10 Desvios Contrarrevolucionários que Sabotam a Dissidência

De um modo geral, o meio político dissidente, ou seja, antiliberal e antimoderno, se desenvolveu bastante ao longo dos últimos 10 anos em nosso país. Não obstante, ele ainda é assolado por certas doenças e desvios infantis que sabotam o seu crescimento.

O meio dissidente está cheio de ideias sabotadoras e contrarrevolucionárias. Em muitos casos são ideias sabotadoras e contrarrevolucionárias espalhadas com ingenuidade. Em alguns casos, a sabotagem ideológica é intencional e visa paralisar ou fragmentar a dissidência.

Por mais que essas ideias possam ser enfeitadas com frases de Evola e Nietzsche, ou com fotos de famílias americanas dos anos 50 ou estátuas do Arno Breker, elas são, todas, ideias contrarrevolucionárias que precisam ser extirpadas de nosso meio, por todos os meios à disposição.

Uma crítica dissidente da dissidência tornou-se extremamente necessária.

10 – Bucolismo Infantil

De um modo geral, o meio dissidente há muito superou certo otimismo histórico vinculado ao futurismo e se entrincheirou em uma crítica radical da urbanização, da mecanização das relações humanas, da fé na técnica e de certa artificialização provocada por um afastamento da natureza e dos ciclos naturais.

Frente a isso, tornou-se comum idealizar a “vida no campo”, com as suas “loiras em campos de trigo” e suas “cabanas na floresta” (com wifi, claro). Não há qualquer problema com decidir morar em uma cidade pequena ou com decidir cultivar a terra. O problema é quando isso é visto como substituto da ação política e da militância.

De fato, existe algo a ser celebrado no campesinato, no cultivo da terra, nas relações humanas mais próximas, mas tudo isso deve ser mobilizado enquanto símbolo para motivar uma luta política concreta, a ser travada também nas cidades. Fora da luta política objetiva esse fugere urbem não passa de covardia conservadora travestida de tradicionalismo.

9 – Domesticidade Burguesa

Outro meio amplamente usado na dissidência para legitimar a própria inércia e covardia é a cantilena de que “hoje a verdadeira revolução é casar e ter filhos”, não raro associado ao ponto anterior. Talvez entre incels a noção de constituir família possa parecer uma grande conquista, mas fora desse ambiente causa espanto que isso seja levantado como bandeira.

É evidente que a nossa era pós-moderna de capitalismo tardio e liquefação das identidades envolve certa dose de repetição de que “o céu é azul” e “2 + 2 = 4”, de modo que em uma época em que as pessoas tem “helicóptero de combate” como gênero realmente pode parecer coisa de outro mundo casar com uma pessoa do sexo oposto e ter filhos à moda antiga, mas não há nada de particularmente revolucionário em casar e ter filhos, e isso tampouco substitui a ação política.

Perpetuar a própria linhagem familiar sempre foi considerado importante em todas as sociedades tradicionais, mas isso é algo natural e, a não ser para quem possui vocação monástica ou semelhante, é o mínimo que se faz.

Na contramão de qualquer Tradicionalismo autêntico esse discurso não passa de um apelo à domesticidade burguesa, onde é o lar o centro da vida do homem e suas preocupações giram ao redor de “pagar boletos” e “crescer na vida”.

Quando você recua da ação política para brincar de “papai-e-mamãe” você está, simplesmente, terceirizando para seus filhos as tarefas políticas prementes de nossa era.

8 – Pavor da Política Partidária

É comum na retórica dissidente um certo moralismo antipolítica que anatemiza todo envolvimento com a política partidária burguesa como “corrupção”, “traição”, etc. Esse discurso é o típico infantilismo conformista travestido de radicalismo político dissidente.

Psicologicamente, essa recusa em se envolver na política partidária burguesa expressa um certo pavor geral em relação ao mundo adulto. É uma espécie de “Síndrome de Peter Pan”, mas aplicada à política. Entrar em um partido político não pode, mas pode ser um homem de 30-40 anos que ainda não conseguiu amadurecer em relação a sua adolescência na “cena”.

O mundo da política partidária burguesa é famoso por seus compromissos, acordos, negociações, alianças pragmáticas, etc. Tudo que causa nojo e inspira desprezo em todo dissidente, o que é perfeitamente justificado. Não obstante, nas condições concretas de praticamente todos os países do hemisfério ocidental o envolvimento com a política partidária é uma das vias mais importantes para a conquista do único objetivo real que um dissidente deve ter: poder.

Mesmo que se queira destruir o sistema partidário, virar o tabuleiro e acabar com o jogo assim que possível, ainda assim todo dissidente que não tenha algum envolvimento ou iniciativa nessa seara, ainda que secundariamente, deve ser visto como um amador ou equiparado aos anarquistas bobolescentes.

7 – Espontaneísmo Preguiçoso

Se perguntassem a Lênin, ou a seu herdeiro italiano Mussolini (não sou quem digo, mas o próprio Lênin…), sobre o caminho a ser trilhado rumo à revolução eles enfatizariam o trabalho invisível de formiguinha: as horas gastas datilografando, o tempo perdido decidindo e organizando questões insossas de logística, escrevendo artigos para pequenos jornais locais ou discursando para uma dúzia de pessoas.

A ação política revolucionária não é nada romântica. O romantismo vem depois, com os poetas da revolução.

Contra essa realidade não raro tediosa, muitos dissidentes fazem a apologia do “despertar do povo”. É a noção de que eventualmente (um “eventualmente” messiânico e milenarista que pode ser tanto amanhã como em mil anos…) o povo vai cansar de “tudo isso que está aí”, e que então espontaneamente eles vão se rebelar e derrubar o governo.

Naturalmente, nessa ocasião, os gordos granudos sairão do 4chan para guiar, como chefes naturais e xátrias inatos, as massas sublevadas. Uma ilusão que seria varrida pela leitura do A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset, ou do Psicologia das Multidões, de Le Bon. A essa preguiçosa fé no despertar espontâneo das massas costuma estar vinculado o ponto anterior, o pavor pela política partidária.

Em geral, quem lança anátemas sobre quem ingressa em partidos, disputa eleições, etc., defende que se espalharmos críticas do Holocaustianismo em quantidade suficiente, bem como imagens de estátuas peladas em estética vaporwave, eventualmente “tudo isso que está aí” vai mudar.

6 – Derrotismo Idealista

Sinceramente, eu nunca levei a sério aquela velha ideia de que, no desporte, o que importa é competir ou “dar o melhor de si” e não vencer. É óbvio que o mais importante é triunfar! Conquistar medalhas! Alcançar notoriedade! Ser reconhecido como um dos melhores!

No mesmo sentido, na política, sempre virei instintivamente os olhos a toda vez que ouvia, nos meios dissidentes, alguém começando aquele lero-lero de que “o mais importante não é vencer mas sim”… Ora, se você não está interessado em vencer o que você está fazendo na política? Alimentando o próprio ego?

Entre muitos dissidentes existe essa noção de que a ideologia “certa” concede de antemão uma “vitória moral” que torna qualquer vitória concreta, objetiva e histórica prescindível. Você pode ser um Zé Ninguém isolado em uma kitnet com uma página de Facebook seguida por 200 pessoas, mas como você leu alguns livros do Julius Evola você na verdade é um xátria e está destinado ao Valhalla. Ou você pode ter um “movimento” de meia dúzia de pessoas que não fazem absolutamente nada além de sair, de vez em quando, para beber e prosear.

Se alguém perguntar a um desses dissidentes o que eles pretendem fazer para chegar ao poder ou por que exatamente as coisas não parecem sair do lugar, então inevitavelmente eles te dirão que “a culpa é dos [insira aqui, indistintamente, judeus, maçons, muçulmanos, comunistas, ou todos ao mesmo tempo]”. Naturalmente que eles não são responsáveis pelo fato de que não possuem, literalmente, qualquer estratégia, ou mesmo um simples plano que faça sentido.

Vejam: eles poderiam, pelo menos, tentar. Mas nem isso. A “vitória moral” já os deixou satisfeitos. Não raro, esses tipos também se encaixam em todos os vícios ideológicos descritos anteriormente.

5 – Aceleracionismo Ingênuo

Uma infecção agravada pelo contato com meios alt-right com seu mito do “boogaloo“, na dissidência não faltam aqueles que acreditam, piamente, que “O Sistema” está à beira do colapso, e que amanhã mesmo o mundo pode se transformar em um cenário de Mad Max.

Seja por conta do tal Peak Oil (que, vamos admitir, caiu em desuso), de uma Revolução das Máquinas, de uma Guerra Civil Global, de uma insustentabilidade inata do Capitalismo, ou por qualquer outro motivo, dissidentes com certas tendências sobrevivencialistas (geralmente apenas virtualmente) se preparam para “o Fim”.

Eles acreditam, então, que sairão às ruas armados para restaurar a “sociedade Tradicional”. Tirando o fato de que se depararão nas ruas com o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital e a Liga da Justiça, o que provavelmente será trágico, o problema principal é que esse cenário é uma fantasia que serve para afastar a necessidade de militância metódica, construção minuciosa do processo revolucionário e pragmatismo político. Não precisamos fazer nada, só comprar latas de atum e ter um .38 para “proteger a família”.

O grande pavor com o qual essa categoria de dissidente evita se deparar é que já estamos “no Fim”. Em um Fim que, se deixado à inércia, não terá fim. Troque o “The End is Near” pelo “This Will Never End”.

4 – Trotskismo Dissidente

Um problema comum no meio dissidente, e não apenas no Brasil, é certa tendência ao sectarismo fundado em um puritanismo ideológico que torna qualquer mínima discordância sobre questões secundárias em contradições principais.

Nesse sentido, em vez de termos uma grande organização dissidente (naturalmente, com suas vertentes) vemos se proliferarem uma miríade de organizações nacional-nacionalistas com enfoques extremamente específicos, com número de membros variando entre 1 e 20, e que desaparecem tão rápido quanto surgiram.

Às vezes, nem é questão de puritanismo ideológico, mas simplesmente problema de ego de dissidentes que são completamente incapazes de se enquadrar sob uma hierarquia e de se adequar a uma disciplina revolucionária, e que racham por qualquer desavença pessoal.

3 – Necromancia Política

Fotografias a preto-e-branco, referências constantes a ídolos políticos mortos, lista bibliográfica quase completamente ocupada por alfarrábios empoeirados do século XIX e do início do século XX, sobre temas tão atuais quanto o carro a manivela.

Todos já vimos isso e continuamos a ver isso nos veículos e canais de propaganda de muitos grupos dissidentes, ou mesmo que apenas em seus perfis pessoais.

Muitos dissidentes são prisioneiros do passado. Carência afetiva? Não é possível dizer, mas esses dissidentes parecem sempre se sentir inseguros ou até ameaçados quando se trata de abordar temas contemporâneos com autores contemporâneos originais (e não meros comentadores ou repetidores de defuntos).

A Tradição, para esses dissidentes, não é uma luz que porta a possibilidade de libertação espiritual, mas uma tonelada de grilhões que vinculam a slogans repetidos ad nauseam. Tal como existe um “pensamento único politicamente correto” no mundo pós-liberal, existe um “pensamento único politicamente correto” no mundo dissidente, baseado em tratar literalmente qualquer obra escrita por algum defunto ligado à Terceira Teoria Política como a Bíblia.

Tentando ser otimista, pelo menos não é como a esquerda liberal, que transformou em Bíblia os livros do Harry Potter…

2 – Antiestatismo Pseudo-Tradicional

Seja por infiltração liberal ou por simples oportunismo de pretender atrair ancaps e libertários, existe uma minoria na dissidência que, propositalmente, não distingue suficientemente bem a crítica ao Estado Moderno de uma crítica liberal ao Estado.

É claro, esses “teonomistas” vão fantasiar seu filoliberalismo com todas as tonalidades tradicionais possíveis, das citações de Nietzsche aos apelos a uma “crítica vinda de cima”, passando pelo elitismo pueril. Mas a conclusão é a mesma, o Estado deve ser destruído para depois ele ser “reconstruído”, só que dessa vez tradicional, autêntico, orgânico.

O apoio ancap a essas críticas não causa qualquer rubor, o que desperta suspeitas sinceras.

Na verdade, desde uma perspectiva Tradicional, qualquer Estado, mesmo o moderno, é melhor que o mergulho caótico e anômico na indiferenciação pós-moderna. O Estado, mesmo enquanto pura forma, não é algo vazio de significado e não se iguala à Anarquia. Isso é o básico do pensamento político de Evola.

Esse é um “tradicionalismo” curioso que se irmana com o liberalismo foucaultiano e com o pós-marxismo autonomista de Toni Negri e Michael Hardt, ao mesmo tempo que com as ideias de Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe. Em casos com o de Marcos Ghio, essas noções chegam a vir associadas a um apoio ao ISIS e à Al-Qaeda, na medida em que “defender Assad é defender o Estado moderno e antitradicional”. Esses argumentos também apareceram entre neonazistas que pretendiam justificar seu apoio ao terrorismo ucraniano contra as populações do Donbass bem como seu antiputinismo. “Putin é burguês!”

Todos esses são apóstolos de um enfraquecimento generalizado do Estado como meio de alcançar uma “ordem mais justa”.

Evidentemente sabemos o que está por trás disso e onde essas ideias desembocam.

1 – Fetichismo Marginal

Pergunte a qualquer pensador dissidente dos últimos 50 anos sobre o fundamental “Que Fazer?”, e todos eles, de maneira unânime, falarão sobre a necessidade de beber da fonte gramsciana para que possamos promover a penetração institucional de nossas ideias.

É necessário produzir conteúdo acadêmico, é necessário se filiar e participar ativamente em sindicatos, é necessário fazer militância de base e organizar comunidades, é necessário produzir arte dissidente, é necessário construir contatos e redes de influência com partidos políticos, é necessário utilizar as redes sociais para tentar popularizar as ideias dissidentes. Popularizar, insistirão. Não aumentar o número de “marginais”.

Não obstante, ainda há muitos dissidentes que vão insistir nos comportamentos mais inocuamente marginais, ao mesmo tempo que posarão de radicais. Fakes de personagens de anime, teorias da conspiração completamente malucas, MGTOW, e mais um monte de manias e fetiches que despertam aversão nas pessoas comuns, mesmo nas que possuem a tendência ao dissenso.

A realidade é que existe muita gente que se sente mais confortável fazendo parte de um nicho político pequeno, geralmente ignorado pela mídia de massa e pelos órgãos públicos, e farão o possível e o impossível para manter a dissidência em uma bolha.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

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