uma clara aplicação prática, política e geopolítica, do Tradicionalismo russo. De fato, o próprio Dugin comentou que Putin transcendeu o mero “pragmatismo” e fez, finalmente, uma declaração contundentemente principiológica, colocando o conflito com o Ocidente mesmo em termos espirituais.
A Rússia está em guerra com a modernidade. Isso é explicitado pelo fato de que Putin pontuou assertivamente a ideologia de gênero como marca do Ocidente moderno, dizendo que os russos querem ter “papai e mamãe” e não “genitor 1 e genitor 2”, apontando ainda que o Ocidente, hoje, é uma força satânica no mundo.
A terminologia é, novamente, reminiscente do pensamento de Dugin e comparável também ao discurso xiita sobre o Ocidente como Grande Satã. A adoção dessa terminologia confirma o caráter espiritual da guerra contra o Ocidente e o caráter Tradicionalista que se pretende imprimir e cultivar na Rússia.
Isso não exime a Rússia de seus erros e problemas internos. Mas a guerra espiritual é, fundamentalmente, em primeiro lugar, uma guerra interior e apenas em segundo lugar uma guerra exterior (jihad interior vs jihad exterior, vide a “Metafísica da Guerra” de Julius Evola).
O Ocidente, segundo Putin, carece de valores morais e de religiosidade e quer reduzir o planeta inteiro a uma massa de átomos escravizados e sem alma. E suas elites simplesmente não entendem o anseio por liberdade dos outros povos.
Na sua sanha por reduzir todas as nações a feitorias coloniais, esse Ocidente guiado pelos EUA impõe um cerco à Rússia, à China, ao Irã e a outros Estados livres e soberanos, para dobrá-los e preservar sua hegemonia.
Putin, porém, afirma que começou um movimento em todo o mundo contra a hegemonia global liberal. As pessoas na Ásia, na África, na América Ibérica, até mesmo na Europa e América do Norte estão insatisfeitas, indignadas, ansiosas por liberdade.
É o fim da era do despotismo globalista. Nada será como antes.