O caráter acadêmico de um autor não garante a qualidade de sua obra, tampouco a relevância de sua contribuição intelectual. Precisamos insistir no valor da “literatura de catacumba” e dos autores proscritos.


Graças à internet uma miríade de novos autores polêmicos encontrou leitores no Brasil. São autores críticos da democracia e dos direitos humanos, alguns deles com uma veia nietzscheana, ocasionalmente antifeministas, um punhado escreve sob pseudônimos.
De autores que vão da Alt-Right ao NRx, passando pela Nouvelle Droite e pela Quarta Teoria Política, o produto é um conjunto de ideias ousadas e, não raro, extravagantes que rompem completamente com as expectativas de quem está acostumado a consumir Bobbio, Popper e Habermas, como “intelectuais respeitáveis”.
Eis aqui, então, a questão: diante dessa proliferação de autores como Costin Alamariu, Guillaume Faye, Aleksandr Dugin, Curtis Yarmin e um sem-número de outros, há gente preocupada com a preferência por autores “fringe” na busca por uma crítica da democracia contemporânea. Por essa linha de pensamento, devemos dar preferencia a pensadores “respeitáveis”, aceitos na “academia”.
O problema nessa perspectiva é simples. Ela parece tomar como dado que aquilo que encontramos no meio acadêmico é o que há de melhor e mais refinado do desenvolvimento teórico no mundo contemporâneo. É uma leitura meio darwinista sobre como funciona a conquista do “renome” acadêmico e sobre como as ideias triunfam nos espaços acadêmicos.
É uma leitura, aliás, míope sobre os efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre a vida intelectual das décadas seguinte, com campos inteiros do conhecimento proscritos, autores renomados forçosamente esquecidos ou banidos, teorias tidas como autoevidentes relidas como pseudo-ciência, etc. Sobre a vida intelectual do pós-SGM passou a pairar um filtro que isolava e excluía qualquer ideia tida por antidemocrática ou antiliberal – a não ser que ela fosse marxista ou marxiana.
A apologia das diferenças inatas entre homens, a crítica fundamental dos direitos humanos e da democracia, o elogio da guerra, o ceticismo em relação ao progresso, tudo isso e muito mais passou a ser varrido para baixo do tapete. Ocasionalmente, algum autor renomado era “perdoado” por indiscrições politicamente incorretas, como no caso de Foucault, mas desde que para chegar, por exemplo, a uma crítica da democracia ele tomasse o caminho mais longo.
Mas as crises contemporâneas que afetam o Ocidente e suas “colônias” dizem respeito precisamente aos temas banidos, às teorias proscritas e aos autores anatemizados. Tudo aquilo que o establishment intelectual tentou exorcizar da Academia constituía exatamente um material de reflexão necessário para tirar do homem o otimismo bobo com o qual o Ocidente tem conduzido seus assuntos. Não por acaso, inclusive já se chegou a recorrer ao assassinato, como no caso de Daria Dugina, obviamente assassinada por suas ideias.
É claro que nos últimos 10 anos o cenário começou a mudar. Alguns desses autores proscritos foram, finalmente, aceitos no establishment, pelo menos em parte. Alain de Benoist, por exemplo, debateu com Chantal Mouffe na TV francesa e entrevistas suas ocasionalmente aparecem em jornais de boa circulação. Aleksandr Dugin voltou a ser professor universitário e seus escritos sobre Heidegger, sobre o platonismo e sobre multipolaridade já receberam tratamento acadêmico em monografias ocidentais.
Não obstante, dos anos 50 ao início do novo milênio, a realidade é que algumas das mentes mais brilhantes do mundo foram mantidas afastadas da esfera pública, e aqueles que tentavam abrir-lhes espaço eram, inclusive, ameaçados com excomunhão (como ocorreu inúmeras vezes com a revista Telos, que frequentemente publicou autores da Nouvelle Droite).
A conclusão aqui não é a de que se deve rejeitar os autores “aceitos” em prol dos “proscritos”, mas sim de que a Academia deixou de ser a régua do rigor e da fecundidade intelectuais, se é que alguma vez já foi (bastando que recordemos que alguns dos autores oitocentistas mais influentes do século XX foram precisamente “autores proscritos” do meio acadêmico – em Paris se estudava, por exemplo, Victor Cousin e Maurice Blondel…e quem se lembra deles hoje?), e que deixar de estudar os grandes pensadores acadêmicos das últimas décadas é tão prejudicial para a própria educação quanto se recusar a estudar os “autores proscritos”, cujas ideias parecem, hoje, tão politicamente influentes quanto as de Deleuze ou Butler.