João Guimarães Rosa e o Regionalismo Mágico

No aniversário de João Guimarães Rosa, recordamos sua vocação poética e metafísica, assim como sua capacidade singular de conjugar particular e universal num regionalismo mágico carregado de símbolos primordiais cuidadosamente associados.

27 de Junho é aniversário de João Guimarães Rosa, um colosso da literatura brasileira, cuja qualidade transcende os recursos estilísticos bem executados e o domínio e manipulação da lingua portuguesa com a maestria que somente os iniciados nos mistérios do que faz uma língua a morada do Ser possuem.

Guimarães Rosa vai além: ele mergulha nas águas profundas da pré-consciência humana e vai até aquelas imagens primordiais que emanam do imaginário humano, entendido aqui como a esfera da existência de onde emergem essas imagens primeiras a serem concatenadas pelas diferentes lógicas verbais que estruturam as bacias semânticas culturais.

Sua obra imortal, Grande Sertão: Veredas, é uma verdadeira realização alquímica (como sugeria Walnice Nogueira Galvão) em forma de prosa poética, ou “transprosa”, como o próprio Rosa preferia. A jornada de Riobaldo é uma metanarrativa que encarna o drama humano nas diversas etapas do percurso antropológico, sendo por vezes considerada uma cristalização mágica do regionalismo, ora uma análise das profundezas da alma individuada, com recursos goetheanos e psicoanalíticos.

Ali, o Sertão é o Cosmo Mítico, e o autor o contempla e dramatiza com precisão poética e ritmo que encarna o próprio genius loci sertanejo. A jornada heroica de Riobaldo é o próprio gesto do narrar a existência se desvelando diante do sujeito, prenhe de significados e perspectivismo das coisas mesmas que tomam vida e alma como na mitologia indígena. Longe da linearidade da história morta, Rosa evoca o tempo cíclico e a oralidade dos contadores de estória.

Em “Sagarana”, outra de suas clássicas obras, o regionalismo é o particular que contempla o universal, e é um espaço esotérico que existe no próprio Ser. “O Sertão é dentro da gente”, dizia. Ao mesmo tempo, não se preocupava tanto com os estereótipos, mas com aquilo se revela dentro deles, o espaço essencial e existencial. Sem se ater a crueza social que aparece em demasia n’outros autores, Rosa faz do drama regional algo cósmico, fundindo popular e erudito em camadas simbólicas que culminam em clímax simbólico.

Fluente em doze idiomas e inventor de palavras, médico que receitava poesia como remédio, diplomata receoso que lançou mão de pseudônimo para iniciar carreira literária, profeta da própria partida, João Guimarães Rosa é autor inesquivável na literatura universal, e uma personalidade admirável dentre os singulares do povo brasileiro. Mais que escritor, criador, pois como revela ao delinear o diabo de seu Sertão em Veredas, o verdadeiro horror é sempre o não-ser.

“O senhor sabe: o demônio é o vazio. O vazio é o que não está nem aqui nem lá. O demônio é o que não tem nome, nem rosto, nem história.”

Seja sua memória eterna no imaginário da pátria brasileira!

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Augusto Fleck

Gaúcho, dissidente, bacharel em Ciências Sociais e tradutor.

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