Um dos inúmeros problemas da díade esquerda e direita que ainda polui nossa política contemporânea é o reducionismo sobre a complexidade dos fenômenos para evitar contradições que são, na verdade, inerentes e parte da existência como um todo.
A necessidade de se agarrar num discurso enclausurado em premissas insuficientes cria narrativas que, aí sim, se contradizem não pela essência complexa da realidade, mas pela inconsistência argumentativa.
O caso das operações no Rio de Janeiro exploram algumas dessas, como é o caso da “esquerda” liberal que insiste em sugerir que o problema das facções se dá pelo Estado corrupto que alimenta e “arrenda” territórios ao tráfico, mas nessa análise suprime a agência social do tráfico, como se realmente eles não passassem de peões do poder. O problema é que tu não pode defender algo assim ao mesmo tempo que defende o tráfico como uma agência de resistência à violência e exclusão do mesmo Estado.
A complexidade real e honesta está em entender que sim, o Estado e o Mercado são financiadores diretos do crime e das facções através de múltiplos esquemas de corrupção e submissão social, mas que em diversas esferas o Tráfico age na direção de emancipar-se e sair de uma lógica subalterna, o que inclui o terrorismo, desde uma ampliação de seus lastros sobre o território que comanda, não somente com “autorização” do Estado, mas desde suas próprias intenções, naturalmente, políticas.
Mas não ter essa leitura implica que, ao pensar o contexto mais amplo de “favela” como espaço de exclusão, repressão e práticas de biopolítica pelo Estado malvadão, recusa-se a possibilidade de interpretar as próprias contradições formadoras desse espaço, o que consequentemente cria narrativas bisonhas como a equivalência entre resistência armada palestina e o terrorismo do tráfico, ou a negação diante de pesquisas que apontam o habitante da favela como o principal apoiador da ação policial.
Isto é, esse tipo de pensamento, além de fraco e alienado da realidade, reduz a própria ação das camadas ditas “oprimidas” a um certo tipo de comportamento simplório, infantilizado. É um problema análogo ao discurso supostamente indigenista que olha para o índio do século XVI como sub-humano incapaz de se relacionar nos próprios termos e sempre “vitimado” pela vileza do colonizador. É um racismo condescendente muito mais grave e real do que o racismo estrutural que tentam imputar aos seus opositores.
Sabemos, é claro, que a defesa que essa gente faz dos traficantes está relacionado com uma conexão bem mais direta e profunda com esse fenômeno, mas me parece que nem mesmo assim eles se esforçam para criar um argumento mais forte. É ignorância total da realidade.


						
					





