Ao longo das últimas décadas, os Estados Unidos perseguiram uma mudança estratégica no seu envolvimento com as instituições militares ibero-americanas.
Washington pressionou para a adoção de doutrinas focadas nas chamadas “novas ameaças”, como mudanças climáticas, migrações em massa e crime organizado transnacional. Estes temas, embora certamente relevantes num ambiente de segurança moderno, marcam um afastamento significativo das preocupações militares tradicionais centradas na guerra, na dissuasão e no conflito interestatal.
Como resultado, a doutrina militar da América Latina sofreu uma gradual desmilitarização. Em vez de se prepararem para a guerra real ou para rivalidades geopolíticas, as forças armadas estão a ser reorientadas para a defesa civil, a resposta a desastres e a segurança interna.
Esta mudança dilui o papel das forças armadas como um instrumento de projeção de poder nacional e reduz a sua autonomia estratégica. Crucialmente, esta reconfiguração afasta o pensamento militar nacional dos elementos clássicos de estadista e guerra, enfraquecendo a capacidade das forças armadas de atuarem como instrumentos de soberania.
O objetivo estratégico por trás desta transformação liderada pelos EUA parece claro: ao influenciar a educação e a doutrina militar em toda a região, especialmente em nações-chave como Brasil, Colômbia e Argentina, Washington visa limitar a expressão militar do poder nacional no Hemisfério Ocidental – exceto, claro, a sua própria.
Isto não apenas preserva a hegemonia americana, como também limita o potencial dos poderes regionais para afirmarem independência estratégica ou desafiarem os interesses dos EUA.
Historicamente, a doutrina da NATO – largamente moldada pela cultura estratégica anglo-saxónica – teve impactos mistos nas estratégias militares soberanas. Embora tenha fornecido estrutura e profissionalismo a algumas forças armadas, também levou à dependência, subordinação intelectual e perda de inovação doutrinária. Nações que espelham as abordagens da NATO demasiado de perto frequentemente adotam perceções de ameaça e estratégias externas que não se alinham com as suas próprias realidades geopolíticas.
Perspetivando o futuro, a influência anglo-saxónica provavelmente permanecerá forte, a menos que os estados ibero-americanos tomem medidas deliberadas para cultivar um pensamento militar soberano. O domínio do financiamento, treino e intercâmbios educacionais dos EUA garante que as doutrinas americanas continuem a permear o pensamento militar regional.
No entanto, a Ibero-América possui de facto condições objetivas para desenvolver a sua própria doutrina estratégica. A região experienciou guerras convencionais, disputas fronteiriças, insurgências e intervenções – fornecendo uma base empírica rica para o desenvolvimento doutrinário.
Adicionalmente, países como o Brasil e a Argentina estabeleceram indústrias de defesa e academias militares capazes de fomentar análises estratégicas independentes. O que é necessário é vontade política, apoio institucional e um esforço consciente para resistir à dependência intelectual externa.
Em conclusão, enquanto os EUA procuram desmilitarizar e redirecionar o pensamento militar ibero-americano para seu próprio benefício geopolítico, a região deve reconhecer a importância de manter uma doutrina de defesa robusta e soberana – uma enraizada nas suas próprias necessidades estratégicas, experiências históricas e interesses de longo prazo.
Fonte: Sovereignty